Nenhum golpista já admitiu ser golpista, por Janio de Freitas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Renato Costa/Folhapress

Jornal GGN – Em sua coluna na Folha, Janio de Freitas cutuca a ferida: quando foi que algum golpista se reconheceu como tal? O articulista traz o histórico de admoestações que Ricardo Lewandowski fez aos senadores, de que seriam juízes, e juízes não saem contando aos quatro ventos midiáticos como votarão antes mesmo de terem finalizado os procedimentos de acusação e defesa. E alardearam em má hora, já que peritos e instituições atestaram a falta de fundamentos da acusação.Além disso, Janio destaca que o discurso de Dilma, já como ex-presidente, colocou voz aos sentimentos de mais da metade do país, mas é preciso que se crie novas condições para que o Até Já da presidente possa se tornar mais efetivo. É preciso mudar essa conformação atual de poder no país. Leia o artigo a seguir.

da Folha

Nenhum golpista já admitiu ser golpista

por Janio de Freitas

Em inúmeras vezes, nas sessões do impeachment que presidiu, o ministro Ricardo Lewandowski disse ao plenário, com pequenas variações de forma: “Neste julgamento, os senadores e senadoras são juízes, estão julgando”. Entre os 81 juízes, mais de 70 declaravam o seu voto há semanas, e o confirmaram na prática. Um princípio clássico do direito, porém, dá como vicioso e sujeito à invalidação o julgamento de juiz que assuma posição antecipada sobre a acusação a ser julgada. O que houve no hospício –assim o Senado foi identificado por seu presidente, Renan Calheiros– não foi um julgamento.

Os que negam o golpe o fazem como todos os seus antecessores em todos os tempos: nenhum golpista admitiu ser participante ou apoiador de um golpe. Desde o seu primeiro momento e ainda pelos seus remanescentes, o golpe de 1964, por exemplo, foi chamado por seus adeptos de “Revolução Democrática de 64”. Alguns, com certo pudor, às vezes disseram ser uma revolução preventiva. É o que faz agora, esquerdista extremado naquele tempo, o deputado José Aníbal, do PSDB, sobre a derrubada de Dilma: “É a democracia se protegendo”. Dentre os possíveis exemplos pessoais, talvez nenhum iguale Carlos Lacerda, que dedicou a maior parte da vida ao golpismo, mas não deixou de reagir com fúria se chamado de golpista.

As perícias e as evidências negaram fundamento nas duas acusações utilizadas para o processo do impeachment de Dilma. As negações foram ignoradas no Senado, em escancarada distorção do processo. Para disfarçar essa violência, foi propagada a ideia de que a maioria dos senadores apoiaria o impeachment levada pelo “conjunto da obra” de Dilma: a crise econômica, as dificuldades da indústria, o aumento do desemprego, o deficit fiscal, a suspensão de obras públicas, as dificuldades financeiras dos Estados e outros itens citados no Congresso e na imprensa.

Se os deputados e senadores se preocupassem mesmo com esses temas do “conjunto da obra”, teríamos o Congresso que desejamos. E os jornais, a TV e os seus jornalistas estariam sempre mentindo com suas críticas, como normal geral e diária, sobre a realidade da política e dos políticos.

Nem as tais pedaladas e os créditos suplementares, desmoralizados por perícias e evidências, nem o “conjunto da obra”, cujos temas não figuram nos interesses da maioria absoluta dos parlamentares, deram base para acusações respeitáveis em um processo e um julgamento. Se, no entanto, envoltos por sofismas e manipulações, serviram para derrubar uma presidente, houve um processo, um julgamento e uma acusação ilegítimos –um golpe parlamentar. Os que o efetivaram ou apoiaram podem chamá-lo como quiserem, mas foi apenas isto e seu nome verdadeiro é só este: golpe.

Esse desastre institucional contém, apesar de tudo, um ponto positivo. A conduta dos militares das três Forças, durante toda a crise até aqui, foi invejavelmente perfeita. Do ponto de vista formal e como participação no esforço democratizante que civis da política e do empresariado estão interrompendo.

