Eu levo minha filha de quase 18 anos para a escola todos os dias, por Matê da Luz

O porquê de eu levar minha filha de quase 18 anos para a escola todos os dias

por Matê da Luz

Minha adolescente tem quase 18 anos, acho que quem acompanha as postagens por aqui já tem conhecimento. O que muita gente – daqui e da minha “vida real” – ainda não sabe é o verdadeiro motivo de eu ainda levá-la para o colégio rotineiramente, de carro, quando ela “poderia muito bem pegar um ônibus”. 

Sim, ela poderia muito bem pegar um ônibus, por diversos e diferentes motivos, dentre eles o de extrema relevância que dá conta de muitas horas de sono a mais na minha própria rotina. Se você é como eu, uma pessoa que aprecia a arte de uma noite bem dormida (e que vez ou outra sofre com insônias terríveis, perceba o drama!), bem, você sabe muito bem do que isso se trata.

Acontece, amigos, que eu sou uma visionária. Perceba: de uns tempos pra cá, se você é mãe ou pai fresco ou, ainda, convive com bebês na família ou de amigos e, ufa!, frequenta ambientes online que falam sobre filhos e afins, com certeza você já ouviu falar sobre maternagem ativa. Calando a boca daquela tal encantadora de bebês que, em meados de 2013, proferia que o bebê deveria, desde muito cedo, aprender a lidar com a independência (!) e solidão (!!!!), abusando do “deixa chorar”, “peito só com hora marcada” e outras pérolas que eu ainda não entendi, e nem quero entender, saca?, a maternagem ativa levanta a bandeira da mãe e do pai que estão realmente presentes na vida daquela pessoa, o bebê. E eu, desde que ela chegou, em 1999, venho lançando mão de uma “técnica” muito intuitiva, seja pelos meus próprios traumas (vou ficar aqui e fazer o melhor pra que ela não passe pelo mesmo que eu e/ou estarei aqui pra ela caso algo aconteça), seja pelo simples fato de curtir, e muito, em níveis elevados, a troca que a convivência com essa pessoa proporciona. Desde sempre, muito sempre mesmo, parece que eu esperei a chegada dela pra andar direitinho e sorrindinho por aqui. Ai, que amor! 

E isso é tão, tão sério que mesmo nos tempos mais pesados de depressão eu não deixei de cumprir meus combinados com ela – mesmo que não houvesse energia disponível pra cumprir os meus comigo. Ao mesmo tempo, a existência dela florescendo rotineiramente tão pertinho foi crucial pra decidir procurar todo tipo de ajuda possível e melhorar, porque só quem já esteve deprimido sabe, em algum momento rola uma consciência de que você não está nem perto de dar o seu melhor e, sorte de quem sente, tem gente que muito merece o seu melhor (além de você mesmo, em primeiro lugar, sempre, mas este é um ponto que o depressivo demora muito, muito, muito pra perceber). É claro que eu percebo que além dela existir do meu lado, convivo com gente muito boa que ilumina estrada afora e, obviamente, ajuda na condução pra fora da zona de perigo. 

Mas não é bem esse o tema, voltando estou. 

Eu levo minha filha de quase 18 anos pra escola porque a gente conversa muito no trajeto. Sobre a escola em si, sobre a política, sobre a vida, sobre os namoros, sobre questões sociais, sobre sonhos, sobre realidades. É ali, em trânsito, que eu aproveito a primeira oportunidade de acariciá-la, seja no rosto ou nos cabelos, e dizer pra ela rotineiramente o quanto ela é importante pra mim e praquela pessoa que está atravessando a rua também, porque ela é importante pro mundo enquanto indivíduo e então que se comprometa a fazer coisas boas também pro mundo. É ali, em trânsito, que combinamos o que faremos durante a semana, durante o dia, durante o mês, quiçá o ano, e também é onde a gente dá risada de como nossos planos são diferentes, quase que obviamente, mas sorrimos com a alma quando percebemos que tentamos arduamente nos incluir no planejamento uma da outra. É ali, em trânsito, que existe uma troca muito mais honesta e verdadeira pra gente do que um “senta pra almoçar e conta como foi seu dia” ou um “me conta, filha, o que tá se passando por aí, em você” em um evento especialmente determinado praquilo, um “dia da filha”, sei lá eu. É certo que algumas pessoas não têm esse privilégio, assim como é certo que algumas pessoas não fazem essa escolha – que, como todas as escolhas, impacta em ônus e bônus. É ali, em trânsito, que transito pelo mundo dela e ela no meu, trazendo pra nossa prática rotineira de mãe-e-filha outros compartilhamentos que, se não fosse a carona matinal, acredito eu, estariam perdidos nos tempos ocupados e cansados do fim do dia. 

