Janio de Freitas: ditadura nunca mais?

Da Folha

Nunca mais?
 
O cinquentenário de 1964 mostra-se como um brado de ‘ditadura nunca mais’. Pode ser. Ou: depende
 
Janio de Freitas
 
Ninguém imaginou que o capitalismo voltasse a imperar na imensidão que perdera, mais de 70 anos antes, para o comunismo da União Soviética e seus domínios posteriores.
 
Os horrores da chamada Primeira Guerra Mundial, de 1914-18, e as providências para a preservação da paz disseminaram a crença fervorosa de que as nações e a própria humanidade entravam em nova era. Os embates de interesses e poderes só se dariam e se solucionariam em conferências, e nunca mais em campos de batalha. Passados apenas 20 anos, começava a Segunda Guerra Mundial, a das bombas atômicas sobre cidades.
 
Os exemplos gritantes do mundo alheio, citáveis ao infinito, têm ecos por aqui, para confirmar que a história faz uso de regras universais, não de desarranjos particulares.

 
O Getúlio ditador foi derrubado em 1945 pelos militares da FEB, lê-se ainda nos livros sobre o período, que voltaram da guerra impregnados das convicções democráticas, absorvidas no convívio com os americanos. Em 1954, Getúlio, presidente por legítima eleição, recusou-se com o suicídio a ser derrubado pelo golpe militar. Eram os mesmos militares guardiães da democracia. Outra vez inspirados pelos americanos, sob o comando do embaixador Berle Jr.
 
Imposta ao golpismo a posse de Juscelino, eleito com legitimidade, seguiram-se cinco anos em que a dissolução quase pacífica de dois levantes militares consolidara o sentimento de estabilidade institucional e democrática. Não havia mais ambiente para golpes, no país que crescia e se projetava com a pujança sintetizada em sua nova capital. E assim foi –por oito meses. Em agosto de 61, na renúncia de Jânio Quadros, o golpismo militar recusa a posse do vice João Goulart, sendo derrotado pela rebelião gaúcha do governador Brizola.
 
O golpe de 64 foi a retomada vitoriosa do golpe derrotado em 61, que, por sua vez, tentara continuar o golpe incompleto, em 54, contra o getulismo, suas teses nacionalistas e de menor desigualdade social. Lá estavam, cabelos brancos e barrigudos por trás das armas, aqueles militares jovens e de meia-idade que chegaram da Itália como vanguarda do “Exército pela democracia”.
 
O cinquentenário de 64 mostra-se como um brado uníssono de “ditadura nunca mais”. Talvez seja assim. Mas só poderá ser se consumadas duas condições.
 
O ensino das escolas militares precisaria passar por reformulação total. A do Exército, mais que todas. Nas escolas militares brasileiras não se ensinam apenas as matérias técnicas e acadêmicas apropriadas para os diferentes ramos da carreira militar. Muito acima desse ensino, as escolas militares ocupam-se de forjar mentalidades. Uniformes, planas, infensas à reflexão, e, por aí já está claro, ideológica e politicamente direcionadas. São produtos criados ainda para a Guerra Fria.
 
É por isso que se vê, há tantos anos, tão igual solidariedade e defesa dos atos e militares que, para a lei e para a democracia, são criminosos, muitos de crimes hediondos e de crimes contra a humanidade.
 
As escolas militares não preparam militares para a democracia.
 
Outra condição é que se propague a noção de soberania, tão escassa nos níveis socioeconômicos que influenciam a condução do país. Em seu artigo na Folha de ontem, o embaixador Rubens Ricupero contou de documentos por ele vistos, na Biblioteca Lyndon Johnson, em que os “reformistas” conduzidos por Roberto Campos, no governo Castello Branco, sujeitavam aos americanos até a revisão do currículo escolar. Se a imaginação conseguir projetar a mesma conduta para o sistema financeiro privado, por exemplo, pode-se ter uma ideia dos obstáculos que a construção do desenvolvimento brasileiro enfrenta.
 
