Fundador do Podemos teme retrocesso na América Latina

Jornal GGN – Juan Carlos Monedero, um dos criadores do partido espanhol Podemos, surgido em 2014, teme retrocesso nos avanços sociais na América Latina. Para o cientista político, as esquerdas latino-americanas cometeram o erro de atacar a pobreza, mas não conseguir engajar os cidadãos, que se tornaram apenas proprietários e consumidores.

Em entrevista para a Folha de S. Paulo, Monedero explica a ascensão do Podemos, fala das semelhanças dos fatos no início deste século e dos que precederam a Primeira Guerra Mundial, e diz que o “terrorismo financeiro, apesar de vestir terno e gravata, é tão perigoso quanto foi o nazismo”. Leia mais abaixo:

Da Folha

Criador da sigla espanhola Podemos teme retrocesso na América Latina

Colapso econômico, mudanças radicais no sistema político, escalada bélica, grande desemprego: tudo isso aconteceu nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, no início do século passado. Tudo isso ocorre hoje, e as semelhanças das situações são inquietantes.
 
O alerta é do cientista político Juan Carlos Monedero, 53, um dos criadores do Podemos, o novo partido espanhol surgido em 2014, na esteira dos protestos contra a austeridade, e que se tornou a terceira força política no país nas eleições de dezembro passado.

 
Para ele, a “única varinha mágica” para sair da crise é gerar emprego –o contrário do que governos estão fazendo. E ataca: “O terrorismo financeiro, apesar de vestir terno e gravata, é tão perigoso quanto foi o nazismo nos anos 30 do século passado”, declara em entrevista à Folha.
 
Professor da Universidade Complutense de Madri, Monedero teme uma regressão política na América Latina. “Na Argentina, a metade do país não vai permitir que [Mauricio] Macri acabe com os avanços sociais dos últimos anos. Alguns, especialmente os EUA, não teriam problema em converter a América Latina em uma guerra civil permanente, como na Líbia, na Síria ou no Iraque. Confio que os governantes da esquerda estejam conscientes desse risco”, diz.

Ex-assessor de Hugo Chávez, ele afirma esperar que “a politização evite essa regressão”. Na sua análise, as esquerdas latino-americanas cometeram os mesmos erros que as europeias: atacaram a pobreza, mas não conseguiram engajar os cidadãos, que se tornaram apenas proprietários e consumidores.

Autor de “La Rebelión de los Indignados” (2011) e de “Que no nos Representan!” (2011, com Pablo Iglesias, o líder do Podemos), Monedero foi integrante da executiva do partido. Avalia que as últimas eleições espanholas enterraram o bipartidarismo no país.

Nesta entrevista, ele fala dos pontos em discussão em curso para a formação de um governo de coalizão com o tradicional PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol): freios a privatizações, a demissões e ao TTIP, tratado que liberaliza negócios.

*

Folha – Como o sr. explica o avanço eleitoral do Podemos?
Juan Carlos Monedero – Numa campanha eleitoral, é mais difícil esconder a mensagem; as estratégias de ocultamento funcionam pior. Podemos, como um partido emergente, tem recebido muitas críticas de praticamente todo o espectro político, o que o havia enfraquecido. Nas eleições, ele pode contar quem é.

A eleição de dezembro significou o fim do bipartidarismo na Espanha?
Sem dúvida. Em comparação com outros momentos, quando [PP e PSOE] chegaram a ocupar mais de 80% dos assentos, hoje os dois principais partidos não podem formar um governo juntos. Além disso, as decomposições do PP, pela corrupção, e do PSOE, por sua falta de rumo, atestam que o problema do bipartidarismo é estrutural.

Só erros profundos do Podemos poderiam dar alento ao bipartidarismo. Mas não parece que essa possibilidade esteja no horizonte. As coisas têm sido bem-feitas até agora e não há razão para enganos no futuro próximo.

Quais são as prioridades do partido se chegar ao poder em coalizão com o PSOE?
Foi apresentada a Lei 25, em referência ao artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se de garantir soluções a pessoas em situação de urgência econômica.

Ela propõe medidas contra a pobreza energética –luz, gás–, estabelece alternativa habitacional a vítimas de abusos, evita despejos para quem não tem onde morar e acaba com o co-pagamento farmacêutico.

Na proposta de governo em coalizão com o PSOE, o Podemos reivindica a defesa da justiça social, freio a cortes de pessoal e a privatizações, além da revogação das reformas trabalhistas do PP e do PSOE. Em relação aos meios de comunicação, se deveria trabalhar por uma RTVE [mídia estatal] independente, com profissionais independentes. Na educação, saúde e serviços sociais, trata-se de garantir os direitos sociais e reverter as privatizações.