Maternagem ativa. Adoro pensar que este é um formato possível e lindo de estar ali, realmente dividindo a vida com alguém e que essa troca não acontece somente na esfera da interdependência, mas da troca propriamente dita, onde eu cresço e me liberto tanto quanto forneço ferramenta pra que ela cresça – e se liberte, linda e deliciosamente quando tenho comprovado ano após ano – mesmo que quase ninguém por aqui entenda que pra ela ser ela, eu tenha precisado recrutar um eu que nem eu mesma reconhecia e, repare a importância, as caronas matinais com minha filha desde sempre me mostraram que estava ali, pronta pra brilhar. Ai, que amor! 

Mariana A. Nassif

Mariana A. Nassif

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  • MEDO

    Não mete essa...leva porque o bicho está pegando.

    Fosse eu pai de uma filha só a deixaria sozinha no altar...

     

    Quadrado? Nada, previdente.

     

    Tive três meninos e tb não os deixe muito a vontade até essa idade.

    Muito...muito medo de perdê-los.

     

    Um abraço Nassif,

    • Caro colega debatedor, com

      Caro colega debatedor, com todo o respeito, mas acho que o "bicho já te pegou".

      Nós, mamíferos, racionais, criamos uma "sociedade" ( que não é comunidade) , com "divisão de trabalho , dentro de um "Estado", que se diz "soberano, democrático, republicano etc" visando o que?

      Ora, um  aprimorando da "vida" em relação aos outros "animais irracionais, inclusive, em relação aos outros mamíferos. 

      Em suma, manejamos a natureza para que ela nos forneça "bens" melhores para nós mesmos.

      Obviamente, a liberdade civil - aquele de Rousseau - deve prevalecer para tudo e para todos!

      Liberdade é liberdade com moral e "bons costumes"!

      Seria razoável supor que com isso pudéssemos deixar "nossa criaa" ( nosso bicho)  livre o quanto antes, sobretudo, a caminha de uma escola sem partido...

      Para o bem dela(e) e de todos em busca do "crescimento econômico".

      Eis a vida "racional" dos mamíferos superiores!

      Noutra linha, um descendente se justifica,  antes de tudo, como sendo a "manutenção da espécie".

       

      Curiosamente, limitamos a "liberdade" do mamífero , mesmo após o período de amamentação.

      Fala que nossa "racionalidade" não está meio "paradoxal" ?

       

    • Gostei Fernando!

      Você foi sincero no que disse, e eu penso um pouco o mesmo! Por outro lado, entendo perfeitamente o dela: ela está ali, disposta e com tempo para levar a filha, então ela faz!! O bonus é óbvio: ganha mais espaço para convivência. Lá em casa era o ritual do café da manhã, onde eu sentava com calma com a minha mãe e falávamos de tudo. 

  • Desculpe-me mas acho que você

    Desculpe-me mas acho que você ainda está brincando de boneca.

    Deixe sua filha crescer "republicanamente" para a vida adulta.

    Boa sorte.

  • Entendi...

    É muito parecido com o que eu faço com minha filha. As diferenças são: ela é um pouco mais nova e nós duas vamos de ônibus, ela para a escola e eu para o trabalho. Se esse foi o momento que você encontrou para dialogar com ela, parabéns! Nem todo mundo está disposto a encontrar (ou criar) esse momento... nem a entender quem o faz...

  • Legal sua reflexão sobre
    Legal sua reflexão sobre isso. Eu comecei a ir pra escola de onibus aos 10 anos. Na epoca fiquei muito feliz por me sentir mais independente, mas na real só aprendi esse trajeto rsrs. Fui levar muito mais tempo pra aprender a me virar na cidade.