Nunca mais? Pode ser. Ou: depende. O certo é que a história não faz gentilezas.
Redação

15 Comentários

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  1. Para reformular os curriculos

    Para reformular os curriculos das Forças Armadas que tal uma comissão constituida por Marco Aurelio Garcia, Maria do Rosario, Pàulo Sergio Pinheiro, Tarso Genro, Fabio Komparato, Marilena Chaui  e os educratas do Ministerio da Educação que mandaram tirar Monteiro Lobato de qualquer curriculo escolar.

    Para ensinar noções de soberania aos militares o melhor seriam politicos venezulanos como Diosdado Cabello e Nicolas Maduro, luminares da ciencia politica contemporanea. Tambem seriam otimos professores os indiocratas que criaram a Reserva Raposa do Sol em Roraima, entregando 2/3 de um Estado fronteiriço a uma tribo de indiios que esta dos dois lados da fronteira, preprando a criação da Nação Yanomani, a ser reconhecida pela ONU, segundo o principio da autodeterminação dos povos. Os militares, representados pelo General Augusto Heleno, rpotestaram violetnamento contra essa loucura, perdendo o General o posto de Comandante Militar da Amazonia por defender a sobernaia nacional.

    Borra-botas da esquerdolandia quererem ensinar noções de soberania a militares é o MAXIMO da ironia.

    Curriculo de escolas militares NO MUNDO INTEIRO é tarefa de militares e nunca de civis.

     

    1.  se o AUTORITÁRIO

       se o AUTORITÁRIO comen(d)tador DETIVESSE toda a “verdade”

      como alardeia

      bem que poderia se encarregar de  mudar ALGUMA coisa no curriculo MILITAR

      PARA TUDO CONTINUAR COMO ESTÁ

      afinal enganAÇÃO sempre fez parte da tra(d)ição

    2. “Curriculo de escolas

      “Curriculo de escolas militares NO MUNDO INTEIRO é tarefa de militares…” sob total e integral controle da vontade da sociedade civil. Fácil e simples.

      A soberânia do Estado se manifesta por meio de, beneficía a e é propriedade da Nação.

      NO MUNDO INTERIRO, nos países onde prevalece, ainda que de forma canhestra, a liberdade. as “forças armadas” não tem essa autonomia.

      1. Meu caro, na teoria é muito

        Meu caro, na teoria é muito bonito, mas os curriculos de West Point, Sandhurst  Saint Cyr são estruturados por oficiais militares e não por sindicalistas palanqueiros ou intelectuais esquerdistas, cada macaco no seu galho.

        1. Macacos me mordam

          Se o comentarista em questão, historiador  do maravilhoso empresariado universal, criador da alentada série “Ícones do Capitalismo”, não recolocaria os gorilas – os seus gorilas – nos galhos onde um metalúrgico ousou permanecer por oito anos, “macaco” mais ousado aquele … 

          Militares e suas fantásticas academias, cavalos, saberes de balística e teatros de operações. Notáveis. Unidos aos seus Estados-Maiores de ícones do capitalismo fizeram, como se sabe, grandes e eficientes obras. 

          Realmente o que seria do mundo moderno sem o empreendedorismo icônico-cômico do capital-cassino?

          O sabujismo sem limites do comentarista é o de menos. Coisa pouca. Ou pouca coisa. O mais grotesco é a repetição de mantras alicerçada por uma – ridícula – por que descabida pretensão de superioridade dos objetos de sua cotidiana adulação, classes produtoras, essas coisas realmente raras de se ouvir. 

          Cada macaco no seu galho, xô xuá, eu não me canso de falar. 

