Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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A crise dos partidos e o fim do monopólio da política, por Aldo Fornazieri

A crise dos partidos e o fim do monopólio da política, por Aldo Fornazieri

A crise global da política, que é também uma crise da política global, tem vários de seus aspectos relacionados à crise dos partidos. A crise afeta os partidos de centro-direita, de centro e de centro esquerda. Nas bordas dessa crise, nos últimos tempos, em alguns países, houve um crescimento de partidos de extrema-direita e de esquerda radical. A própria Grécia é exemplar nesse fenômeno: ao mesmo tempo em que o Syriza venceu três eleições consecutivas, a extrema-direita do Aurora Dourada também cresceu. Isto ocorre, em maior ou menor grau, também em outros países.

O surgimento de Partidos-Movimentos, a exemplo do Syriza e do Podemos na Espanha, foi saudada pela intelectualidade de esquerda como uma nova esperança de organização política mais aberta, menos burocrática e mais propícia de encaminhar uma luta política anti-sistêmica no plano global. Esses dois partidos, no entanto, são também expressão dos limites que as novas organizações de esquerda padecem. Com três vitórias eleitorais – uma no início do ano, o referendo sobre o acordo da dívida e a nova eleição que reconduziu Alexis Tsipras novamente à condição de primeiro-ministro – o Syriza não conseguiu fugir ao acordo atenuando, mas mesmo assim imposto pelo FMI, pelo Banco Central Europeu e pela Alemanha. O Podemos está em processo de desidratação eleitoral com a recuperação econômica da Espanha, que coloca o conservador Partido Popular na liderança das intenções de votos, seguido pelo tradicional PSOE, de centro-esquerda.

Os Partidos-Movimentos foram vistos como organizações que saberiam combinar a democracia representativa com a democracia direta em seu interior. Até agora, esta esperança não se confirmou. Embora, de fato, tenham permitido uma maior participação de militantes, através de reuniões abertas e de plataformas participativas, tanto o Podemos quanto o Syriza não deixam de ser organizações bastante centralizadas. Convém lembrar o vaticínio de Robert Michels que afirmou que o destino de todos os partidos é a burocratização, a centralização e a oligarquização. O que se pode dizer até agora é que os Partidos-Movimentos são rebentos ainda em formação da crise da esquerda tradicional, que foi cooptada pelo sistema global e se corrompeu. Que tipo de alternativa eles poderão constituir e se são viáveis ou não, são questões ainda abertas.

O Fim do Monopólio Político e o Monopólio da Representação

Do ponto de vista mais geral, a crise dos partidos se relaciona a dois fenômenos. O primeiro diz respeito ao fato de que os partidos, tal como os sistemas democráticos onde atuam, foram capturados pelo grande capital. Essa captura tem vários aspectos, destacando-se: aumento do poder de barganha e de chantagem das empresas em face dos trabalhadores, dos partidos e dos Estados por conta da mobilidade do capital conferida pelas novas tecnologias; limitação do poder dos governos em face do aumento do poder dos mercados; submissão dos partidos aos ditames do capital através do sistema de financiamento privado-publico, o que os têm levado a uma autarquização e estatização crescentes.

Mas um dos problemas mais relevantes para analisar a crise dos partidos, que é uma crise de legitimidade junto aos eleitores por não se reconhecem nos eleitos, diz respeito ao fim do monopólio do discurso político que eles sustentavam por décadas. A perda do monopólio do discurso político se deve ao surgimento daquilo que alguns especialistas chamam de democracia monitória: o surgimento de milhares de instituições e organizações de natureza política, cultural, social e econômica que monitoram e criticam o comportamento dos políticos, dos partidos, dos governos e das instituições representativas. O monitoramento e as críticas desnudam o caráter manipulador do sistema político, os seus equívocos, a sua corrupção e a sua incompetência.

Com isso, os partidos e o sistema político como um todo perdem legitimidade junto à sociedade que, com frequência crescente, passa a assumir um discurso antipolítico ou a votar nas novas agremiações de extrema direita e de esquerda radical que fazem críticas duras aos partidos tradicionais. As redes sociais, que deram voz ampliada a indivíduos e grupos, contribuíram para agravar a perda do monopólio do discurso político.

