Entrada de transexuais em universidades trará mudanças sociais, crê ativista

Ativista trans Indianara Siqueira é uma das fundadoras do curso Prepara Nem 

Da Agência Brasil

“Quantas pessoas trans frequentam a sua casa?” Em um vídeo lançado para o Dia da Visibilidade Trans, lembrado hoje (29), alunas e alunos transexuais do curso Prepara Nem, no Rio de Janeiro, fazem essa e outras perguntas provocativas como um convite à reflexão: “Quantas vezes você já defendeu uma travesti vítima de chacota? E quantas vezes você riu?”. Após seis meses de aulas que renderam aprovações, o curso agora quer alfabetizar, ensinar idiomas, preparar para concurso público e capacitar os alunos na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras).

Fundadora, a ativista Indianara Siqueira tem a expectativa de que a entrada de transexuaisno mundo acadêmico traga mudanças no modo de pensar da sociedade. “Quanto mais pessoas trans entrarem para a academia, mais a sociedade vai ter um choque. Porque tudo o que é contado na academia vai entrar em choque com essa vivência com a qual não se tinha contato”, diz. “Isso faz parte da conquista da visibilidade. Para que saibam que existimos”, completa.

O curso começou no segundo semestre do ano passado e já registra algumas aprovações. Alunos do Prepara Nem conquistaram duas bolsas de estudo integrais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). As aulas também ajudaram uma das alunas a passar em um concurso público para a Prefeitura de Duque de Caxias. Além das pontuações e posições em listas de aprovados, o objetivo é combater a invisibilidade. As metas para este ano são mais ambiciosas e incluem levar o curso a locais mais distantes do centro da capital fluminense.

Transexual, negra e moradora da zona oeste, a operadora de telemarketing Luiza Mendonça, 20 anos, entrou no projeto como professora de química. Ela cursa farmácia em uma universidade particular e aproveitou a motivação para tentar novamente o vestibular para medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com mais de 800 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ela chegou perto da nota de corte de 824,74 pontos, a mais alta de todo o país, e está na lista de espera.

Luiza Mendonça

Aos 22 anos, Luiza Mendonça cursa farmácia em uma universidade particular e dá aulas de química no curso preparatório voltado para alunos e alunas transexuais

“As pessoas têm uma visão de que uma travesti só serve para a prostituição e mais nada, que não vai conseguir trabalho e vai ficar na vulnerabilidade. Mas queremos colocá-las no âmbito acadêmico”, diz Luiza, que acredita que a oportunidade de estudar trouxe autoconfiança aos alunos.

“Dá para ver que não ajudou só na questão acadêmica. Muitas meninas, quando entraram, eram tímidas, não falavam direito. Hoje se tornaram ativas, te respondem, questionam”.

 

A universitária participa da organização do núcleo zona oeste do curso preparatório e usa o exemplo da própria família como argumento de que a visibilidade da pessoa trans é importante no combate ao preconceito. “[Meus pais] viram que eu estava em uma faculdade, que estava trabalhando e estava com as minhas contas pagas. Sempre tive minhas desavenças, mas em vista do que era antes, mudou”.

Quem apresentou Luiza ao Prepara Nem foi Letícia Suet, 22 anos, que conseguiu uma bolsa de 100% para cursar serviço social na PUC-Rio. Ela acredita que sua experiência de vida fará diferença na atuação profissional.

“A gente sabe o que é cair em vulnerabilidade. Moro em favela, sempre fui pobre, e muitas pessoas trans vivem dessa forma”, diz.

>> Leia o especial Eu, Trans

Letícia Suet

Letícia Suet conseguiu uma bolsa integral para estudar serviço social na PUC-Rio 

Luiza conta que terminou o ensino médio em um supletivo depois de ter abandonado a escola por diversos episódios de preconceito. “Eu tinha problema com os alunos, com a direção, e não tinha apoio em casa. Tentei voltar algumas vezes, mas não deu. Hoje estou mais tranquila, mais confiante de falar na frente das pessoas”.

secretário especial de Direitos Humanos, Rogério Sottili, defende que o trabalho para que essa população tenha mais visibilidade deve começar cedo, ainda na escola.

“Acho que o foco das políticas deve ser o ensino fundamental. Mais da metade dessa população foi expulsa de casa com 13, 14 anos de idade porque a família não aceitou a sua identidade. É uma população muito vulnerável. Quem chega na universidade está tão bem estruturada que fica em primeiro lugar e enfrenta, por si só, todas as adversidades. O importante é a gente preparar as escolas com políticas públicas de direitos humanos”, defende.

Alfabetiza Nem

Ao notar dificuldades mais profundas na formação de pessoas trans que deixaram a escola na mesma situação de Letícia, o curso decidiu dar um passo além e atuar na alfabetização.

