“A gente passou muito tempo estudando as Forças Armadas, mas não percebeu que estavam articulando a volta” à política

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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"Se não houvesse um general na cabeça do Ministério da Defesa, a substituição não problema nenhum", diz o sociólogo João Roberto Martins à TVGGN. Assista

Jornal GGN – A partir de fevereiro de 2019, políticos, ex-ministros da Defesa, analistas e pesquisadores que se dedicam a estudar as Forças Armadas passaram a discutir, em reuniões, como é que foi que os militares voltaram ao poder sem que ninguém percebesse. Sim, o primeiro passo foi admitir que ninguém notou as articulações que levaram a turma do verde oliva a circular amplamente pela Esplanada dos Ministérios graças a cargos concedidos por Jair Bolsonaro.

Hoje esse “entusiasmo” de militares em participar novamente da política nacional, agora pela via “democrática”, colocou as Forças Armadas no centro da crise. “É curioso notar que as Forças Armadas recebem hoje atenção jornalística equivalente à dedicada a partidos políticos. As dissidências, os rachas, as insatisfações, as reuniões com tapas na mesa, adesão ao governo, rompimento com o governo, quem está em alta, quem está em baixa”, comentou a jornalista Mônica Bergamo, da Folha, nesta quarta (31).

Para o sociólogo, professor universitário, pesquisador dos militares e autor do livro “O Palácio e a Caserna”, João Roberto Martins, a importância que a imprensa hoje dá à dança das cadeiras no Ministério da Defesa e cargos subordinados, está ligada à militarização do governo federal por Bolsonaro, que rompeu de vez com a tradição de indicar civis para comandar a Pasta. “Se não houvesse um general na cabeça do Ministério da Defesa, a substituição não seria problema nenhum.”

Martins contou a Luis Nassif, na TVGGN, que o segundo consenso tirado entre analistas é que “Bolsonaro é incontrolável”, muito “personalista”, e isso respinga na imagem que as Forças Armadas construiu ao longo de décadas, sem que a instituição esboce reação à altura. Ao contrário, Bolsonaro é campeão em colocar as Forças Armadas em situações delicadas.

Por exemplo: hoje os militares no governo passam a imagem de que são “condescendentes” com os “neofascistas” no entorno de Bolsonaro. E há vários exemplos deles. O próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, é um expoente.

Durante décadas, os militares criticaram a esquerda por suas “conexões internacionais”, mas a ideologia da extrema-direita, com cores fascistóides, se ramificou pelo mundo atual, chegou ao poder com Jair Bolsonaro, Donald Trump, entre outros, e continua sendo de interesse para a família presidencial. Eduardo faz inúmeras viagens para acompanhar as experiências internacionais. Assim, copia instrumentos de radicalização das bases bolsonaristas e de setores das polícias militares.

Seria este o caminho – o uso das bases civis ou militares, radicalizadas – para um golpe de Estado, na ausência de apoio institucional das Forças Armadas? Para Martins, é uma incógnita.

“Acho que existe sempre uma presença militar importante no governo Bolsonaro, mas sempre existiu uma tensão entre os militares e esse grupo neofascista onde está Bolsonaro. Essas loucuras lançam mil incógnitas. Das Forças Armadas, nós sabemos: elas são organizadas, hierárquicas, disciplinadas, nós sabemos um pouco do que esperar delas. Agora, desses outros grupos, nós não sabemos o que esperar.”

De qualquer modo, Bolsonaro já “deu uma tremenda lição do porquê os militares não devem entrar na vida política. De todos os lados, está começando a vazar água porque houve essa entusiasmada participação na política.”

Confira os principais trechos da entrevista de João Roberto Martins à TVGGN20h de terça (30). Logo abaixo, o vídeo na íntegra.

MILITARIZAÇÃO DO GOVERNO

“Pouca gente da imprensa está tocando no seguinte ponto: se não houvesse um general na cabeça do Ministério da Defesa, a substituição não problema nenhum. Nós tivemos 13 ministros da Defesa até aqui, 10 foram civis. [Resultado da] militarização do Ministério da Defesa – que não era para ser um Ministério militar de forma alguma. (A própria criação do Ministério da Defesa, para depois ser entregue a um general do Exército, sofreu resistência entre de militares da Marinha.) Mas chamo atenção para outra coisa: Bolsonaro hoje deu uma tremenda lição do porquê os militares não devem entrar na vida política. De todos os lados, está começando a vazar água porque houve essa entusiasmada participação na política. O ministro que hoje divulga uma nota dizendo que as Forças Armadas são uma instituição de Estado, é o mesmo que acompanha Bolsonaro num helicóptero, com as duas portas abertas, para o Bolsonaro acenar a uma manifestação facistóide lá embaixo na Praça dos Três Poderes. Ele levou 10 meses para falar que as Forças Armadas são de Estado, depois daquele triste episódio.”

RADICALIZAÇÃO DAS BASES, ULTRADIREITA INTERNACIONAL E O QUE ESPERAR EM TENTATIVA DE GOLPE

“Em relação às PMs, acho que depende da situação em cada estado. Tem estado que o controle é mais frágil. Me parece que São Paulo, por exemplo, tem um controle maior. Com relação às Forças Armadas, me parece que houve muito desgaste do Bolsonaro no último ano. Não é mais aquela coisa de página em branco que tinha no começo do governo. (…) Eu diria que Bolsonaro é um cara muito ferino, né? Ele põe as Forças Armadas em cada situação. A gente passou muito tempo estudando as Forças Armadas, mas confesso que a gente não percebeu como elas estavam articulando essa volta. Tem explicações para isso. Uma delas é que o general Villas Boas passou a falar o tempo todo para a imprensa que não iria haver golpe, nem intervenção. Só que não ia mesmo, porque eles tinham resolvido por outra via, que foi essa via que desembocou no governo Bolsonaro. Duas coisas que a gente percebeu nas reuniões com a Fundação Perseu Abramo, a partir de fevereiro de 2019, onde juntaram ex-ministro, deputados que entendiam muito de militares e professores. A primeira coisa que a gente reconheceu foi que não percebemos [a articulação para militares voltarem à política]. E a seunda coisa é o consenso de que Bolsonaro é incontrolável. Ele é muito personalista. O Bolsonaro apagou um pouco disso com a crise atual, mas as pessoas começaram a prestar atenção nesses neofascistas que estão no governo – que a imprensa chama de ‘ala ideológica’. Bia Kicis, Abraham Weintraub, Felipe Martins, Eduardo Bolsonaro. Interessante, porque as Forças Armadas sempre acusaram a esquerda de ter conexões internacionais, de ser um movimento internacional. Mas o movimento neofascista é internacional. Eduardo Bolsonaro vive viajando para participar de conferências aqui e ali. É impressionante a condescendência que eles [militares] têm. O próprio Villas Boas, não sei se vocês se lembram quando ele foi agredido pelo Olavo de Carvalho, respondeu que o Olavo era um ‘Trótski de direita’. Então tem um movimento de direita internacional que eles sabem que existe. (…) Acho que existe sempre uma presença militar importante no governo Bolsonaro, mas sempre existiu uma tensão entre os militares e esse grupo neofascista, onde está o Bolsonaro. Essas loucuras lançam mil incógnitas. Das Forças Armadas, nós sabemos: elas são organizadas, hierárquicas, disciplinadas, sabemos um pouco do que esperar delas. Agora, desses outros grupos, nós não sabemos o que esperar.”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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