O pronunciamento de ex-presidente feito por Dilma corresponde à aspiração de grande parte do país. Mas a tarefa implícita no seu “até daqui a pouco” exigiria, em princípio, mais do que as condições atuais da nova oposição podem oferecer-lhe, no seu esfacelamento. À vista do que são Michel Temer e os seus principais coadjuvantes, não cabem dúvidas de que os oposicionistas podem esperar muita contribuição do governo. Mas o dispositivo de apoio à situação conquistada será, a partir da Lava Jato, de meios de comunicação e do capital proveniente de empresários, uma barreira sem cuidado com limites.

Desde ontem, o Brasil é outro.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. O outro golpe

    Não tenho esperanças de reversão neste indiscutível golpe jurídico-parlamentar. Mas o que mais me preocupa é o outro golpe anunciado. Quando Dilma e Temer foram eleitos em 2014, a maioria não votou apenas nos dois. Votou principalmente no programa de governo anunciado na campanha, em especial, naquele mantra insistentemente repetido de “nenhum direito a menos”. Logo, todos os ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários anunciados são um golpe contra a maioria que elegeu a dupla Dilma/Temer; o abominável congelamento das despesas com saúde, educação, segurança etc por vinte anos, também; a entrega das nossas riquesas no Pré-Sal a empresas estrangeiras, idem; a privatização indiscriminada de nossas estatais, ibidem. E por aí vai. Tudo isso é golpe, mais duro e de consequências mais funestas do que o de ontem.

  2. Negativo. Francisco Franco

    Negativo. Francisco Franco fez o “alzamiento”, levante contra a legitima Republica Espanhola  em julh0 de 1936,  sempre se orgulhou disso, tanto que seu novo governo não se intitulava Republica e sim Estado Espanhol.

    Os militares de 1964 aboliram a Constituição de 1946 através do Ato Institucional nº 1 e afirmaram com todas as letras que

    a Revolução por si só criava poder institucional legitimo e com base nisso promulgaram a Constituição de 1967.

    O General Augusto Pinochet, chefe do Estado Maior do Exercito chileno derrubou o Presidente legitimo Salvador Allende e

    considerou seu ato um golpe de Estado a favor da democracia, governou sob lei marcial pelos proximos 6 anos.

    Desde o primeiro golpe de Estado, o 18 Brumario de Napoleão, os golpistas se orgulham do golpe e não negam seu feito.

    O historiador romeno Edward Luttwalk na sua classica obra GOLPE DE ESTADO narra 301 “coups d´Etata”  entre 1945 e

    1968 ,  os golpistas se assumem como golpistas e reinstituem uma nova ordem legal a partir do proprio ato insurgente.

    Não entendi essa do Janio.

  3. Ué?
    Os militares não se

    Ué?

    Os militares não se mexeram por que não houve reação.

    Duvido que se a lei fosse comprida e o Muro estivesse preso, o exercito não teria se levantado, dos dois lados.

     

     

  4. Foi um constrangimento enorme

    Foi um constrangimento enorme para nós brasileiros vermos durante todo esse tempo um presidente do supremo tribunal federal (minusculo mesmo) à frente daquela palhaçada. Mas só para nós brasileiros; ele parecia muito a vontade ali. Foda-se a reputação, o cara chegou a ministro da suprema corte desta pocilga. O que mais pode querer? Logo se aposenta e vai morar em Miami com todas as benesses de ex-ministro.

  5. Até daqui a pouco

    Na mosca, Janio. O governo usurpador ja começou na fronteira do banditismo, muito além de agir no limite da irresponsabilidade. Se a esquerda se reorganizar e, principalmente, entender o que se passou, pode sim voltar a ocupar um espaço relevante muito em breve.

  6. Artigo de Jânio de Freitas

    Lucidez completa, dignidade, reflexão.  Obrigada, Janio de Freitas, por termos pessoas como você no meio da lama em que estamos.

    Quando há golpes, lutamos contra!!!

    À luta!

  7. CONCORDO COM JÂNIO DE

    CONCORDO COM JÂNIO DE FREITAS. ALIÁS NA MAIORIA DAS VEZES CONCORDO COM ELE. MAS…UMA PERGUNTA QUE NÃO QUER  CALAR: POR  QUE JÂNIO DE FREITAS PERMANECE NA FOLHA, UM JORNAL GOLPISTA, COMO ARTICULISTA E DETENTOR DE CARGO? SABE A RESPOSTA NASSIF? SE SOUBER NOS INFORME, TENHO MUITA CURIOSIDADE EM SABER.

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