COVID-19 e a filosofia política em Harry Potter, por Antonio Rodrigues do Nascimento

COVID-19 e a filosofia política em Harry Potter:

Comensais da Morte, Dementadores e os Trouxas

por Antonio Rodrigues do Nascimento

“Life imitates art far more than art imitates Life…””

(Oscar Wilde)

 Há algum tempo nota-se a inadequação, para fins de representação da essência do poder político contemporâneo e da verdadeira natureza de alguns de seus bizarros agentes, de metáforas bíblicas como o Leviatã (Hobbes, 1651) ou de sátiras inspiradas como as Viagens de Gulliver (Swift, 1726). Vivemos tempos estranhos em que a realidade sociopolítica parece ter sido tomada de assalto por seres sobrenaturais e bestas mágicas não relacionados dentre as 116 criaturas d’O Livro dos seres imaginários (Borges, 1967).

Neste tempo em que nos foi reservado viver, as alegorias mais úteis para revelar as ideias e objetivos que se escondem nas entrelinhas da retórica política mundial talvez sejam as personagens das aventuras de Harry Potter (J. J. Rowling) em O Prisioneiro de Azkaban (1999) e O Enigma do Príncipe (2005).

De fato, os pronunciamentos oficiais dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump sobre a pandemia do COVID-19 em tudo emulam o comportamento dos lacaios daquele cujo nome não deve ser dito. Ideias e ações de ambos os celerados são dignas dos membros mais eminentes dos Comensais da Morte, grupo de supremacistas brancos radicais empenhados em realizar objetivos malignos e impiedosos de seu mestre inominável em troca de poder e dinheiro, valores pelos quais deixaram-se escravizar.

Os comensais são auxiliados na execução de seus planos por um exécito de Dementadores, “não-seres das trevas” que se alimentam exclusivamente da felicidade humana e, por isso, provocam depressão, alucinações, desespero e, por fim, a morte causada pela sucção das almas das vítimas de sua má influência. O empenho pressuroso dessas criaturas abomináveis na missão COVID-19 permitiu que no Brasil fossem desmascarados dementadores que durante anos permaneceram dissimulados sob forma humana, a exemplo de Luciano Hang (Havan), Roberto Justus (O Aprendiz), Junior Durski (Madero) e Rubem Novaes (Banco do Brasil).

Os seres humanos comuns, conhecidos como Trouxas, terão muita sorte se conseguirem sobreviver à mais nova e genial trapaça daquele cujo nome não deve ser pronunciado: com ajuda dos comensais Steve Bannon e Olavo de Carvalho, o coisa-ruim passou a iludir e manipular centenas de milhares, senão milhões de trouxas, os quais se crêem imunes ao COVID-19 e alastram a pandemia, atraindo sofrimento e morte para si e para os seus.

A crise sanitária mundial permitiu que se desmentisse o combalido postulado da razão enquanto atributo inerente aos seres humanos. A razão mostrou-se rara e de pouca ou nenhuma serventia à resistência diante do mal. Ao contrário do que pensavam os platônicos, fora de muitas cavernas não havia luz alguma.

Já se sabe que o mestre das trevas e seus lacaios só poderão ser vencidos se confrontados com uma força que desconhecem, a exemplo da força da vontade de muitos trouxas de viverem, reproduzirem, garantirem a sobrevivência e a felicidade da espécie. Especula-se que talvez haja real possibilidade dessa força assumir proporções comunitárias suficientes para deter o mal. Na falta de termos novos e mais adequados para a designar a força que poderá salvar a todos, alguns trouxas a denominam  “amor”, outros preferem chamá-la “justa distribuição”.

A hipótese de que talvez seja tarde demais para salvação do mundo dos trouxas tal qual o conhecemos é real, contudo, enquanto existir alguma resistência humana aos delírios de ódio causados pela maldade, haverá esperança de conseguirmos evitar a completa destruição, pois, não aprendemos que se houvesse apenas dez justos em Sodoma a cidade toda teria sido poupada por amor a eles? (Genesis, 18:32)

 

Antonio Rodrigues do Nascimento

Pai da Maria Julia e do João  Antonio

Advogado e professor de direito. Autor de Futebol & relação de consumo (Manole, 2013)

Redação

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  • Não é só o Jair e o Trump.
    "O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, recomendou ao povo venezuelano um suposto antídoto para o coronavírus. Nesta quarta-feira, 25, o líder chavista usou sua conta no Twitter para indicar uma mistura de ervas como uma forma eficaz no combate ao vírus. A rede social apagou a mensagem momentos após a publicação."

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