A desigualdade no Brasil, por Clemente Ganz Lúcio

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A desigualdade no Brasil

por Clemente Ganz Lúcio

Tempos difíceis no mundo e no Brasil. Crise econômica profunda, desemprego, arrocho salarial, precarização dos direitos, violência crescente, migrantes em fuga, xenofobia, descontentamento com as instituições e insatisfação com a política compõem uma lista e tanto, mas são apenas parte dos problemas. Em busca de solução, há o desafio de entender o que está acontecendo, identificar causas e consequências. E há um desafio maior ainda que é transformar, pelo conhecimento, os problemas em questões que mobilizem a sociedade para atuar e intervir.

A desigualdade é uma das questões mais complicadas e a causa estrutural da maioria dos problemas que vivemos. Nasce na sociedade com e devido ao modo pelo qual se produz e distribui riqueza e renda. É isso que diz Thomaz Piketty no livro O capital no século XXI. Como afirma o autor, não há determinismo econômico na distribuição da renda e da riqueza, pois esta é uma construção histórica, feita em sociedade e, por isso, política. O debate sobre o que é justo e sobre as escolhas coletivas fazem parte do jogo social.

Recentemente (maio),a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda divulgou, pela primeira vez,breve estudo com base nos dados do Imposto de Renda da Pessoa Física 2014-2015 (Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira). Disponível do site do Ministério, o trabalho permite uma comparação com os dados produzidos por Piketty.

O estudo analisa os dados do imposto de renda de 26,5 milhões de pessoas, de um universo de 101 milhões que trabalharam nesse período, ou seja, um quarto desse contingente. Examina o rendimento e a riqueza (bens e direitos) por faixa de salários mínimos e por decil e centil de renda(como se dividíssemos o grupo de 26,7 milhões em 10, 100 ou 1.000 grupos de igual tamanho).

As 26,7 mil pessoas que estão no topo da pirâmide detêm 6% de toda a renda e riqueza daqueles que declararam o imposto de renda. Este grupo ganha 6.100% a mais do que a renda média dos que declararam imposto de renda e têm um volume de riqueza (bens e direitos) 6.450% superior à média dos declarantes. Os dados para os 1% ou 5% mais ricos também são revoltantes.

Considere que esses dados comparam a renda e a riqueza entre aqueles que declaram imposto de renda. Há, porém,75 milhões de pessoas que estão no mundo do trabalho e não fazem declaração de IR,a grande maioria,justamente porque possui renda muito baixa. Incluindo-os na comparação, a desigualdade aumentará muito.

Considere ainda que esse dado trata de cada CPF, ou seja, de cada pessoa e que os ricos distribuem riqueza e renda entre os CPFs da família. Agregando CPFs de uma família,são obtidos números ainda mais assustadores de concentração de renda e riqueza num mesmo núcleo. E se for considerado ainda que se trata da renda e da riqueza de pessoas físicas e que os ricos detêm muito mais patrimônio e renda (lucro) como pessoas jurídicas, os números aumentam mais e mais. Levando em consideração ainda que muitos ricos, como revelam as operações denunciadas em paraísos fiscais, deixam parte relevante da riqueza escondida do fisco naqueles países, a riqueza dessas pessoas chega à estratosfera. Para expressar qualquer opinião sintética sobre essa situação toda, é necessárioum longo e sonoro palavrão.

A desigualdade revelada nesse importante relatório é de obrigatório conhecimento, pois é essencial para fundamentar uma atuação incisiva para a tributação sobre a renda, a riqueza e os dividendos. Há outros importantíssimos estudos sobre o tema, que valem comentários em outras oportunidades.

Com o trabalho é produzida muita renda e riqueza, que poderiam gerar bem-estar e qualidade de vida para todos. Mas o que acontece, o que se cria, éessa absurda desigualdade, que produz muitos dos problemas que abrem esse artigo. É fundamental atuar, intervir e transformar esse quadro perverso.

Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Grupo Reindustrialização

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. É ilusão achar…

    É ilusão achar que o dinheiro dos ricos está debaixo da cama, prontinho para ser confiscado e convertido em escolas, hospitais, estradas e tudo o mais. O dinheiro dos ricos está aplicado de várias maneiras, e quem o confisca joga na pobreza todos aqueles que dependem direta ou indiretamente da forma como esse dinheiro está aplicado.

