Verticalização das Favelas: Onde?

Enviado por Pedro Penido dos Anjos

Verticalização das Favelas: Onde?

Por Fernando Nogueira da Costa

Do Cidadania & Cultura

Sabetai Calderoni é urbanista, economista e membro do Conselho Superior de Meio Ambiente da Fiesp. José Pedro Santiago é agrônomo e membro do Conselho Superior de Meio Ambiente da Fiesp. Ambos demonstram maior sensibilidade social que os pesquisadores do Ibre-FGV citados no post anterior. Publicaram o seguinte artigo (Valor, 02/02/15), avaliando o Programa MCMV.

“Nossas cidades, sobretudo as áreas metropolitanas, estão se transformando em praça de guerra, no confronto entre polícia e moradores envolvidos em frequentes episódios de invasão de edifícios e até de parques públicos. Conflitos com os sem-teto vão se repetir e as cidades brasileiras vão virar campo de batalha se não for resolvido, com urgência, o problema da falta de moradia.

As maiores dificuldades para eliminar o déficit habitacional brasileiro, de 5,8 milhões de moradias, são a escassez e os elevados custos dos terrenos e da infraestrutura, sobretudo nas grandes cidades. A opção por construções populares de um único andar, sequer geminadas, agrava esse quadro. Por que subutilizar terrenos caros e raros, elevando ainda mais os custos da infraestrutura?

Alternativa promissora para solução do problema é implantar edificações verticalizadas nas próprias favelas. O caminho épromover a permuta de habitações situadas em áreas planas dessas comunidades por apartamentos a serem edificados no mesmo local, em prédios, por exemplo, de dez ou doze andares.

Mas há espaço suficiente nesses territórios para abrigar o número de edifícios necessários para se vencer o déficit habitacional? Segundo o Censo de 2010 do IBGE, a população brasileira que mora em favelas é portentosa. Eram 11,4 milhões de pessoas vivendo em 3,2 milhões de domicílios (média de 3,56 habitantes/domicílio), envolvendo 323 municípios e 6.329 aglomerados subnormais, tendo à frente São Paulo, com 2.715.067 habitantes, e Rio, com 2.023.744.

A surpresa é que 52,5% dessas moradias estão em áreas planas. E do total, 64,6%, isto é, 2.081.977 habitações, contam apenas com um andar, demonstração eloquente do elevado grau de subutilização dos terrenos que ocupam.

É possível eliminar a totalidade do déficit habitacional do país, de 5,8 milhões de moradias, utilizando apenas 15% da área ocupada pelas habitações das favelas, ou 30% da área plana desses territórios, supondo a construção de prédios com cerca de 12 pavimentos.

Os espaços remanescentes, 85% do total, poderiam receber importantes melhorias, como novo traçado viário, iluminação pública, infraestrutura social (creches, escolas, postos de saúde etc.) e obras de saneamento de baixo custo, como mini-estações de tratamento de esgoto.

O ganho ambiental e de segurança seria imenso, oferecendo as novas habitações à população que reside em encostas, nascentes, morros, várzeas e demais áreas de proteção ambiental. Os moradores receberiam títulos de propriedade, importante para o fortalecimento da cidadania e autoestima.

Muitas grandes favelas localizam-se em regiões bem providas de transporte e próximas de áreas com maior oferta de serviços e empregos. Assim, a verticalização reduz o custo da infraestrutura, aumenta as oportunidades de inserção produtiva e de atendimento social.

Além da verticalização, que reduz custos e traz melhor aproveitamento dos terrenos e da infraestrutura, deve-se atentar também para os custos dos materiais de construção, da mão de obra e para o poder aquisitivo dos moradores.

reciclagem de entulho surge como importante alternativa para reduzir custos e elevar os rendimentos das famílias. Com o entulho podem ser produzidos artefatos pré-moldados, tijolos, telhas, postes, guias e sarjetas. São elementos de uma tecnologia já dominada de industrialização da construção civil que simplifica, acelera e economiza.

A reciclagem de entulho é atividade que aumenta as oportunidades de trabalho e os rendimentos das famílias residentes, que poderão participar da construção dos novos prédios. Todos esses fatores contribuem para reduzir os custos das moradias.

Esses custos podem ser bem mais baixos. Nos edifícios construídos sob coordenação do MTST em Taboão da Serra, com o mesmo custo de apartamentos de 39 m2 do Programa Minha Casa Minha Vida, foram concluídos e entregues apartamentos de 63 m2, com três dormitórios. É um ganho de 50%! Por esse sistema, em vez de 3,4 milhões de moradias, poderiam ter sido construídas 5,7 milhões, isto é, 2,3 milhões a mais, o que equivale a 40% do déficit habitacional do país.