“Quando nos aproximamos da população trans de rua, a maioria tem um nível de alfabetização muito baixo. Isso trouxe essa necessidade de alfabetização”, explica Indianara, que também justifica a necessidade de chegar a alunos de outras localidades.

“Primeiro, pela distância, para não centralizar tudo no Rio de Janeiro. E depois pela necessidade dessas pessoas, em muitos desses lugares, de serem empoderadas onde moram, onde vivem. Para desentocar essas pessoas e esses locais e abrir o debate”.

Além do núcleo zona oeste, que deve ficar na região de Bangu, o Prepara Nem busca alunos e voluntários em Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolis, Niterói e Complexo da Maré. A expectativa é chegar a 150 alunos neste ano.

Para arrecadar fundos e divulgar o trabalho, as ativistas e alunas posaram para o fotógrafo Ricardo Schmidt e, com a ajuda de voluntários, publicaram um calendário. As fotos foram tiradas em um estúdio e algumas delas foram usadas nesta matéria.

Redação

4 Comentários

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  1. Trans-Universitários

    São tantas as interrogantes e as questões de identidade de gênero e identidade sexual (conceitos que parecem ser diferentes) que fica difícil para a sociedade entender tantas correntes abrigadas no termo LGBTT (por agora).

    Hoje temos muitos conceitos baseados no sexo cerebral, pela nossa capacidade de intelectualizar os nossos sentimentos, ainda, pela capacidade de enxergar muitas variedades na própria imagem frente a um espelho e, convenhamos, a imaginação do ser humano é muito fértil, ainda mais quando alguns gostam muito de holofotes.

    O Ronaldo Fenômeno esteve com transexuais, travestis ou com transformistas?

    Quais dessas categorias discutem a sua entrada na Universidade?

    Até o Ronaldo teria que estudar muito para entrar na Universidade. Os TTT também, obviamente. Mas, a roupa utilizada para essa brincadeira com Ronaldo é a mesma que deverão utilizar ao entrar na Universidade? Ronaldinho iria de chuteiras para a universidade ou de sapato comum?

    O TTT, e qualquer minoria, devem adaptar-se a determinadas normas da sociedade quando envolve objetivo comum – embora sendo pessoas diferentes na sua individualidade (no caso, a universidade).

    Acho que um pouco de respeito pelos outros cai bem. Muitas pessoas de raça, nacionalidade ou gênero diferente do convencional (digamos assim) conseguem conviver dentro do trabalho, escola, exército e etc., mantendo em forma discreta a sua individualidade. Já no convívio social, essa individualidade deve ser admitida, valorizada e bem-vinda para o bem da pluralidade do ser humano.

    Há momentos para a individualidade e há momentos para o coletivo. Assim a minoria ganha o respeito da maioria. Num momento em que queremos fazer uma nação autônoma, para todos; este tipo de comportamento é muito importante.

    Não estamos á toa no mundo, correndo fantasiados pela rua e reivindicando o que achamos ser. No espaço coletivo devemos agir com respeito com o bem comum, como se convidados fossemos a uma casa dos outros. O líder do Irão não quis jantar com o Presidente da França, pois haveria vinho na mesa. Sim, mas na mesa do seu anfitrião! O líder do Irã guarde as suas coisas para sua casa, na sua mesa, e ofereça um suco de chuchu se quiser aos seus convidados. Respeito pelos outros é algo que não se compra na farmácia, mas, o desrespeito, é algo que estamos perdendo, diariamente, aos poucos, turbinado pela economia do mundo global e, ainda, defendido por alguns modernosos que querem refazer as regras do jogo, no caso, a refazer as regras do Presidente da França, embora seja este o anfitrião.

    Acho legal que qualquer categoria e que o máximo de pessoas consiga estudar em curso superior, pois isso é muito bom para o Brasil. Nem o professor nem a própria universidade, deverão discriminar ou aplicar ação diferente a qualquer estudante, desde que este ingresse pelos seus méritos e deseje mesmo estudar.

    Agora, o bom senso não deve ser normatizado, pois, no caso, estar-se-ia sufocando outro grupo majoritário e, pior ainda, tornando antipáticos quem desejam entrar em vida coletiva fazendo apenas questão da sua individualidade. Isso é egoísmo de quem quer que o mundo tudo abra espaço e crie um corredor polonês onde, ao invés de pancadas, receba aplausos, flores, fotografias e leis especiais.

      1. Oi Analú

        Mas, isso é pre-conceito contra mim!

        Leia e discuta o assunto. Eu gastei um tempo e fiz a minha contribuição ao tema proposto pelo post. Faça a sua.

        1. Que contribuição? Apenas mostrou seu conservadorismo + uma vez

          Por que alguém deveria “manter de forma discreta a sua individualidade”? Por causa de preconceituosos como vc? Ora, ora.

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