Mas há um paradoxo em tudo isto: porquanto os partidos e os políticos perderam o monopólio do discurso político, eles mantêm o monopólio da representação política legal nas democracias. As sociedades mantêm-se prisioneiras desse paradoxo: por um lado, um profundo desencantamento com os partidos e a sua rejeição e, por outro, ela, de alguma forma ou de outra, precisa votar em atores e no sistema que rejeita.

Para sair desse impasse, muitos estudiosos propõem a quebra do monopólio da representação política dos partidos, permitindo que movimentos sociais e outros agrupamentos possam lançar candidaturas avulsas, candidaturas não partidárias. As candidaturas avulsas já são uma realidade em vários países e o argumento é que elas exercem uma ação de moderação e de temperamento à conduta dos partidos e dos políticos. Mas não existem ainda estudos significativos que mostrem os impactos que elas exercem sobre os partidos. Nem mesmo se elas melhoraram o sistema de representação, conferindo-lhe uma nova qualidade.

A adoção de candidaturas avulsas, certamente é controversa e envolve riscos. Um dos argumentos que se opõe a esta tese é o de que elas provocariam um enfraquecimento ainda maior dos partidos políticos. O surgimento de oportunistas e carreiristas e uma maior fragmentação do sistema político seriam outros riscos. O fato é que todas essas mazelas estão aí sem a existência de candidaturas avulsas. Se elas viessem a ser adotadas no Brasil, certamente, requerer-se-ia uma regulamentação para evitar algumas das mazelas apontadas.

Ademais, a implantação de candidaturas avulsas em nosso país requer uma mudança constitucional. Dificilmente aqueles que detêm o monopólio da representação política votariam pela quebra do mesmo. Esse é mais um dos becos sem saída da política brasileira: ao mesmo tempo em que os partidos e os políticos não são capazes e não querem realizar uma reforma política que melhore e modernize o sistema representativo, também não estão dispostos a abrir janelas pelas quais a sociedade possa exercer um maior controle e uma maior regulação sobre eles. A democracia brasileira tende a perdurar nesta interminável agonia, na qual ela está meia morta e meia viva. Neste desalento, os avanços econômicos, sociais e políticos são sucedidos por retrocessos, num doloroso espetáculo que parece não ter fim.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

14 Comentários

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  1. QUEBRAR O ESTABELECIDO
    Quaisquer tentativas de mudanças tera que mudar a população de dentro para fora.O sistema partidario é apenas uma organização externa,uma das formas de ordenamento da sociedade,ele não esta falido,é consequencia do estado da sociedade humana formatada pela religião,adoração ao dinheiro,divisão de classes.Não acredito em quaisquer organizações,movimentos que não visem atacar,expor o individualismo,a ganancia,o preconceito arraigados e realimentados pelo estabelecimento.Os movimentos feministas,dos negros,indigenas,em defesa da natureza e animais.Este fazem diferença,buscam tornar o homem mais tolerante,menos individulista.

    1. Muito bom comentário!

      Pessoalmente, eu vejo uma dificuldade (senão impossibilidade) nessa proposta de exercício do poder compartilhado que partidos como o Podemos propõem. Há muitas décadas que o Nazismo e outras ditaduras apoiadas pelo povo demonstraram que a vontade da maioria não pode ser confundida com democracia. Deus me livre quando o Brasil tiver leis apoiadas na vontade da maioria…

      Acho impossível na prática o que esses partidos propõem. Eles querem o inverso da lógica, que é um grupo propor ideias para um governo e angariar apoio pra isso: querem um grupo meramente implementador, que faça do governo o que as pessoas decidam a cada minuto. Isso não só é inviável ideologicamente como em termos práticos, digamos logísticos.

      Um governo tem que tomar decisões rápidas (muitas vezes de um dia para o outro) e por vezes impopulares. Um governo que se propõe a somente agir após a manifestação da população é um governo sem capacidade de decisões rápidas e/ou impopulares. Em suma, um governo engessado.