Parte do sucesso deve-se à doação do terreno pela prefeitura. Isso reforça a ideia de utilizar áreas das favelaspermutando habitações lá existentes por apartamentos novos e oferecendo ao morador, como atrativo adicional, o título de propriedade.

O Programa Minha Casa Minha Vida, em cinco anos (desde 2009), viabilizou a contratação de 3,4 milhões de moradias aplicando R$ 216,69 bilhões. Portanto, o déficit habitacional pode ser eliminado aplicando-se o mesmo volume de recursos se as habitações custarem 40% menos, o que é possível apenas com a eliminação dos custos de obtenção dos terrenos. Com as demais economias mencionadas, a redução de custos será necessariamente maior.

Pelas PPP (Parcerias Público Privadas) empresas podem transferir tecnologia e assegurar treinamento para desenvolver esse modelo, garantida a participação de todos os agentes nos processos decisórios e nos frutos do trabalho coletivo.

A remuneração dos parceiros privados pelos investimentos que aportarão virá da exploração comercial dos estabelecimentos ou dos espaços a serem instalados nos andares térreos dos novos prédios, da manutenção de vias e da exploração da Central de Reciclagem de Entulho. É conveniente também que o parceiro privado cuide da manutenção das áreas comuns dos prédios.

Movimentos sociais e outras entidades, ligados à questão habitacional, podem ter papel de destaque como protagonistas dessa mudança de paradigma.

É possível, portanto, oferecer moradia digna à população, dentro de seu alcance econômico, mitigando o sofrimento a que se acha submetida.

Em suma, há soluções sustentáveis para vencer o déficit habitacional, em prazo relativamente curto, com grandes ganhos ambientais e sociais. A paz é possível.”

FNC: só faltou considerar nessa conta geral de que 52,5% dessas moradias estão em áreas planas e do total, 64,6%, isto é, 2.081.977 habitações, contam apenas com um andar, suas localizações: em geral, não se situam nos morros das metrópoles do Sudeste, mas sim nas outras regiões. 

Então, não é possível “eliminar a totalidade do déficit habitacional do país, de 5,8 milhões de moradias, utilizando apenas 15% da área ocupada pelas habitações das favelas, ou 30% da área plana desses territórios, supondo a construção de prédios com cerca de 12 pavimentos”, sem a mudança do local da residência dos favelados que moram em morros nas metrópoles do Sudeste… Tem de se analisar bem o custo social dessa logística: não há o risco de apartheid social?

 

Redação

16 Comentários

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  1. Alguns problemas: O programa

    Alguns problemas: O programa é de construção de moradias, parece que a infra estrutura, localização e transporte não foi incluso em uma série de casos;

    Construir torres com elevador: Se na classe média já existem problemas com pagamento de condomínio, quero ver o que vai acontecer quando os elevadores darem problema.

    Manutenção: Visite alguns dos conjuntos habitacionais e veja o estado que se encontram.

  2. Verticalizacao NAO eh

    Verticalizacao NAO eh solucao:  vide “projects” dos EUA nos anos 50 e 60.  Praticamente todos eles terminaram com pessima reputacao -crimes, drogas- em edificios extremamente decadentes, e uma grande parte deles ja foi demolida, ate mesmo em Newark.  E todos os apartamentos eram pikinininhos tambem.

    A ideia do MCMV esta certa exceto pelo tamanho dos apartamentos, que continua sendo negacao de espaco proprio, uma das marcas principais da teoria da favelizacao.  A ultima vez que ouvi, as casas eram ridiculamente pequenas mas nao lembro o tamanho, era coisa de 80 ou 100 metros quadrados, talvez menores -perdoem me se estiver errado, eu ja nao tenho ideia de metro.

    1. Ivan, o inocente.

      Você está mal acostumado. Quem mandou passar tanto tempo fora. 100 metros quadrados é alto padrão com suíte e área gourmet. O padrão MCMV é por volta de 50 metros quadrados. E se você pesquisar imagens ficará abismado.

      1. Uau!!!  Pesquisei.  Casas com

        Uau!!!  Pesquisei.  Casas com 50 metros quadrados sao o que a minha familia chama de “pombais” ha muitos anos!

    1. Singa ou Cinga?

      Os caras estão propondo exatamente um Cingapura Malufiano, século 21: tirar as favelas do plano horizontal e verticalizá-las. 

      Muda o visual e mantém a estrutura miserável. Muda muito sem mudar nada.

      Recomendo à dupla que entre hoje num prédio do Cingapura inugurado em 1995.

      Ou melhor: que morem lá durante quatro semanas. Depois digam se favela vertical é uma boa idéia. 