           

  2. Esse é outro para guardar e

    Esse é outro para guardar e refletir. Não tendo palavras para realçar a insensatez dos que apelam pra golpes faço uso destas do jornalista. É inconcebivel se manifestar contra a diminuição da desigualdade das familias no país mais rico do planeta. A ditadura destruiu o sistema educacional brasileiro e quando um presidente torneiro mecanico conduz um processo de melhoria do ensino com seus PROUNI e PRONATEC pessoas se escondem em suas violencias de um ” “não vai ter copa” ou marchas a favor de golpes. Reflito: é por ignorancia ou a mais sordida má fé? Ignorancia da missão e destino do Brasil e da America latina como berço de uma nova civilização ou má fé devido medo de perder privilegios indevidos. Sim medo da concorrencia democratica dos até então mais frageis economica (salario minimo, bolsa familia) e saudaveis (mais medicos)possam conquistar por merito proprios empregos de melhor qualidade. 

  3. Infelizmente, Mestre Jânio

    Infelizmente, Mestre Jânio (não confundir com o bêbado, fantoche do autoritarismo…) não bate na ferida maior que foi a criação da Rede Globo, pelos americanos, e sua técnica folhetinesca de “educar” o brasileiro a ser servil e apolítico. Nenhum legado da Ditadura Militar, nem mesmo os assassinatos e tortura, é mais letal aos interesses do Brasil do que a Rede Globo que, do futebol à literatura, dita regras e impõe padrões de comportamento. Até quando isso vai durar? 

  4. Perguntas para dias de hoje

    – Como é que eles cuidam das fronteiras? Algum civil, alguma ouvidoria, acompanha as ações militares ao redor do país, e os respectivos gastos? O único escândalo de que me lembro com relação a gastos “militares” foi o Sivam – embora tenham havido tentativas com as ocorrências relacionadas ao primeiro astronauta brasileiro. O pessoal que vive nas proximidades de barcos na Amazônia costuma falar mal de pessoas da Marinha, e do modo como estes cuidam das regras nos rios, tudo em nível de fofocas.

    Falou-se também muito de vendas e compras de tecnologias nucleares, principalmente quando o Iraque florescia por aqui para negócios (muitas empresas brasileiras foram para lá fazer estradas, furar poços, etc).

    – E os aviões? sabe-se que eles precisam voar, por necessidade de manutenção mesmo. Algum controle sobre uso desses equipamentos por militares?

    As Forças Armadas devem contar com frotas enormes de carros de todos os tipos e tamanhos. Há algum controle? Noutro dia a PRF pegou drogas num veículo real ou fantasiado das Forças Armadas. Há fotos na internet.

    Parece que o controle sobre a pólvora, por exemplo, deveria ser aprimorado, pois tudo quanto é ladrão explode caixa eletrônico com pólvora, que afinal não se sabe de onde veio.

    De vez em quando as mídias falam de apreensão com bandidos de armas “de uso exclusivo”. Como é que se faz o controle dos estoques de armamentos, no país? Certo dia, faz muito tempo,  um cabo que era motorista do Exército me disse que vez ou outra levava carga de armamentos  de um estado a outro em caminhões sem identificação, porque era um saco a burocracia a vencer quando os órgãos controladores (!) de estradas federais eram  informados da necessidade de trânsito desses armamentos pelas rodovias.

    – E a Justiça dita militar, com toda aquela estrutura? – Seria mesmo necessária? 

  5. “O ensino das escolas

    “O ensino das escolas militares precisaria passar por reformulação total.”

    Exatamente pq foram expurgados os comunistas das forças armadas que o país obteve estabilidade.

    O que ele propôe é colocar lenha na fogueira e recomeçar as crises.

    1.   Pelamor… não exponha tão

        Pelamor… não exponha tão escancaradamente sua ignorância apenas para bater na mesma tecla em tudo. O Exército mete a colher em política desde a Questão Militar, no fim do Império.

  6. Saint Cyr , formou e deu   os

    Saint Cyr , formou e deu   os terroristas   que  planejaram o assassinato de  De Gaulle,frustrado, e  se opuseram 

    violentamente  contra  a independência  da  Argélia. Foram os mesmos que  subordinaram-se aos nazistas e mantiveram a  “República de VIchi”. Já, West Poin,é desnecessário  mencionar. O curriculo,abrange dois séculos

    de intervenção e métodos de causar inveja aos  grandes sádicos da história.