  2. A crise dos partidos

    A crise dos partidos políticos é,na verdade,a crise cultural da humanidade. Não dá para dissociar política de cultura.Uma é parte da outra .

    Notadamente a partir da segunda guerra mundial e a preponderância política americana com sua ideologia competitiva,tranformando a sociedade em um mero jogo,onde ganhar é o único objetivo,esquecendo-se totalmente das questões humanistas é que nos encontramos,hoje,neste momento que,com certeza, será histórico.

    Histórico porque estamos em um momento de mudança de paradigma. Não podemos dizer se será a volta dos interesses socias ou sua completa derocada em favor do 1%,mas esta ruptura está para ocorrer.

    A sociedade já percebeu que a política tal qual se encontra não permite espaços para contrariar os interesses do 1%.

    É hora,portanto,de uma ruptura,de uma criação de um sistema que efetivamente possibilite a busca de soluções que atendam a grande maioria da população mundial.

    Em plena era da informática não é mais possível aceitar que a democracia direta não assuma um protagonismo em relação a representativa.

  3. Deveriamos deixar de eleger

    Deveriamos deixar de eleger alguem para eleger algo. Se 30 milhões de   pessoas elegerem uma idéia, automaticamente todos esses estariam aptos a representa-la, desde que previamente assuntado. Assim teriamos um parlamento transitório o tempo todo, com oxigenção constante se dando por assunto discutido. As redes estão aí, e seriam usadas para eleição constante. Eleições como as de hoje deixariam de existir.

    Acho que seria um caminho.

  4. Era previsível, caro

    Era previsível, caro professor, que depois de décadas de martelação ideológica de que o que é público não presta, que o que é privado é que é bom, o cidadão perdesse a noção de cidadania, que fingisse para si mesmo não ter responsabilidade pátria. Quanto, desde que a iniciativa privada usando das forças armadas como fachada para uma ditadura, o ensino público, por exemplo, tem sido sucateado para que o ensino privado prospere? Quanto o sistema público de saúde é negligenciado e, em consequência, os sistemas privados reafirmados? E olha que esses dois serviços, Educação e Saúde, são obrigações do estado até por força de tratados internacionais, hein?

    Dá até para ir um pouco mais fundo se observarmos o que Bauman chama de relações líquidas, relações pessoais que seguem o mesmo paradigma da obsolescência programada… o que é novo, impõe o mercado, é melhor do que o que não é pelo simples fato de que é novo. Assim, se se deseja aumentar as vendas de um produto, o que é destacado é que esse produto tem nova fórmula, e não que a nova fórmula é melhor do que a anterior.

    Deixamo-nos absorver, introjetar esses imperativos do mercado – a depreciação do que é público e a obsolescêcia obrigatória – e acabamos por levar essas ideias para todos os “assuntos” de nossa vida. Não à toa qualquer educação que se proponha debater política ou cidadania é logo taxada pelos que ditam a “moda”, de “comunista”. Ao mesmo tempo, em escolas privadas, ensina-se o empreendedorismo e a administração financeira desde o primeiro ciclo… Como se o tema Política fosse subordinado ao Economia, como se o único poder legítimo fosse o econômico. Pelo menos aqui, no Brasil, e entre a chamada classe média – seja lá o que isso signifique – parece ser assim.

    Já há sociedades pátrias em que, acima do poder econômico e da iniciativa privada, há outros valores, relacionados à cidadania mesmo e à soberania nacional… Por exemplo:

    http://www.carosamigos.com.br/index.php/economia/5562-islandia-ja-prendeu-26-banqueiros-e-financistas-por-crise-de-2008

    E mesmo entre nós, brasileiros, é cada vez maior e mais comum associações que trabalham e desfrutam de seu trabalho de maneira solidária. Ou seja, por fora do que para nós parece ser a única possibilidade, o dolar baseado nos EUA.

    http://www.fbes.org.br/ E

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_Comunidade_Yuba

    Sim, não são nem a Economia Solidária e nem a Comunidade Yuba, um país. Esses são apenas exemplos de que não é obrigatório que vivamos como temos vivido, submetidos tanto em relação à cidadania (política) quanto até em nossas relações pessoais, a um capital centralizado, hegemônico, tácita (e muitas vezes explicitamente) cartelizado.