       

  3. Nassif, não sei se vc tomou
    Nassif, não sei se vc tomou conhecimento. Hoje o Globo anunciou O FIM DO PROGRAMA MCMV!
    É só buscar o link lá. Esta no fb também.

    Não posso agora e conto com a colaboração de algum comentarista habitual para buscar este link.
    Isso me parece terrorismo!

    Pelo que entendi, o jornal foi buscar a confirmação da informação e não conseguiu, deturpou a resposta e publicou.

      1. MCMVida

        Ivan,

        Minha Casa Mellhor não é o MCMV. 

        A reportagem apenas procura confundir o leitor, pois os nomes dos prpogramas são parecidos.

        De acordo com Miram Belchior, e contra o arsenal de mentiras que sempre existiu a respeito do excelente programa habitacional que já entregou 1,6 milhões de unidades, o MCMVida prosseguirá a todo vapor.

        Um abraço.

  4. A ideia é interessante no

    A ideia é interessante no papel. A realidade é sempre mais complicada.

    Muitas favelas ocupam áreas de mananciais, encostas íngremes, áreas de risco geológico, antigas áreas verdes obrigatórias de lotementos ou até mesmo lixões abandonados. E há a questão da regularização fundiária, que é um pesadelo, em todo o território nacional.

    Por conta disso, acho meio inviável a redução de 40% que os autores propõem em relação ao MCMV.

     

  5. Só faltou perguntar aos moradores

    Muito legal essas soluções que parecem muito lógicas e fáceis de serem implementadas. A gente se anima com esse tipo de texto. Mas confesso que me parece um pouco simplista. Só para tratar de uma das questões que poderiam ser colocadas: alguém lembrou de perguntar aos moradores, se eles topam  trocar suas casas por apartamento? Ou pelo fato de serem  favelados, eles não teriam o direito de fazer esse tipo de escolha. 

    1. Tem que ser muitissimo bem

      Tem que ser muitissimo bem gestado e gerenciado, de outra maneira nao funciona.  E nao MESMO.  Minha irma esperou 6 anos pra morar em um edificio desses.  Morou la quase 20 anos, ate o dia que morreu em sua propria cama em seu apartamento.

      Tinha gente riquissima nesse edificio misturada com a tralha de trabalhadores.  O apartamento dela era um kitchenette, como os do resto dos pedintes e esfomeados do edificio.  So que era tao bem gerenciado e tao interessante que ela nunca mais saiu de la.  (os melhores amigos dela no edificio eram uma contorcionista russa e seu marido que era pioneiro nas linguas de computacao nos anos 60 e 70, ambos ja morreram hoje.  Tentei conversar com ele uma vez, talvez 84, a respeito de computadores, e ele nao se acostumava com computadores pessoais e achava que eles nao deveriam existir, alias(!))

      Entendeu agora?  Nao da pra manter os pobres segregados enquanto os ricos estao separados.  Tem que haver uma mistura estatalmente ordenada.  Porque alguem constroi um edificio de, digamos, 1 milhao de reais, e nao tem um unico apartamento pra empregadas nele?

      Isso me lembra os aposentos e casas de funcionarios em Aspen tambem.  Sao todos subsidiados, tem lista de espera, praticamente todos eles trabalham pra mi e bilionarios.  Mas nao sao favelas verticais, nao sao agregados de pobres em technicolor.  A coisa eh seria, mais seria que isso.

      Tambem me lembra da mistura londrina de rendas e moradias, mas nao vou achar o link imediatamente.  Estatalmente ordenada.

      Ah, fuji do assunto um pouco, so pra mostrar que tem que haver um equilibrio nao-favelizante no ideario do fornecimento imobiliario.  Vertical ou horizontal, o “estado” da moradia nao resolve problemas de valorizacao pessoal e social.  E favelados tem valor pessoal e social que nao aparece muito no item.

      Nao vai ser teoria arquitetural que vai resolver os problemas de valorizacao das pessoas, de suas profissoes, e de suas vidas.

  6. Exemplos de outros países

    Exemplos bem sucedidos de outros países não faltam. Seria só copiar e adaptar aqui.

    Nos EUA eles resolveram isto com um imposto de transmissão causa mortis ( imposto por herança que aqui no Brasil se chama ITCMD) na alíquota de 50% sobre o valor do imóvel. No Japão e Alemanha também. Resultado, os imoveis lá são relativamente baratos, até mais do que aqui, e as casas são construídas com o menor custo possível, pois ao morrer metade do valor da casa fica para o governo. Vale lembrar que empresas não pagam este imposto nestes países, pois geram empregos e ficam isentas. Isto explica também porque muitos cidadãos americanos moram em trailers, pois evitam construir algo que possa ser tributado como imposto. Aqui no Brasil este imposto varia de 4% a 8% dependendo do estado.

