O jornalismo sem sutilezas, por Luciano Martins Costa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O site do Observatório da Imprensa segue em manutenção e está sendo atualizado aos poucos.
Por isso, posto aqui o texto de hoje, roteiro do programa Observatório da Imprensa no Rádio
Falo da má qualidade do texto jornalístico, do fim do jornalismo literário, de uma ironia no Dia do Jornalista: o anúncio de uma onda de demissões no Estado de S. Paulo.

Por fim, no pouco tempo do programa, uma constatação: há um propósito oculto sob o noticiário a respeito da Petrobras – fragilizar o governo para privatizar o pré-sal.

O jornalismo sem sutilezas, por Luciano Martins Costa

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O texto jornalístico vem perdendo qualidade há muitos anos e a imprensa brasileira se caracteriza hoje, entre outras coisas, pela pobreza homogênea dos recursos linguísticos.
Nos estudos acadêmicos sobre a questão, destaca-se a produção do falecido repórter Marcos Faerman, que segue sendo tema de livros e teses de pós-graduação, passados mais de quinze anos de sua morte.
Entre os jornalistas vivos, destaca-se a também gaúcha Eliane Brum, que atua no site brasileiro do diário espanhol El País.

Nem é o caso de procurar algum exemplo do que comumente é chamado de “jornalismo literário”: a qualidade da narrativa caiu tanto que se tornou difícil encontrar qualquer coisa que anime aqueles que se comprazem com a boa leitura.
Pode-se dizer que esse processo de empobrecimento tem um ponto inaugural no chamado “projeto Folha”, que no final dos anos 1980 marcou a ofensiva do jornal paulista contra seu então concorrente, o Estado de S. Paulo.

Um dos pressupostos daquela pretensiosa agenda era a concretização da objetividade em todo o conteúdo editorial.
Os então jovens editores que foram na ocasião inseridos na redação da Folha de S. Paulo criticavam o engajamento dos repórteres nas histórias que iam cobrir e chamavam, pejorativamente, de “jornalismo impressionista” tudo que tivesse alguma coloração literária.
Essa ilusão de objetividade vinha acompanhada de uma ignorância tão arrogante que chegou a inspirar um romance – intitulado “O crepúsculo das letras” – do falecido escritor e jornalista Ronaldo Antonelli.

Com alguns artifícios de marketing, como a soma de exemplares de cortesia nas tiragens, a circulação diária da Folha chegou a superar o milhão de exemplares, o que ajudou a convencer os gestores dos outros jornais a adotar o modelo.
Além do texto curto e seco, cresceu a obsessão pelos infográficos e até mesmo a fotografia se tornou mais dura, com inúmeros episódios de personagens retratados em situação deletéria, expostos à sua revelia nas primeiras páginas.

Esse jornalismo de relatório encontrou, no início deste século, as redações empobrecidas pelo pragmatismo e a gestão baseada no corte de custos.
A transformação dos principais jornais em panfletos políticos completou o quadro.

Esse breve histórico ajuda a entender porque a leitura dos jornais se tornou um exercício entediante e um verdadeiro teste de paciência.
Mas, ao mesmo tempo, o espírito crítico pode se divertir com certa sutileza que a falta de sutileza produz.
Por exemplo, nesta terça-feira (7/4), Dia do Jornalista, noticia-se que o Estado de S. Paulo está cortando uma centena de postos de trabalho, e entre os demitidos encontram-se alguns dos melhores redatores do jornal.

Mas essa ironia não surpreende.
O que, sim, pode interessar ao leitor atento é a interpretação dos textos e de sua organização nas páginas.
Peguemos, para exemplificar, dois temas cruzados que estão em todos os jornais: a posse do ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, e o caso de corrupção que atinge a Petrobras.
O filósofo entra no governo sob um obsequioso respeito da mídia, que não ignora seu currículo, e sabe-se que seu sucesso vai depender em grande parte dos recursos do pré-sal.

Observe-se que a imprensa demonstra grande empenho em manter a empresa petrolífera sob intenso bombardeio, ainda que, ao fim do caso, se demonstre que ela é vítima de executivos, empresários e políticos.
No entanto, os jornais não podem ignorar que é da Petrobras que virão os recursos para quaisquer que sejam os projetos do novo ministro.
Ao mesmo tempo, articulistas e editorialistas aproveitam o escândalo para dar repercussão a uma proposta do senador José Serra (PSDB-SP), apoiada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que defende a mudança no sistema de exploração do óleo do pré-sal.

Há uma conexão explícita no noticiário sobre o caso de corrupção e a retomada da campanha para entregar os recursos do pré-sal a empresas estrangeiras.
Os defensores desse retrocesso sabem que 70% dos riscos no negócio do petróleo se concentram na fase de prospecção.
Portanto, defender a volta do sistema de concessões significa entregar ao capital privado o resultado do trabalho da estatal, no momento em que ela bate recordes sobre recordes de produção e produtividade.
Existe a corrupção, com corruptores e corruptos, mas há um propósito oculto sob o noticiário: fragilizar o governo para privatizar o pré-sal.
O jornalismo sem sutilezas tem dificuldade para dissimular seus vícios.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. O texto nem é o principal,

    O texto nem é o principal, ainda que escrever corretamente seja uma exigência básica para quem reivindica o “monopólio” da palavra pública. O que é cada vez mais trágico é o nível de compreensão da realidade e da própria profissão. Conhecer pessoas não significa conhecer os fatos sociais, tampouco como funcionam o Estado e a Sociedade. Por isso que essas simplificações econômicas e deformações ideológicas – do tipo “o estado é corrupto e o mercado é virtuoso” – ganharam tanto espaço. Elas ajudam a mitigar a sensação de “não estar entendendo nada” do que está acontecendo. Junte-se a isso o desapego completo à apuração das noticias e vemos porque o jornalismo brasileiro chegou a esse nível de preconceito e arrogância em poucas décadas.

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