    1. O maior terror do capitalismo

      O maior terror do capitalismo é o estado. O capital se borra todo só de ouvir as pessoas dizerem responsabilidade social, solidariedade, união, afeto, colaboração, justiça… E políticos, tanto quanto cidadãos, são seres típicos do estado. Por isso aos primeiros, ele compra, e aos segundo, os transforma em “consumidores”. É preciso, segundo o capital, manter a roda da economia girando, e o quanto mais rápido melhor, mas não qualquer roda, apenas a roda que, ao girar, faz com que o produto do trabalho se concentre no meio.

      – “Solidariedade?”, pergunta o capital, “União e afeto? Quanto vale, quanto custa? Pois se até honra, justiça… até liberdade eu vendo, na forma de uma calça velha, azul e desbotada, imagine cidadania. Política eu atravesso, compro e vendo toda ela e, tendo o monopólio, faço dela o que eu quiser, o que me der mais lucro.”
       

  5. A Crise no Brasil e o caminhar para a direita

    UM ENSAIO PARA A DIREITA

    Autor: Saraiva

    Apesar de não ser um especialista em análises do cenário político brasileiro, não me contive em dar algumas opiniões. O momento é propício para o exercício da reflexão responsável e da opinião que possa amadurecer o debate, pelo menos dos setores mais comprometidos com os avanços do país e com o nosso amadurecimento democrático. As perguntas que nortearam estas reflexões são as seguintes: Quando e como a direita e os setores mais conservadores da sociedade brasileira avançarão para a tomada do Estado? Qual será o seu procedimento para desmontar o nosso embrião de welfare state? Como ela pretende desmontar a esquerda brasileira? Não pretendo esgotar o debate neste ensaio, mas apenas apresentar alguns pontos para reflexão. 

    O cenário que está sendo montado pela mídia, setores da PF, do MP, da Justiça e os partidos conservadores do país é no mínimo irresponsável. Eles ao fazer o jogo do mercado e destruindo a política, abrem o caminho para o extremismo nas eleições de 2018. Não acredito que haverá golpe derrubando a ordem democrática neste momento, pois é mais seguro seguir o calendário eleitoral. Mas a ideia é construir as condições para que os setores mais conservadores possam chegar ao poder nas próximas eleições presidenciais. A tática é criminalizar as esquerdas, no caso PT, PCdoB, PSOL e outros, e as principais lideranças políticas e sociais, neste caso, Lula, Dilma, Luciana Genro, Jean Willys e outros. Com isso, a população na busca de uma liderança messiânica para retirar o país da crise (certamente, mais imaginária que real), pode vir a apoiar candidatos fascistas como Bolsonaro, Malafaia e outros.

    Daí pra frente, estrutura-se uma agenda ultraconservadora com pena de morte, redução da idade penal, revogação do ECA, assim vai. Em seguida, começa a prisão das lideranças sociais, a caça as bruxas com a prisão de professores que debatem política nas escolas, proibição da filosofia, privatizações, fechamento de sindicatos e de organizações sociais. Tudo isso acompanhado de ampla propaganda na globo, sbt, band, folha, estadão, veja e outros lixos. Isto dizendo que estamos caminhando para o paraíso e que o país está ficando limpo de tudo que é atraso e outros impatriotas. E que estamos saindo da crise e do atraso dos anos dos governos trabalhistas. E que a corrupção está sendo combatida e que todos os corruptos, normalmente de esquerda, estarão sendo preso e, pode vir a acontecer, de serem condenados à morte. Neste momento, o país estará caminhando, em passos largos, para o fascismo e com ampla manifestação de apoio dos coxinhas de sempre. Estes com as suas roupas verde amarela, com a bandeira nacional em praça pública, cantando o hino nacional e tirando selfies com os militares. Neste momento, estaremos vendo o país se afundar em mais uma aventura ditatorial.