É relevante resolver o problema territorial, assumindo a plurinacionalidade da Espanha. Com a vitória da coalizão Em Comú Podem, na Catalunha, se reivindica que um membro dessa coalizão (Xavi Domenech) seja ministro da Plurinacionalidade. Na defesa, se trata de obter um sistema integral de defesa comum, à margem dos lobbies de armas, e que trabalhe para uma defesa europeia que irá substituir a Otan.

Na Europa, temos que travar o TTIP [sigla em inglês para Transatlantic Trade and Investiment Partnership, tratado comercial e de investimentos, em debate, que reduz barreiras e regulações para os negócios] e fomentar a cooperação para o desenvolvimento, ajudando a reverter a ideia de uma “Europa fortaleza”, não solidária e distante dos direitos humanos.

Na Espanha, o pior da crise já passou?
As perspectivas são melhores do que na França ou na Itália, mas muitos indicadores apontam que virá um ano problemático em todo o mundo.

O que deve ser feito para a retomada do crescimento?
A única varinha mágica é o emprego. É a única forma de aumentar o consumo, a produção, a atividade econômica, os rendimentos, além de provocar redução no resultado da equação entre gasto público menos gasto em desemprego. É o contrário do que se está fazendo agora.

Quais são os impactos da crise migratória, econômica e dos ataques terroristas para a Europa?
São desafios que exigem política europeias que busquem a raiz dos problemas. As migrações podem ser muito benéficas. A crise deve ser resolvida com o aumento da integração europeia. Ataques terroristas se enfrentam com inteligência e ajudas econômicas –não lançando bombas ou demonizando, ações que só ajudam a aumentar o ódio e as fileiras dos extremistas.

É possível comparar a situação atual com os primeiros anos do século 20 que antecederam a Primeira Guerra Mundial?
Há contornos parecidos inquietantes: colapso econômico, mudanças radicais no sistema político, escalada bélica, grande desemprego. Como disse Antonio Gramsci (1891-1937) naqueles anos, ao pessimismo do intelecto se deve opor o otimismo da vontade. Insisto: devemos ver essas condições como desafios para evitar a paralisia.

Na América Latina, que o sr. conhece bem, a esquerda sofreu derrotas na Argentina e na Venezuela. Como o sr. explica esses reveses? Onde a esquerda errou? Há avanço da direita no continente? O que deve ser feito?
Como resumiu Boaventura de Sousa Santos: reformas constitucionais reais e mudança na hegemonia. Esclareço com dois pontos. Primeiro: a América Latina tem cometido o mesmo erro que a esquerda europeia –tirou a maioria da pobreza, mas não a converteu em cidadãos comprometidos, senão em proprietários e consumidores que acabaram voltando a votar em seus carrascos.

Segundo: a conivência com as velhas formas invariavelmente tem levado ao problema da corrupção às novas formações políticas. A vacina da participação popular não foi implementada. E isso dá à direita revanchista chance de tentar legitimar a sua ideia de que o poder lhe pertence por nascimento.

O Brasil vive uma crise política e uma recessão econômica. Qual sua avaliação do país e o que deveria ser feito?
Não sou eu quem vai dizer o que o governo de Dilma Rousseff deve fazer. Mas é terrível pensar que depois de uma década seja possível regressar ao passado sem nenhum conflito. Confio que a politização evite essa regressão.

Estamos vendo que na Argentina a metade do país não vai permitir que [Mauricio] Macri acabe com os avanços sociais dos últimos anos. Alguns, especialmente os EUA, não teriam problema em converter a América Latina em uma guerra civil permanente, como na Líbia, na Síria ou no Iraque. Confio que os governantes da esquerda estejam conscientes desse risco.

Petróleo e China estão no centro das atenções mundiais. Como o sr. analisa essas situações?
A geopolítica está golpeando a economia. A morte de [Hugo] Chávez e o assassinato de [Muammar] Gadaffi foram também a morte da Opep. A Arábia Saudita se aproveita disso para debilitar o Irã e arruinar as empresas de fracking [de exploração de xisto]. Mas isso está afetando a economia mundial.

A demanda menor da China termina por fazer o resto. Enquanto isso, recente informe da Oxfam afirma que 62 pessoas têm tanto dinheiro como 3,6 bilhões de seres humanos. As desigualdades são um fator terrível de desestabilização econômica.

E enquanto meia centena de pessoas tiver tanto dinheiro quanto metade da humanidade não haverá solução para os problemas do mundo.

O terrorismo financeiro, apesar de vestir terno e gravata, é tão perigoso quanto foi o nazismo nos anos 30 do século passado. 

 

Redação

9 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “…Primeiro: a América
    “…Primeiro: a América Latina tem cometido o mesmo erro que a esquerda europeia –tirou a maioria da pobreza, mas não a converteu em cidadãos comprometidos, senão em proprietários e consumidores que acabaram voltando a votar em seus carrascos.

