A importância da alteridade nas relações sociais e no combate ao racismo, por Bento Bravo e Cristiane Alves

A importância da alteridade nas relações sociais e no combate ao racismo

por Bento Bravo e Cristiane Alves

As sucessivas crises econômicas e a expansão da extrema direita no mundo têm amplificado o clamor por um purismo de raças.

A aversão pelo estrangeiro tem sido justificada pelo temor de extinção das tradições nacionais. A miscigenação se tornou o novo “Bicho Papão”.

Como resposta ao perigo que se traduz no outro, vemos crescer as ondas de intolerância, os ataques em diferentes graus de amplitude, não importando se o outro seja de qual gênero, religião, faixa etária ou inclinação político/partidária. O inimigo é o outro.

O racismo, por exemplo, afasta o diferente e privilegia os iguais, esteriliza a convivência educadora, sufoca as trocas de inteligências e conflitos, necessários à evolução de novos conhecimentos e estratégias de vivências.

Sob essa ótica há os que se solidarizam. Os que protestam e pregam a necessidade da empatia. Os que buscam olhar pela ótica de quem sofre. Os que se condoem.

Embora a empatia seja um bom exercício para a convivência, de nada vale apenas enquanto exercício inerte. Simplesmente porque a contaminação, por vezes é mágica.

Tanto ou mais importante que o exercício da empatia está o da compreensão da importância da alteridade.

Mikhail Bakhtin (1895/1975), um crítico literário, filósofo e linguista russo, foi um dos primeiros a se dar conta do papel e da força da alteridade. E usou ninguém menos do que Dostoiévski para reforçar sua teoria de que o que fez o grande escritor russo ser tão especial não foi apenas sua genialidade como escritor, mas sua capacidade de dar voz a seus múltiplos personagens; a polifonia. Não raro um autor dá voz a seus personagens a partir da dele própria; a pluralidade de vozes de Irmãos Karamazov diferenciou definitivamente Dostoiévski colocando-o na galeria dos grandes gênios da literatura mundial; foi o pai do conceito de alteridade tal qual o conhecemos hoje.

Por sua contribuição concluímos que homem é um ser social e a sociedade é um organismo vivo e pulsante que se beneficia mais com os microrganismos que pelos agentes antibióticos.

Mais relevante que se colocar no lugar do outro é a compreensão de que o outro contribui para a edificação do que somos como indivíduos. Pois é justamente o que distinguimos como alheio que nos  permite compreender quem somos.

Do ponto de vista psicossocial a diversidade é uma benção, visto que nos edifica pluralmente, nos estimula para além do monótono.

Segregar é estratégia higienista que contribui à extinção de espécies e saberes.

De que vale o exercício da troca de lugar se o único lugar é o meu?

De que valor é  a solidariedade pela dor do outro se nada fazemos para que o outro contribua para nossa edificação como indivíduos?

É importante questionarmos sempre que ouvirmos que alguém é empata ou tem falta de empatia. Fulano é empático porque sabe se colocar no lugar do outro e a partir disso impõe mais facilmente seu pensamento ou ele é empático, entende o outro, deixa-o falar e respeita e leva em conta sua opinião? Falta empatia porque falta compreensão do que de fato acontece ou porque apenas uma voz comanda o Grupo? O tal “trabalho em equipe”, tão estimado nos meios empresariais, reflete apenas a voz do líder ou existe, de fato, multiplicidade de vozes sendo ouvidas e respeitadas?

Porque esse é o papel do indivíduo. Pessoas que saibam lidar com o outro, dando-lhe voz e, mais importante, tendo respeito por quem a emite. E sem ela, teremos eternamente uma sociedade que finge solidariedade e compreensão. Exato reflexo do que ocorre no Brasil com o racismo. Temos aqui um arquétipo perfeito no atual presidente e seu fiel (e mudo) melhor amigo. O Negão do presidente rende a ele a qualidade do brasileiro com empatia, o que coloca o, convencionalmente, marginalizado ao alcance de sua vista benevolente. Mas tal benevolência serve mais a si que ao outro. Fosse altero lhe daria voz e vez, lhe permitiria ter personalidade e iniciativa. Portanto, não basta ter empatia se essa for inócua.

A luta homérica do negro no Brasil exige que se desenvolva empatia, porquanto nos humaniza, mas roga pela prática da alteridade pois que é a evolução da convivência rumo à isonomia.

 

Cristiane Alves

Cristiane Alves

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