Michel Aires
Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.
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Bolsonaro e o fim do Estado-Nação, por Michel Aires de Souza Dias

O fim do Estado-Nação é consequência do processo de globalização da economia que implementou as políticas neoliberais, colocando o Estado nas mãos das grandes corporações.

O fim do Estado-Nação é consequência do processo de globalização da economia que implementou as políticas neoliberais, colocando o Estado nas mãos das grandes corporações.

Bolsonaro e o fim do Estado-Nação

por Michel Aires de Souza Dias

Ao contrário do nacionalismo ideológico propagado por Bolsonaro, seu grande objetivo é a destruição do Estado-Nação. Desde o início de seu mandato vimos o fim do Ministério do Trabalho, a desregulamentação da economia, a desregulamentação das leis trabalhistas, o abandono das políticas de conteúdo nacional, a desnacionalização da Petrobrás, a submissão do país aos interesses norte-americanos, a implementação da política de privatizações, o fim das políticas sociais, a destruição da Amazônia para beneficiar atividades econômicas, a adoção de limites orçamentários às despesas públicas, etc. Como avaliou Bresser Pereira (2017), “no conjunto, são as ideias de nação e da solidariedade nacional que estão em jogo.” Para entender a crise social e política que vivemos hoje torna-se necessário compreender as condições sociais e históricas que a produziram.

O fim do Estado-Nação é consequência do processo de globalização da economia que implementou as políticas neoliberais, colocando o Estado nas mãos das grandes corporações. Para o pensador marxista David Harvey, em seu livro “A condição pós-moderna”, esse processo teve sua origem com a crise do capitalismo na década de 70, quando houve a diminuição das taxas de lucros decorrente do excesso de produção e esgotamento da acumulação fordista. As grandes indústrias na Europa, no Japão e EUA se viram com um excedente de produção, assim como fábricas e equipamentos ociosos num mercado cada vez mais competitivo. Era uma época de recessão e agravamento da inflação, ou seja, de estagnação da produção de bens e alta inflação de preços. Com isso, as grandes empresas começaram a buscar novos mercados para escoar suas mercadorias e buscar mão de obra barata em países subdesenvolvidos. Vários países da América Latina e da Ásia substituíram suas políticas de importação por grandes indústrias multinacionais, com grande demanda de mão de obra sem direitos trabalhistas. Foi a partir dessa época que a economia começou a se globalizar.

O sistema capitalista entrou em um novo ciclo de reestruturação do capital. Começou um período de racionalização e intensificação no controle do trabalho. As mudanças tecnológicas, a automação, a busca de novos produtos e novos mercados, as fusões de empresas, a busca de novos locais onde a mão de obra era barata tornaram-se indispensáveis para a sobrevivência das grandes corporações. Harvey (1993, p. 140) chamou essa nova reestruturação do capital de “acumulação flexível”. É flexível, pois, “se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”.

A reestruturação produtiva associou uso intensivo da tecnologia, terceirização e flexibilidade na produção. A terceirização eliminou setores da fábrica como ajudou a diminuir os trabalhadores e foi indispensável para reduzir custos numa época de crise. Impulsionou o surgimento do setor de serviços que abriu novas oportunidades para os pequenos negócios. A produção doméstica e o trabalho informal ganharam força e se tornaram centrais para a grande indústria. Com isso, começou-se a empregar trabalhadores “informais”, sem direitos trabalhistas, que prestam serviços em domicílio. Essa forma de contratação tornou-se comum para os imigrantes, como filipinos e vietnamitas em Los Angeles, Bolivianos em São Paulo e indianos em Londres. Como avaliou Harvey (1993, p. 143): “Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão de obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes de contrato mais flexíveis (…). Mais importante do que isso é a aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado.”

Apesar da reestruturação produtiva ter sido boa para as indústrias, ela foi devastadora para a classe trabalhadora. Em muitos países ela acabou com direitos trabalhistas, desregulamentou as relações de trabalho, aumentou o desemprego, fomentou o trabalho informal, fazendo surgir relações precárias de trabalho: como trabalho temporário, jornada parcial, terceirização, subcontratação, etc.   

