Análise

Empoderamento de quem?, por Nadejda Marques

Empoderamento de quem?

por Nadejda Marques

Não se pode negar que uma das coisas que o Banco Mundial faz bem é se apropriar das bandeiras sociais de seus críticos despolitizando seu teor e criando jargões que ajudam a preservar a imagem do banco e seu poder sobre países e populações em situações de vulnerabilidade.

Tomemos o ideal de igualdade de gênero, por exemplo. Nos anos 90, vários estudos demonstraram como as políticas e ajustes estruturais que o Banco Mundial recomendava aos países do Sul Global resultavam na destruição dos sistemas de seguridade social e dos meios de subsistência de suas populações aumentando os níveis de desigualdade afetando sobretudo as mulheres.

Foram décadas de críticas contundentes até que, finalmente, em 2001, o Banco Mundial adotou sua primeira estratégia de gênero. Depois disso, gradativamente, a questão de desigualdade de gênero e termos como empoderamento feminino passaram a ser mencionados nos documentos do Banco. Atualmente, esses termos passaram a ser obrigatórios em praticamente todos os projetos e planos do banco, pelo menos no papel. Mas, e daí? Mais de uma década de empoderamento prá lá e prá cá e, na prática, temos pouco (se algum) avanço no combate às desigualdades. Por quê?

Primeiro porque a forma como o Banco conceptualiza a desigualdade de gênero está alinhada à agenda neoliberal e tem um viés patriarcal, neocolonial, racista e extrativista. As mulheres são tratadas como um recurso a ser explorado, um investimento necessário para se alcançar um certo crescimento econômico, uma maior competitividade… Ou seja, o Banco insiste na visão patriarcal de separação entre atividades onde muitas mulheres, por não receberem uma renda monetária, não participariam da vida econômica. Não considera que a economia produtiva colapsaria sem o trabalho de cuidado e o trabalho dito reprodutivo. Os microempréstimos oferecidos forçam as mulheres a entrar nos circuitos financeiros via endividamento que, por sua vez, só tem como interesse a transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos.

Segundo, quase todos os indicadores propostos pelo Banco para a avaliação da inclusão das mulheres na sociedade/economia estão relacionados à inclusão das mulheres exclusivamente no mercado de trabalho. Não levam em consideração o fato que em muitos setores de trabalho a inserção de mulheres é acompanhada pela desvalorização desse trabalho, desse setor, dessa indústria. Além disso, uma maior participação  de mulheres no mercado de trabalho também costuma desestabilizar ou mesmo destruir outros meios de subsistência e redes comunitárias de apoio mútuo.

Terceiro, o Banco Mundial continua recomendando políticas macroeconômicas como o pagamento da dívida em detrimento de gastos sociais e a privatização dos serviços públicos que produzem consequências  negativas para as mulheres. Seus grandes projetos de mineração, produção de energia e monoculturas também causam grande destruição ambiental, destruição de comunidades e dos meios de subsistência. Dificilmente se encontrará que o empoderamento feminino do Banco Mundial defende os direitos reprodutivos ou inclui fatores que promovem a participação de mulheres na esfera política e estruturas de poder. É um empoderamento que, na melhor das hipóteses, temporariamente beneficia alguns indivíduos que (pobrezinhos) não sabem o que querem ou o que precisam e permanentemente beneficia aos donos do capital que (sortudos) sempre sabem o que querem e o que precisam.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepauta@jornalggn.com.br.

Redação

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