    Não existe Estado que funcione sem impostos, nem fórmula mágica para calcular a alíquota ideal para os impostos – esta depende do grau de competência e honestidade do governo que vai administrar aquela receita de impostos. Em países como os da Escandinávia, onde a excelência da administração é reconhecida, é possível ter alíquotas de até 50%, mas em países como o nosso, onde a competência e a honestidade do governo são aquelas que cohecemos, é crucial lutar para que as alíquotas sejam as menores possíveis, para que a poupança da nação possa ser aplicada na abertura de negócios e empreendimentos vários ao ivés de desaparecer no bolso dos ladrões e nos cofres dos partidos.

    1. a poupança da nação possa ser aplicada na abertura de negócios”

      Poupança de quem? De miseráveis que não tem dinheiro nem para por comida na mesa? Ainda que o percentual de impostos sobre o PIB no Brasil seja alto, 36%, a sobrecarga maior está em cima das classes menos favorecidas, e quando mais alto na classe social está o cidadão menor é o percentual que ele despende em impostos. A pobreza extrema tem que ser exterminada, a classe média ser fortalecidade continuamente e os impostos devem aumentar sobre as classes mais altas, dessa maneira pode-se reduzir os impostos sobre os produtos de primeira necessidade, remédios e combustíveis, e consequentemente sobrará então  dinheiro para a poupança interna.

      1. Quem faz a poupança interna são os cidadãos e empresas privados

        Mas se você aumenta os impostos sobre as classes mais altas, com que recursos elas farão empreendimentos que possam melhorar a vida dos mais pobres?

        Você acredita mesmo que beneficiará o povo tirando o dinheiro das mãos daqueles que sabem fazer empreendimentos e colocá-lo nas mãos daqueles que só sabem criar cabides de emprego para parentes e contratar empresas de cupinchas?

        Quem cria a riqueza do país não é o governo, são os cidadãos e empresas privados. O governo apenas administra uma receita de impostos. Por conseguinte, o governo só disporá de uma boa receita se forem prósperos os cidadãos e as empresas privadas que lhe pagam impostos.

    2. Então, como os governos

      Então, como os governos brasileiros são sempre corruptos deixa como está. Nada de impostos para investir em serviços públicos para os que mais precisam porque o governo “roubará” tudo.

      É ótimo deixar tudo como está, mas apenas para quem está bem. Para quem precisa de ajuda externa (só governo tira pobre da pobreza) é esperar a próxima reencarnação (para quem acredita) ou então partir para a violência – talvez essa seja a principal causa da violência do nosso país.

      De que adianta esse individualismo, esse egocentrismo, se no final das contas vai ter que gastar quase tudo que ganha com escola privada, plano de saúde, mensalidades de condomínios, carro blindado etc. e, mesmo assim pode perder a vida em um assalto?

      Só o Estado, com seus gastos, combate a pobreza. Estudei a vida toda em escola e universidade públicas. Esses estudos que me possibilitaram ter uma vida confortável. Sem os estudos que o Estado me proporcionou eu teria que viver de trabalhos manuais, pois não tinha dinheiro para empreender e certamente não teria conhecimento par ser bem sucedido em negócios. Não, a maioria dos impostos que pagamos não escorre pelo ralo da corrupção, a maior parte dos gastos públicos não é sujeita à corrupção e mesmo quando é, ela não consome tanto desses gastos. O maior gasto público do país, por exemplo, é para juros para remunerar ricos que recebem do governo os juros mais altos do mundo: essa é a grande corrupção de que você não fala. A imprensa não fala dessa corrupção porque ela é beneficiária.

      Eu gasto com saúde e educação mais de 30% da minha renda. Ou seja, eu pago um imposto altíssimo ao setor privado. Claro que muita gente vai dizer que é diferente de impostos porque não sou obrigado, mas eu sou obrigado a pagar o preço que o empresário quiser cobrar e se eu não pagar eu me privo dos serviços. Prefiro pagar impostos ao governo, que posso escolher, a pagar a empresários.

      Se os governos são corruptos, vamos lutar por mecanismos que impeçam que a corrupção seja a regra na política.

      O dinheiro do rico está todo investido em empresas que geram empregos?