    Por isso, defender Lula, é defender a democracia e os avanços sociais. No próximo ano teremos um importante teste. O cenário aponta para a hipótese de uma derrota séria da esquerda nas próximas eleições municipais. Entretanto, mesmo com um cenário ruim, se a esquerda não for derrotada, o Lula não for impedido de disputar as eleições, juntamente com outras lideranças sociais como Ciro Gomes, Jandira Meghale, Luciana Genro e outros, significa que o país conseguiu amadurecer politicamente e, mesmo com uma elite econômica das mais reacionárias do planeta, avançaremos em direção a nosso Estado de Bem Estar Social. 

  6. Carater maipulatório da política

    Ótima colocação sobre a monitoração da sociedade que desnuda o carater maipulatorio da política.

    Os tempos são outros.

    O populismo está se esgotando…

    Não concordo com a ideia que essa crise política é global. Quando pensamos em alguns países como Estados Unidos, Inglaterra, Chile, Colombia e tantos outros, não vejo essa questão.

    Tudo depende da competência politica para atuação no jogo democrático, com todos os elementos da imprensa livre e das redes sociais.  

  7. Aviso público:

    Aviso público:

    O Banco Central elevou alto demais a conta para o governo pagar.

    Enfim, não é hora de estepes de inflação para justificar os aumentos da taxa Selic.

    Chega de subornar pesquisas de consultorias e formular planilhas de fundações públicas.

    São Muito boas para a maioria dos objetivos, Dilma ficou enfraquecida pela quadrilha global.

    O Brazil precisa aprender com instituições cobertas de lama que governadores, juízes e todos os partidos, por causa de uma meta, ficam desmoralizados.

    Levy deve sair de cena pela péssima situação, e repassaremos os recursos destinados à baixas de produção para os temas como: azar dos clubes de futebol, preconceito de raça, homofobia, ideologia de gênero, assédio sexual e populismo fiscal, a fim de ocultarar ainda mais as especulações no ajuste fiscal.

    Não é uma boa noticia, mas temos que admitir que a PF jogando suspeitas sobre todos os níveis de poder ainda quebrará a economia carente de propósitos.

    O sistema político já está falido e alguns senadores e deputados da câmara inspiram a importância do solene dever do voto dos corruptos para o impeachment.

    A mídia como pano de fundo do capitalismo cumpre o seu papel de estado de espírito, para popularizar os abusos.

    Vamos mudar radicalmente o modo do Brazil se reencontrar em 2018 com o nome de Brasil.

    Assino pelo mercado.

     

  8. Há outras soluções

     

     

    http://www.brasil247.com/pt/colunistas/leopoldovieira/198658/Autarquiza%C3%A7%C3%A3o-dos-partidos-e-democracia-de-massas.htm

    LEOPOLDO VIEIRA

    Foi coordenador do monitoramento participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre desenvolvimento regional da campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff

    “Autarquização” dos partidos e democracia de massas

    28 de Setembro de 2015Compartilhe no Google +Compartilhe no TwitterCompartilhe no Facebook 

     

    Em maio deste ano, Aldo Fornazieri escreveu o artigo “Estatização e autarquização dos Partidos” (aqui). O centro de sua tese é que “A recente triplicação do valor do Fundo Partidário, que passou de R$ 294 milhões para R$ 867 milhões, representa um passo a mais na estatização e na autarquização dos partidos políticos brasileiros”. Assim, “os partidos dependem cada vez menos dos eleitores e de vínculos com grupos e movimentos sociais. Tornam-se cada vez mais autônomos” e “isto, em parte, explica a crise de representação política”.

    Aldo descreve uma verdadeira máquina destas “autarquias”: “programas gratuitos de rádio e TV nas campanhas eleitoras (pago com recursos públicos); verbas para os gabinetes parlamentares; cargos de livre provimento em organismos da União, Estados e Municípios; recursos para institutos e “ONGs” partidárias; contratação de empresas e consultorias ligadas a partidos políticos etc”.
    Contudo, ressalta ele, “por onde quer que se olhe, os partidos continuam no comando apesar das crises econômicas e sociais, das guerras, do crescimento das desigualdades, do fracasso das políticas públicas e da incapacidade dos governos apresentarem soluções minimamente razoáveis para os problemas existentes” e que “Em contrapartida, verificou-se, nos últimos tempos, o fracasso dos movimentos autonomistas, das organizações em rede e similares”, todavia [os partidos] dependem cada vez menos da mobilização de militantes e de grupos sociais”.