    Ou os militares aceitam a autoridade civil ou se tornarão   párias numa sociedade cada vez mais livre e democrática.

  7. Pessoas simplesmente deliram

    Pessoas simplesmente deliram com a ideia de que militar é ROBO, é só apertar um botão e se mexe no establishment militar como se queira. Nunca fucionou assim porque a profissão militar tem regras proprias, nem os Imperadores romanos mandavam nas Legiões, aliás elas tiraram muitos do trono.

    A construção de uma estrutura militar leva séculos e é essencialmente montada por militares. Há arranjos institucionais pelos quais dentro da normalidade o Poder Civil  controla o militar mas isso é algo novo, na historia conhecida da humanidade de 10.000 anos,  em 9.900 forças armadas foram um poder por si mesmas, em alguns paises só nos ultimos 50 anos existem arranjos mais ou menos harmoniosos entre o poder civil e o poder militar em tempos normais.

    O establishment militar é essencialmente conservador por natureza porque é baseado na HIERARQUIA e em REGRAS DE COMANDO E ORGANIZAÇÃO geralmente rigidas. O Exercito da URSS era baseado no exercito imperial da Russia, muitos grandes comandantes vieram do Exercito Imperial, os sovieticos respeitaram a estrutura e essencialmente a mantiveram.

    Nos EUA há uma subordinação formal do establishment militar ao poder civil mas em grande numero de casos o poder civil não enfrenta o poder militar, o Pentagono tem grande autonomia operacional, não dá para mexer muito lá.

    Nos demais paises tambem é assim, a ideia de achar que um sujeito do meio civil pode fazer curriculo de escola militar é ridicula. Curriculos de escolas de medicina são feitos por médicos, de engenharia por engenheiros, de escola militar por militares. Achar que figuras como essas da Comissão da Verdade possam influir em curriculos de escola militar são risiveis, então é um papinho bobo, de mesa de bar, as escolas militares brasileiras são de excelencia e tem mais de cem anos cada uma de tradição, algumas são as melhores do pais em sua area como o ITA e o IME, não queiram mexer na cabeça de militares, sempre que se tentou deu m….

    Quem diz que precisa mudar os curriculos é ideologo de esquerda que pretende esquerdizar esses curriculos para servir de correia de transmissão das ideias desse grupo, como tentam fazer no Ministerio da Educação com intromissões ideologicos nos curriculos desde o primario.

    Militares são militares, civis são civis, já esta para lá de bom se ficar assim e houver respeito mutuo.

  8. MORCEGO QUER NADAR!

    Meu caro articulista. Não opine sobre aquilo que desconhece. Realmente é detentor do conhecimento acerca dos currículos das Forças Armadas? A quem deferiria a tarefa de realizar tal Reforma? José Genoíno, José Dirceu ou Lula? Realmente acha que os militares destruíram a Educação no Brasil? Não quero o retorno dos militares e nem tampouco a permanência dessa corja que transita no poder atualmente. Queremos tudo de novo. Mas, o novo somente irá ocorrer quando deixarmos de lado questões passadas…que ao passado pertence…..Sim…que jamais haja tortura ou abusos de poder (Surpresa! A Ditadura do PT está aí!)…..que jamais os brasileiros sejam diferenciados pela cor…..concedendo-se vantagens a alguns pelo simples fato de ter uma cor diferente…como aliás é a política populista do Governo. Enfim…..enquanto se discute a Ditadura de 50 anos atrás, as pessoas estão morrendo nas filas de Hospitais Públicos, sem atendimento, sem dignidade; as pessoas humildes não possuem educação pública de qualidade (de nada adianta depois impor políticas de cotas)….o Brasil está entre os países mais violentos do mundo, fruto de uma política de segurança pública ultrapassada e de leis penais permissivas. Enfim, meu caro articulista…para vc está bom?

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