Afinal, o que é o bolsonarismo?, por Thiago Antônio de Oliveira Sá

Afinal, o que é o bolsonarismo?

por Thiago Antônio de Oliveira Sá

Bolsonaro era um político irrelevante, desconhecido e sem base social. Uma conjuntura política particular, lavajatista, antipolítica e antissistema alçou-o à presidência. Hoje, contudo, não se pode negar que o bolsonarismo se estruturou como movimento.

Fundamentalmente conservador, o bolsonarismo se forma em torno de pautas morais e preconceitos arraigados. Por isso articula machistas, evangélicos, forças armadas e reacionários em geral. Autodenominam-se “cidadãos de bem”, tão íntegros e injustiçados quanto irreais. Seus objetivos são proibir o aborto e legalizar pena de morte, instaurar a ordem distribuindo armas, corrigir homossexualidade, esgarçar a laicidade do Estado, definir a configuração familiar legítima, regular a sexualidade alheia, enquadrar identidades de gênero…

Conforme se vê, o bolsonarismo é uma ideologia fundamentalmente moral, sem alicerces, agenda ou perspectivas políticas. Eleitores politicamente à deriva, mas, a fim de vingança, encontraram seu matador de aluguel para “limpar o país”, “de tudo isso que tá aí”. Elegeram alguém como eles, sem a mínima noção de como agir politicamente, sem qualquer projeto. Cujos ministros não têm ideia do que estão fazendo lá e, por isso, dedicam-se a guerras culturais ao invés de gerir suas pastas. Vide Weintraub e sucessor, Damares ou Ernesto (Paulo Guedes e Tereza Cristina, assim como o eleitorado liberal oportunista, embarcaram pelos negócios, pelos interesses do seu segmento [e não os dos seus ministérios]).

No bolsonarismo, compartilha-se uma visão de mundo dual, simplista. Dividem a população brasileira em dicotomias primárias e sobrepostas, das quais eles são o pólo positivo: o bem/o mal, sagrado/profano, de família/indecente, cidadão de bem/corrupto, certo/errado, patriota/comunista, heterossexual/pervertido, família/balbúrdia,  éticos/bandidos. Enfim, a velha lógica “nós/eles” que historicamente animou o fascismo, mobilizando ódios e medos.

O bolsonarismo tem estética própria e consiste numa combinação eclética: patriotismo cafona, militarismo beligerante, machismo ultrajado e fundamentalismo cristão. Os temas são sempre verde-e-amarelo, com imagens do presidente travestido de super-herói machão salvando seus eleitores em cenários apocalípticos. O que “consertará” o Brasil é Bíblia, fuzil e camisa da seleção.

O bolsonarista fiel implora por populismo barato, raso, e não por resultados objetivos. Para seus apoiadores fiéis, pouco importam as mortes pela negação da pandemia, a fuga de empresas multinacionais, o desemprego alarmante, a inflação mesmo num contexto de baixa demanda, o isolamento internacional ou as relações do presidente com milícias, nepotismo, lavagem de dinheiro e rachadinhas. O que lhes interessa mesmo são as mitagens, agressões a jornalistas e bravatas. O bolsonarista médio não entende nada de economia, meio ambiente, saúde pública ou política externa, e por isso ignora que será ele sua própria vítima. Pouco importa: bom mesmo é mandar jornalistas enfiar leites condensados, e não diminuir o número de mortes por Covid (ou dar explicações do superfaturamento deste produto). O céu é o cercadinho do Alvorada, e não o primeiro dia de trabalho no emprego novo. Piadinha de bicha vale mais do que articulação internacional com os BRICS para produção conjunta de vacina. Mais vale uma live cheia de palavrões do que uma proteção ambiental robusta. Para quem a aprovação do presidente se mede por baixarias, ele é bastante atuante.

Nem todo eleitor de Bolsonaro é bolsonarista, de fato. Para eleitores da direita liberal, ele era a alternativa no segundo turno. Mas estes, pragmáticos, nem sempre partilham dos princípios da comunidade. Vários inclusive se arrependeram ou têm vergonha do seu voto. O bolsonarista convicto tem orgulho.

Observar-se os trumpistas pode render pistas sobre o futuro dos bolsonaristas, posto que ambos grupos resultam da articulação de uma extrema direita populista digitalmente induzida. Discurso radical, fake news e incitação ao ódio por meio de conteúdo compartilhado de acordo com perfil de usuário, na internet. Assim, pós-derrota de Trump, cabe monitorar o que sucederá aos radicais organizados que apoiavam o ex-presidente americano. Daí teremos pistas se o bolsonarismo se firmará como força política ou se não passará de ressentidos amotinados.

Thiago Antônio de Oliveira Sá é sociólogo, professor e doutor em Sociologia.

Redação

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