    Além do mais, prossegue, “a própria sociedade civil está se tornando cada vez mais complexa. As pessoas se agregam em inúmeros movimentos, organizações, grupos e entidades que também passaram a exercer papéis de representação e de reivindicações que extrapolam apenas os interesses salariais. Esses entes se mostram mais flexíveis e permeáveis e menos burocráticos do que os partidos e, consequentemente, exercem mais atratividade sobre os jovens e outras pessoas que buscam algum tipo de participação. O acesso que eles têm a autoridades políticas é às casas legislativas tornam os partidos prescindíveis como elementos de mediação e ligação e transformam a democracia numa espécie de democracia de audiências. Assim, a autarquização dos partidos requer apenas identidades fracas entre o partido e os militantes e o partido e seus eleitores”.

    Por fim, “o enfraquecimento da necessidade de mobilização da sociedade e da militância para vencer eleições, constituem um conjunto de elementos que enfraquecem também a necessidade de líderes políticos fortes”, que, supostamente, “cedem lugar a políticos de baixo perfil de liderança, a políticos que mascaram suas identidades com a fisionomia de gestores, mas que, quase sempre, são carreiristas, oportunistas e corruptos”.

    A solução que Aldo aponta é: “Será a sociedade civil, cada vez mais complexa e plural, que poderá fazer surgir novas estruturas de representação. Só faz sentido apostar na criação dessas estruturas se elas significarem desconcentração de poder e ganhos em termos de participação e decisão democráticas”.

    Há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a doação empresarial para campanhas eleitorais. Até que haja lei regulamentando a decisão, a única fonte de financiamento partidário e de candidaturas será o Fundo Partidário e contribuições individuais, o que, em tese, reforça a estatização dos partidos, conforme avaliou Aldo.

    Discordo, pois acredito que o fim do financiamento empresarial contribui para amenizar esta autarquização em seu sentido mais danoso: a alienação dos partidos políticos, que deveriam representar projetos coletivos, ideologias e programas concretos coerentes com suas bases sociais e pensamento, pelo constrangimento imposto pelos interesses do poder econômico. Mas, isso, por si, não resolve a outra dimensão da crise de representação política citada por ele e que é a mais grave para a manutenção da democracia como um valor universal de nosso tempo. É desta crise que advém os namoros de setores da sociedade com alternativas intolerantes, autoritárias e tecnocráticas, seja a ideia de “intervenção constitucional militar” proclamada pelas marchas pró-Impeachment, o baixo nível de popularidade dos grandes partidos brasileiros, todos na casa dos 10% para menos; ou as propostas que enxergam na técnica soluções para impasses políticos, ou, ainda mais dramático, aquelas que defendem órgãos para normatizar a gestão política da economia ou mesmo a condução política da gestão pública.

    A decisão do STF põe um ponto final na polêmica de fundo que marcou a ópera bufa de Eduardo Cunha em realizar uma reforma política na Câmara, opondo claramente a radicalização do personalismo não-identificado com partidos, imbricado com uma hiperinfluência do poder econômico e com desmobilização democrática (voto facultativo) com as mais ditas republicanas, que previam o fortalecimento dos partidos, com voto em lista distrital misto e financiamento público e militante.

    Agora, então é necessária criatividade para propor as reformas consequentes a esta decisão tomada pelo STF.

    A estatização ou autarquização partidária como Aldo descreve não é exatamente um problema. A desconcentração de poder, por meio da sociedade civil cada vez mais difusa que ele enxerga, esconde o risco da pulverização da política, numa visão de “público” que secundariza o papel do Estado como expressão da democracia. O caminho que se deve buscar é de uma democracia liberal altermundialista ou uma democracia de massas e popular?Esta nova interpretação da Constituição pela suprema corte nos obriga a escolher, tacitamente, um dos caminhos, se o objetivo for avançar e não manter uma geléia geral como sistema político-eleitoral.