A grande consequência da globalização da economia foi que os grandes conglomerados empresariais começaram a intervir nas políticas nacionais. Elas começam a financiar campanhas, partidos políticos, candidatos e parlamentares, com o objetivo de se apropriarem dos recursos, bens e serviços que estavam nas mãos do Estado. Com isso, a democracia representativa começou a entrar em crise e foi abalada em seus fundamentos. Os grandes trustes e o capital financeiro começaram a determinar as regras do jogo. O Estado passou a estar a serviço da lógica do capital. Houve uma cisão entre o poder e a política. O poder saiu das mãos dos políticos e passou para as mãos das grandes corporações. Os políticos passaram a ser meros coadjuvantes a serviço do capital. A partir desse momento o Estado-Nação começou a ser destruído e o neoliberalismo tornou-se o fundamento da política de Estado.       

No Brasil, nos anos governados pelo PT, o Estado soberano era modelo para toda América Latina. O Brasil estava despontando no mercado internacional fora do controle de Washington, estabelecendo relações econômicas com a África, Oriente Médio e com os seus vizinhos da América do Sul. Com isso, deixou de se integrar a Alca – Área de Livre Comércio das Américas e fortaleceu o Mercosul – Mercado Comum do Sul.  O Brasil também foi protagonista ao ajudar a integrar os países da América do Sul, por meio da criação da UNASUL – União das Nações Sul-Americanas, e criou o Banco dos BRICS, que se tornou uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial. O Estado era agente de promoção e justiça social. A população pobre tinha o amparo do Estado, que combatia a desigualdade e distribuía renda. Havia investimentos em saúde, educação, saneamento básico e cultura. O trabalhador era amparado pelas leis trabalhistas. As políticas sociais como Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida, Farmácia Popular, Mais-Médicos e Fome-Zero se tornaram referências para muitos países.   

Com o golpe de Estado, que culminou com a subida ao poder de Bolsonaro, houve a liquidação do pacto-social, colocando fim a constituição cidadã de 1988. A implementação das políticas neoliberais significou o abandono da responsabilidade social pelo Estado. Todas as políticas sociais de bem-estar foram reduzidas ou liquidadas. O Brasil começou a se alinhar com os EUA, sendo subjugada pelos interesses do grande capital transnacional. A grande prioridade do governo foram as privatizações das estatais e instituições do Estado, que se iniciou com a venda de ativos da Petrobras e dos campos do Pré-sal.  Foi anunciado ainda venda da Eletrobrás, dos Correios, Casa da Moeda, Telebras, CBTU, Dataprev, Serpo, assim como a venda de ativos dos grandes bancos públicos e instituições financeiras. Mas, o mais grave, foi o anúncio da privatização das águas e dos recursos hídricos. A água deixa de ser bem essencial para se tornar uma mercadoria. Para beneficiar os grandes empresários, o governo Bolsonaro também acabou com o Ministério do trabalho. Com isso, tornou-os livres da fiscalização e dos processos trabalhistas, possibilitando a contratação de trabalhadores precarizados e sem direitos trabalhistas. Houve ainda o fim da política de valorização do salário-mínimo, que cada vez mais tem diminuído o poder de compra da classe trabalhadora. Outra ação foi a reforma da previdência, que reduziu de forma drástica os valores das pensões e aposentadorias dos trabalhadores, ao mesmo tempo que aumentou o tempo de contribuição. Para conter os gastos públicos, foi feito o desmontes dos programas sociais como o Mais-Médicos, Minha Casa, Minha Vida e o Fome-Zero. Houve também o desmonte da estrutura de proteção de indígenas e quilombolas. O resultado disso foi o aumento da desigualdade entre ricos e pobres, assim como a volta da fome, do desemprego. Hoje, o Brasil vive uma crise sem precedentes, resultado das políticas neoliberais e do enfraquecimento da soberania nacional.

Referências

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos (2017). Manifesto do Projeto Brasil Nação. Disponível em < http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/manifesto/17.04.Por-um-Brasil-Nacao.pdf > Acesso em Abril de 2021.

HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993.


Michel Aires de Souza Dias – Doutorando em educação pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

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