Eleições municipais em São Paulo e resistência periférica, por Paula Nunes

Eleições municipais em São Paulo e resistência periférica

por Paula Nunes

Ontem foi publicado o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que nos trouxe um retrato das vítimas da violência letal no Brasil. Mais uma vez, os jovens negros estão entre aqueles que mais morrem no país: negros são 74,4% das vítimas de mortes violentas intencionais e, dentre o número total de vítimas, 51,6% tinha até 29 anos. A análise de forma isolada das vítimas letais de mortes decorrentes de intervenções policiais demonstra que 79,1% são negros e 74,3% são jovens até 29 anos.

Nesse cenário, causa ojeriza o fato de que recentemente, em debate eleitoral entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, o candidato do patriota, Arthur do Val, quando perguntado sobre política de educação para a cidade, declarou, de forma abertamente racista e elitista, que jovens da periferia não deveriam “perder tempo com aulas de pixo e break dance”.

Em regiões marcadas pela violência policial contra jovens negros, pela falta de acesso aos serviços de saúde, onde a média de mortes pela Covid-19 é 3.5 vezes maior que nos bairros centrais, de acordo com o Mapa da Desigualdade, as expressões culturais são formas de resistência, de auto-organização de jovens que se sustentam na arte como forma de gritar que vidas negras e periféricas importam e querem ter garantido o seu direito ao futuro.

Também não é de se estranhar que no plano de governo de Celso Russomanno sequer exista menção às palavras “racismo”, “negras” e “negros”. Em 2016, o candidato propôs que os moradores da periferia da cidade pagassem mais pelo transporte público do que os moradores das regiões centrais. Russomanno, que se reivindica o candidato de Bolsonaro, é conivente com um projeto genocida do governo que coloca corpos negros na mira das balas disparadas pelo Estado, do desemprego, da privatização do ensino, da fome e da falta de acesso à saúde.

Se ainda resta dúvida sobre como a lógica do racismo se inscreve nos espaços urbanos, basta caminhar por São Paulo. Na Avenida Paulista, os casarões dos senhores escravocratas cederam lugar a imponentes edifícios de fachada espelhada, dentro dos quais a burguesia paulistana toma as decisões sobre o futuro deste país e da população. Nos bairros ao redor é possível encontrar excelente atendimento médico e escolas particulares, acessar os maiores centros culturais do país e se exercitar em parques bem conservados.

Seguranças particulares, motoristas, faxineiras, entregadores, garis, garçons, manobristas fazem a vida no centro de São Paulo ser possível. Ao contrário de seus patrões, percorrem um longo caminho entre seu local de trabalho e suas casas. São nas periferias onde se encontra a maioria da população negra da cidade. Em bairros como Cidade Tiradentes e Jardim Ângela, os bairros mais negros de São Paulo, a realidade é outra: rede de água e esgoto precária, o tempo para acessar consultas médicas e outros serviços essenciais é longa e a Polícia Militar dedica seus batalhões mais violentos, postos à serviço da repressão dos próprios moradores, do baile funk, sob a justificativa do combate ao tráfico de drogas.

Um morador de Moema tem uma expectativa de vida 20 anos maior que um morador da Cidade Tiradentes. Raça é fator determinante em São Paulo. Dessa forma, não é possível pensar a cidade sem colocar a questão racial no centro do debate.

Sem uma política antirracista não haverá melhora na vida da maioria da população da cidade de São Paulo. Uma transformação na realidade da cidade apenas será possível se aqueles e aquelas que sustentam São Paulo estiveram no centro da política, reivindicando o direito a suas vidas.

Paula Nunes – advogada, especialista em Segurança Pública, ativista do movimento negro e cocandidata da Bancada Feminista do PSOL, candidatura coletiva à vereança em São Paulo

Redação

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