    Para caminhar no sentido que enxerga as políticas e serviços públicos como questões intrinsecamente vinculadas à soberania popular democrática e aos objetivos constitucionais – o projeto político da CF de 88 e, ao mesmo tempo, o verdadeiro planejamento de longo prazo do Brasil – precisamos complementar esta “máquina autárquica” potente e influente na condução do Estado que, segundo Aldo, são os partidos mais fortes atualmente com um sistema de lhes dê profunda legitimidade não apenas no exato momento do voto, assim como transformar o Estado hodierno para dar-lhe fluxo de massas participativo permanente por dentro dos instrumentos de gestão pública e nas expressões das escolhas estratégicas de governo.

    Neste caso, advogo há tempos a necessária convergência do ciclo das conferências nacionais, que foram, em temas e quantidade, proliferadas nos últimos 13 anos, com o ciclo do panejamento público (PPA, LDO e LOA), assim como a participação dos conselhos de direitos e políticas públicas, nos três níveis de governo, das definições das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. Isso forja este processo permanente e de massas aos organismos ativos da sociedade civil, em cooperação estratégica com os governos e o próprio Estado.

    Para a legitimidade das “autarquias”, há um bom exemplo que vem da Argentina: as P.A.S.O. (Primárias Abertas Simultâneas Obrigatórias). Nelas, os cidadãos e cidadãs com maioridade eleitoral, independentemente de filiação partidária, são chamados obrigatoriamente a participar e votar, ao mesmo tempo, impedindo, portanto, a manipulação de bases eleitorais de modo a prejudicar os adversários, nas escolhas dos candidatos, listas eleitorais e programas dos partidos para os pleitos municipais, provinciais (estaduais) e nacional, seja para o Poder Executivo ou Legislativo. É como se as prévias fossem um direito pétreo dos postulantes a cargos públicos.

    Isso faz com que não apenas o calendário eleitoral se antecipe, mas envolve o conjunto da população, sejam “pessoas comuns”, sejam lideranças sociais, na discussão das propostas políticas desde o início. Uma alternativa que, ao invés de aprofundar o divórcio partido-sociedade, converte todas as agremiações e agrupamentos em partidos-movimento, inclusive fortalecendo o poder gravitacional dos que são mais densamente portadores de ideologias e projeto coletivo, além de tradição na história nacional, e obriga as direções políticas a estarem sempre em acordo com suas bases sociais e eleitorais. Sem falar nos benefícios de contribuir com uma militância mais ampla, ativa e permanente, pelo atrativo que torna a política “profissional”.

    Com estas duas “reformas” – a da permeabilidade orgânica da gestão pública à participação social e à permeabilidade também orgânica da autarquização partidária para a cidadania ativa – podemos caminhar para um projeto constitucional que prevê o bem-estar social como horizonte, com a construção social e militante deste futuro no País.

     

  9. CADÊ MEU COMENTÁRIO DE

    CADÊ MEU COMENTÁRIO DE SEGUNDA?

    POSTEI 4 MENSAGENS E NENHUMA POSTADA!!

    NÃO TEVE EXPEDIENTE ONTEM NO GGN?MAS SITE TAVA NO AR!!!

    OU É PESSOAL,TEM ALGUM GILMAR,MORO AÍ CONTRA O PT AQUI(BRINCADEIRA Ñ SOU PETISTA)

  10. Na minha opinião a democracia hoje é apenas controle social…

    ” … o destino de todos os partidos é a burocratização, a centralização e a oligarquização”

    Concordo com o pensamento acima e percebo que  a democracia esta em crise. Do modelo grego (dēmokratía ou “governo do povo”) para o que temos hoje há um abismo onde sucumbe os desejos dos que deveriam governar de fato (povo).

    Bancadas, lobistas, donos de partidos, são os males a ser combatidos mas nunca o serão. Deveriamos ter uma constituinte exclusiva a cada dez anos para corrigir as distorçoes criadas pelos interesses não nacionais.

    Na minha opinião a democracia hoje é apenas controle social, é apenas a leitimação da vontade de poucos sobre avontade de muitos.

     

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