    Poderiam adaptar aqui, sem mexer nos imóveis existentes, mas sim incidir este imposto apenas nos imóveis do minha casa minha vida, que seria vendido pela metade do preço, e a outra metade o Governo resgataria quando o dono falecer e os descendentes quiserem passar o imóvel para o nome deles. O impacto desta medida faria a bolha imobiliária no Brasil desmoronar. Em pouco tempo os imóveis que não são tributados em 50% no ITCMD

    O Governo conseguiria uma fonte de renda extra, e de quebra iria dinamizar a economia, conseguindo ainda resolver o deficit de habitação. Só para ter uma ideia dos preços absurdos dos imóveis aqui, uma mesma casa de periferia em SP tem o mesmo valor de um castelo na Europa. Nos EUA, por exemplo se compra casas de classe media em condomínio por 130 mil dólares; o salário mínimo é de 2700 dólares. Aqui se acha casas de  200, 300 mil na periferia e o salário mínimo é de 780 reais. O bom de criar um imposto destes só para as casas populares novas que o Governo está vendendo é que não mexeria no patrimonialismo do brasileiro, nos direitos adquiridos de quem já possui uma casa e paga alíquota de 4%, ou 8%. E como o imposto seria cobrado a cada geração, o sistema compensaria em termos tributários sendo uma arrecadação perpétua para os cofres públicos, que poderiam por em ordem as contas do Governo e até desonerar impostos sobre produção.

    Casas pequenas são uma questão de cultura. No Japão é comum muita gente morando em kitnets, alguns minúsculos, e sem a menor impressão de miséria. Na China também é comum ver aptos de 20 m², ou até de 9 m². Aptos de 27 m² lá são modelo luxo.

  7. Favela Vertical

    Pedro Penido,

    Primeiramente, seria interessante saber qual o critério utilizado para se chegar aos números do deficit habitacional, sempre fantasiosos. Até hoje, não me lembro de ter visto nenhum trabalho de pesquisa mostrando isto em detalhes.

    Quando se fala em deficit habitacional, o que vem à cabeça das pessoas é que são, como neste caso específico, 5,8 milhões de indivíduos dormindo debaixo da ponte, algo completamente impossível, daí a necessidade de esclarecer os critérios para o número apresentado.

    Quantas casas existem sem que tenham banheiro, quem sabe ? Feitas pelo Estado, nenhuma, já as casas feitas pelo pela própria família chegam aos milhares, esta anomalia pode ser classificada como parte de deficit habitacional ?

    No MCMVida (não sei quais são os quantitativos por cada faixa) não prevalece a u.h. isolada, tem muita casa geminada e muitos prédios com elevador, algo que nunca foi oferecido por nenhum programa habitacional até então, são prédios com 3, 4 e 5 pavimentos, com apartamentos geralmente maiores de 50 m²  (nunca vi nenhum com 39 m²) e toda a infraestrutura necessária incluída, água potável, esgoto sanitário, ETE, energia elétrica, telefone, calçadas e ruas pavimentadas. 

    Considero o elevador como um grande melhoramento , pois o fulano que mora no 5º andar quebrou a perna, bye bye, fica internado. Do outro lado o complicador, quem paga a manutenção do elevador ? Diversos prédios terão condomínio organizado e não haverá problema nenhum, e diversos outros terão o condomínio do balacobaco, como sempre ocorreu.

    Quanto à verticalização das favelas, este é o sonho dourado de todos os grandes incorporadores, agora ajudados por gente talvez inocente, de boa fé. 

    No RJ, há uns anos foi decidida a construção de cerco no perímetro de diversas favelas com muros de até 3,00 metros de altura, 43 favelas de centenas delas, e todas na zona sul, uma coincidência espetaculosa. O negócocio era tão acintosamente absurdo que foi abortado e nunca mais se falou no assunto.

    O grande problema da construção de prédios com 60 ou mais apartamentos numa favela é a infraestrutura, nenhuma delas suportará o $$$ baque financeiro, alguém tem idéia do custo de todo o esgotamento da Rocinha até chegar ao seu destino final ? Ou então, quantos prédios na Barra da Tijuca, “prédio de bacana”, lançam o esgoto na vala da esquina ou coisa que o valha, um verdeiro escárnio ? 

    Não considero impossível, mas é preciso muito cuidado ao se tratar de verticalização de favelas, e a parte legal (as necessárias alteração de gabaritos, alterações em Código de Obras, etc…) é a mais perigosa de todas, e saber quem paga $$$ pela infraestrutura, brincadeira cara.. 

     

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