      Ninguém está falando em desapropriação nem confisco. Imposto de renda é sobre lucro, sobre o que sobra após todos custos do negócio, aquele dinheiro que banca luxo, muito luxo!!!

      Se eu trabalho o mês inteiro pago imposto de renda de até 27,5% sobre o meu salário. Independentemente dos meus custos para sobreviver e trabalhar. Salário é alimento! alimento não é mais importante do que o luxo do rico???

      Por outro lado, se eu compro e vendo bens, pago 15% de imposto de renda sobre o ganho, ou seja, excluídos os custos. Não há risco ao alimento!

      Há inúmeros mecanismos para os ricos pagarem menos e impostos, e eles pagam bem menos impostos, proporcionalmente, do que os pobres.

      É como diz no texto, a forma de apropriação da riqueza não é um fato natural, é construída e o Estado é o garantidor dessa forma de apropriação.

      Como posso ser contra o Estado se financiar mais para oferecer aos mais necessitados condições de sobrevivência digna e de competição (cadê a meritocracia?), mas não ser contra o Estado utilizar os seus recursos para bancar boa vida de financistas ou manter polícia para garantir propriedade privada de ricos. Se ricos não gostam de Estado e de impostos, que paguem segurança privada para proteger suas propriedades.

  2. 1-) Introdução

    Quem faz a legislação tributária não é rico, consequentemente, não sabe como pensa o rico.  Para se legislar sobre a riqueza é preciso,  primeiramente, entender como o rico pensa em relação a tributação. Seria salutar, até, alocar pessoas com formação em psicologia, psiquiatria e outros profissionais da área para ajudarem os legisladores porque eles possuem embasamento sobre análise de comportamento e entendem melhor a mente das pessoas ricas. Um economista, um contador ou outro profissional do ramo não consegue alcançar a lógica existente na cabeça do rico porque, em suas mentes, está instalada a ideia de igualdade, de solidariedade e outras classificações condizentes com sua posição social. Sem isso, o sistema tributário continuará errando em suas tentativas de tornar mais justa a tributação sobre patrimônio e/ou renda. 

  3. 2-) Desenvolvimento
    2-) DesenvolvimentoJá se perguntaram se o rico aceita pagar imposto? Entre os impostos que o rico paga qual ou quais ele não concorda? Dos possíveis novos impostos qual ou quais o rico não vai gostar? Por que se fala e se busca a igualdade? O rico não consegue entender isso. Essas são perguntas que temos que fazer a um rico. Quem não é rico não adianta tentar responder. Há ricos que pagam contra a vontade qualquer que seja o imposto. Há os que acham que, por serem ricos, deveriam ser isentos, pelo menos, dos impostos declaratórios porque já pagam os impostos embutidos. Há, também, aqueles que se perguntam: pagar imposto é dar dinheiro pra governo? A maioria dos ricos admitem que alguns serviços o Estado deve fornecer e, para tanto, devem cobrar impostos. Não pensem que a lista é longa pois não é. Eles concordam plenamente pagar por policiamento, iluminação pública, água/esgoto, conservação de ruas/estradas/rodovias. E só. Até aqui, para eles, o imposto/taxa é justo mas, daqui pra frente, deixa de ser.Para o rico não interessa e ele é contra o Estado fornecer escola pública, áreas de lazer, transportes coletivo, hospitais/postos de saúde, gratuidades de qualquer espécie e etc. Eles sabem que são seus impostos que bancam a ampliação, pelos governos, desses tipos de “benesses” com as quais a grande maioria dos ricos não concordam. Talvez seja por isso que eles são favoráveis à privatização de todo o patrimônio estatal. A lógica aqui é: uma vez nas mãos da iniciativa privada tudo será cobrado e, consequentemente, os impostos devem diminuir. Pensa-se em voltar a se tributar os dividendos. Porque não, também, as bonificações e as subscrições. Ambas são aumento de patrimônio e, como tal, deveriam ser tributadas.Discute-se a implantação do imposto sobre grandes fortunas. O difícil, nesse caso, é estabelecer a partir de quanto uma fortuna deve ser considerada grande e sofrer tributação? Quando foi criado o imposto apareceu junto a sonegação. Ela é sistemática em nosso país embora a legislação favoreça mais os ricos tendo em vista possuírem acesso fácil ao mercado e instituições financeiras.

     

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