    Não acho que seja problema levar uma filha de 18 anos pra escola. O problema seria uma pessoa dessa idade nunca ter pego transporte publico sozinha, nao saber voltar pra casa por conta propria etc

  • Li seu texto com muito respeito

    Entendi-o desde a primeira linha.

    Também sou mãe, filha 37 anos; filho 27.

    Maternagem é exercício, é companheirismo, é repartição. Sabe mais da vida quem tem filhos paridos, ou reconhecidos como filhos.

    Quem cuidou diuturnamente de dores, doenças, alegrias, orientações de seus filhos, normalmente, é menos duro nos julgamentos alheios, é menos competitivo, menos devasso e até menos arrojado pelas pirambeiras e precipícios da vida. E é assim porque pensa e sente o que aquilo tudo gerará nos filhos, o que suas ações e escolhas provocará neles. Enfim, aprende a pensar no outro e não apenas em si mesmo, em seus próprios prazeres e regalos.

    Uma boa mãe (e um bom pai) pode vir a exercer com maior facilidade o que acredito ser o solidário, a compaixão, o altruísmo, a benevolência. Começa ali na maternagem. Aprendi logo cedo isso, vendo minhas cachorras ficarem prenhas, parirem, cuidarem dos filhotes, amamentarem etc.

    Respeito muito suas palavras, Matê da Luz.

    Abraço

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=TMSfivTHSag%5D

  •   Identifiquei-me com seu

      Identifiquei-me com seu relato, Matê. Não por eu ser pai, mas filho. Percebo que algumas das mais importantes conversas com meus pais não só se deram por algum deles estar me levando de carro para certo lugar, mas que talvez só puderam ter existência porque eles se dispuseram a dar tal carona. Em casa, dificilmente haveria contexto tão favorável para tais conversas, pois cada um tem seu cômodo privado e, se não fosse pela necessidade de sentar na mesma mesa nos horários de refeição ou trombar com eles de vez em quando, raramente compartilharíamos tanto tempo juntos. É paradoxal porque é justamente em casa que habitamos e estamos o maior tempo "juntos". No carro, as circunstâncias impedem esse distanciamento e o trânsito torna ainda mais suscetível as conversas.

      Vejo que, de início, você se esforçava a levá-la mais por uma questão de obrigação e que, com o tempo, reconheceu que existe um sentido e possível prazer envolvidos nesse hábito tido, às vezes, como incômodo necessário. É algo raro, hoje em dia, conseguir desfrutar desses momentos de dever. Aproveite-os ao máximo! Quem sabe sua filha também não os aproveite?

  • 18 anos adolescente.... Eh
    18 anos adolescente.... Eh engraçado como no Brasil um jovem é ainda chamado de adolescente e um adolescente de criança... Sei la, pelo que vejo dos jovens brasileiros, tem alguma coisa nessa maternagem excessiva, sem muita responsabilização, que não da muito certo.

  • Uma imagem diz mais do que mil palavras.

    A foto diz tudo, o texto é desnecessário, basta o título e a imagem

     A moça de 18 anos anda com os pés da mãe, que a vê como um bebê

    Maternagem ativa nâo se confunde com infantilização ativa

  • 18 anos?

    !8 anos e é adulta?

    Uma MENINA de 18 anos, hoje, é uma menina.

    Não sabe nada, apenas o que o mundo externo lhe "informa" de forma quase sempre bastante deturpada.

    E é idade perigosa, idade do "eu sei de tudo".

    Sabe nada.

    Idade,  palavras da mãe, idade dos namoros.

    Quais, quanto, como?

    A Alemanha, espontâneamente, já reviu tais conceitos. Namoro virou... namoro!

    Aqui, com nossa mídia?

    Um país devastado por meios de comunicação sujos, novela das 18 horas mais insinuantes que filmes pornô, de fato a nossa televisão é mil!

    Inibir o crescimento é ruim, mas não me pareceu o caso.

    Já vi mães ou pais, como eu, perderem seus filhos para a vida.

    Conversar com um filho, ter a oportunidade é algo imprescindivel nessa terra de ninguém.

    Deixar crescer, sim.

    Conviver, também.

    Não, uma menina de 18 anos não sabe nada da vida e a vida pode tomá-la de forma definitiva.

    Bem eu sei!

    Fazes bem, mamãe.  De forma ponderada e espontânea, fazes bem.

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