    Segundo: a conivência com as velhas formas invariavelmente tem levado ao problema da corrupção às novas formações políticas. A vacina da participação popular não foi implementada. E isso dá à direita revanchista chance de tentar legitimar a sua ideia de que o poder lhe pertence por nascimento…”

    Foi dito várias vezes, mas só tem burro aqui. Quando não é burro é adulador.

    E quando não é nenhum dos dois pode ser a soma deste com o messianismo.

    Não tenho a menor dúvida que estamos fu$@#?$&.

  2. É piada ????

    La fundación afín a Podemos asesoró a Chávez sobre encarcelar periodistashttp://www.abc.es/espana/abci-fundacion-afin-podemos-asesoro-chavez-sobre-encarcelar-periodistas-201601250228_noticia.html

  3. lendo a matéria da folha

    lendo a matéria da folha desde o inícioi fiquei com a nítida

    impressão de que o entrevistado tertia dito que a politização prejudicaria a esquerda na america latina….

    só ao ler a entrevista é que fica clara a posição do entrevistado

    – é só  através da política  que a esquerda não perderá o poder….

    outro dado importante é o sentimento de que há um clima atual

    semelhante à crise do inicio do século passado, que resultou na prineira guerra mundial…

    e o fato  de que os financeirizadores fa economia são tão perigosos quianto os nazista…

    é mole?

  4. Nunca se falou tanto em

    Nunca se falou tanto em combater a desigualdade, alguns de forma até mesmo fanática, mas nunca o mundo foi tanto desigual quanto hoje.

  5. É uma visão muito polêmica e

    É uma visão muito polêmica e esfumaçada. Na Venezuela aconteceu o engajamento, mas o ataque imperialista subiu de tom e fez o país cair em desgraça completa.

  6. “Para o cientista político,

    “Para o cientista político, as esquerdas latino-americanas cometeram o erro de atacar a pobreza, mas não conseguir engajar os cidadãos, que se tornaram apenas proprietários e consumidores”

    Pois é, lá em 2012 quando a incompetenta passou a achincalhar os funcionários públicos, chamando-os de “sangues azuis” e se utilizando da Globo e mídia neoliberal para dar com o pau, eu disse exatamente isso: que era um erro o que ela e o PT faziam ao dar as costas e apedrejar setores que sempre lhes foram base, como o funcionalismo público, a classe média ilustrada, a academia etc. E faziam isso de caso pensado, pois esses setores passaram a ser dispensáveis, inconvenientes ou críticos ao projeto de poder do Partido, e por isso foram tratorados por um governo então altamente popular.

    Só que naquela mesma época eu advertia que o PT acreditava que a “Classe C” lhe seria eternamente grata e por isso podia jogar aos tubarões seus antigos apoiadores.

    Dizia eu ainda que essa crença era equivocada, pois a Classe C não era politizada e viraria as costas ao PT na primeira crise, como de fato estamos vendo agora.

    Enfim, aviso não faltou. Também não faltaram pedras e acusações de “tucano”, “teleguiado do PIG” e etc para quem ousou criticar o desastroso governo Dilma.

    Que o neo-PT de Dilma e seus militantes, comissionados e apaniguados se afoguem em sua soberba e passem o poder a um governo verdadeiramente de esquerda em 2018. 

  7. “”Para o cientista político,

    “”Para o cientista político, as esquerdas latino-americanas cometeram o erro de atacar a pobreza, mas não conseguir engajar os cidadãos, que se tornaram apenas proprietários e consumidores””

     

    Vai PêTê! 

    1. Viu? Ele é bem mais

      Viu? Ele é bem mais inteligente que você americanóide globocó. Por causa de gente como você os americanos nos chamam de macacos.

  8. Tenho familiares que

    Tenho familiares que ascenderam socialmente nos últmos anos.

    Viraram donos de lojas populares de roupas em cidades de baixa renda.

    Não conseguem enxergar sua ascenção social como uma melhora dos mais pobres.

    Acham que alcançaram suas condições por mérito exclusivo deles.

    Se assim fosse, por que não ascenderam nos duros anos Sarney, por exemplo ?

    Ou até mesmo no auge dos anos FHC ?

    A melhora de vida dos mais pobres criou uma oportunidade de negócios para microempreendedores como eles.

    Mais jovens de classes mais baixas cursando faculdades, mais empregos qualificados, melhores salários, aumento real do salário mínimo, bolsa família, vários fatores colaboraram para uma real  melhoria de vida.

    Não saber comunicar politicamente esses fatos à população mais simples custou (e está custando) caro ao PT.

    Quando perceberem o estrago, a direita já terá voltado ao poder, e muitos desses que batem panela e amaldiçoam Lula e o PT como símbolos da corrupção em estado puro, viverão verdadeiros pesadelos quando terem que aceitar empregos precarizados para sobreviverem no caos que se abaterá sobre o país.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador