Em defesa de Marta Suplicy, por Wagner Iglecias

Em defesa de Marta Suplicy, por Wagner Iglecias

Marta Suplicy foi uma mulher pioneira. Usou de sua condição de bem-nascida para desempenhar um papel importante no TV Mulher, da Rede Globo, no comecinho dos anos 1980. Numa época em que o divórcio havia sido recém regulamentado no país e na qual o Brasil ia se desencaretando e deixando, pouco a pouco, de ser uma sociedade tão absurdamente machista e conservadora em termos morais, Marta estava lá, falando em orgasmo feminino na tevê. Fazia, talvez meio sem saber, uma dobradinha com milhares de mulheres pobres da periferia das grandes cidades, que se organizavam na luta por escola, creche, posto de saúde, moradia e transporte. E que se organizavam também contra a carestia, palavra em desuso hoje em dia. Dali para a militância no PT foram alguns anos, num caminho mais ou menos previsível, tanto por sua visão de mundo, cada vez mais politizada, quanto pela companhia do então marido Eduardo, estrela em ascensão no petismo paulista das décadas de 1980 e 1990.

Quase qualificada para o 2º. turno da eleição para governador de 1998, elegeu-se dois anos depois prefeita de São Paulo. E fez, sim, uma das melhores gestões que a cidade já conheceu. Acabou não conseguindo se reeleger, num estranho caso em que uma gestora teve altos índices de aprovação a sua administração mas amargou, ao mesmo tempo, níveis preocupantes de rejeição a sua figura pessoal. Muito bem lembrada na periferia por suas realizações, Marta elegeu-se senadora em 2010 e talvez tenha imaginado que seria uma espécie de candidata natural ao comando da cidade no pleito de 2012. Não foi. A opção de Lula foi Fernando Haddad e Marta voltou ao Senado, e de lá foi para o Ministério Dilma. Também não foi indicada candidata ao governo de SP pelo partido em 2014.

Há pouco retirou-se do governo, engrossando o coro oposicionista sobre corrupção, e ao que tudo indica está de malas prontas para sair do partido. Comenta-se na imprensa que estaria em negociação com o governador Alckmin, entre outros, para ser candidata à prefeitura em 2016. E acaba de desfiar toda a sua mágoa com o petismo em entrevista à revista Veja. Justamente esta, que lhe foi tão dura durante sua gestão como prefeita.

Sem espaço no partido, Marta equivoca-se ao dirigir tanta artilharia contra sua quase ex-legenda. Passa a impressão de estar saindo pela contrariedade em relação às candidaturas que pleiteou e não obteve. Mas equivoca-se ainda mais se realmente acha que poderá construir algo de positivo justamente na companhia de quem lhe abre as portas agora. A direita não brinca, e é provável que seu cálculo seja a de usar Marta para dividir os votos petistas na periferia de São Paulo. Em outras palavras, usar a “Martaxa” para derrotar o “Malddad”, apelidos dados a ambos por essa mesma direita. Que na sequencia poderá muito provavelmente descarta-la como um bagaço de laranja sem qualquer valor.

Sobre a questão de gênero, melhor nem aventurar-me em terreno tão espinhoso. Marta escorrega ao falar do papel de Dilma enquanto mulher a frente de um pais, e ao mesmo tempo amarga os comentários machistas de oposicionistas e futuros ex-aliados, que lhe tratam por “dona” e “madame”. Melhor lembrar da jovem Marta surpreendendo positivamente o país ao falar de sexualidade na tevê há três décadas atrás.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • Professor Wagner, ex-professor de meu filho,

    levando em consideração seu texto

    Penso:

    é?

    era?

    pode ser?

    seria? 

    teria sido?

    talvez fosse?

    sendo...

    Ser ou não ser esta é a questão.

  • Marta: uma psicóloga no hospício.

    A mesma Marta que ataca a "corrupção petista" é aquela que está no partido do "jatinho dos mil-laranjas" que caiu com o seu candidato a Presidente em Santos.

    Mas, para a direita, os muitos furos no seu roteiro manjado não importam. O que importa é tirar estes "vermelhos" do governo paulistano para implementar a mesma política de terra arrasada que praticam no Estado paulista e, indiretamente, em plano federal, com o "saco de maldades" de Eduardo Cunha e asseclas contra os jovens e trabalhadores.

    É uma psicóloga no hospicio, vitimada pela mesma esquizofrenia política da direita que agora abraça.

    Esta sua manobra desastrada terá grande espaço em sua biografia; deixando para trás a sua boa gestão na Prefeitura paulistana.

    Não tenho nenhuma pena dela por isto. 

  • Vai sair.

    Para as alas mais radicais ela já saiu pelas ações que vem realizando. Só falta assinar e encarar aquela sensação de que já vai tarde.

  • Nascimento, apogeu e decadência.

    1. A maneira como encerrar uma carreira política é uma decisão de cunho pessoal. 

    2. Ninguém nega o passado honrado, digno e virtuoso da Marta. Quem está negando é ela mesma.

    3. Há 10 anos, Marta teria sucesso junto à classe média de São Paulo. Hoje, jamais, basta visitar as páginas raivosas nas redes sociais. Vai cair do cavalo de bunda no chão. 

     

    • Fernando, não discordando de
      Fernando, não discordando de vc, mas eu sempre vi a Marta Suplicy como uma "tucana moderada", mas tucana, dentro do PT.

      Ela entrou no PT de carona com o Suplicy, nunca foi de esquerda por convicção, ou no caso, ela seria uma liberal e como não existem partidos liberais (ou liberal-sociais no Brasil) eles acabam se alojando em siglas como o PT, PSOL e cia.

      Eu só acho que finalmente ela está se declarando politicamente o que sempre foi. Os ataques ao PT se dão porque ela não tem uma visão de esquerda sobre a política.

      Eu sempre cito o exemplo de Prestes, que apoiou Vargas mesmo esse tendo enviado Olga Benario pra morte (e sua filha junto, que escapou). Ele mantinha firme suas convicções independente de discordar profundamente do adversário, coisa que a Marta e vários outros não o fazem e deveriam fazer politicamente.

      Quanto ao ponto 3 do que vc disse, precisa a descrição. A direita a odeia, ela pode renegar o PT pra sempre mas a imagem dela está tão associada ao partido que não convence esse público, e sem parte desse eleitorado ela não ganha coisa alguma.

  • Uma bela defesa

    Concordo com os pontos positivos de Martha na bela e cálida defesa de Iglecias. Mas, infelizmente, o estrago está feito, a imagem que ficou foi de uma senadora bem eleita (votei nela) que se deixou dominar pelo ressentimento pessoal, pela vaidade ferida e com lamentável ironia, saiu atacando Dilma e os outros. Mesmo que alguns de seus argumentos fossem corretos,a maneira e o momento em que foram expostos, em meio ao clima de linchamento da preidente que a nomeou ministro,  se encarregaram de detonar a bela imagem de Marta. Triste esse comportamento predatório e rancoroso nela, uma psicologa avançada. Ou que foi avançada.   

  • defesa de marta

    Aqui no interior usamos um ditado simples: Nunca se deve cuspir no prato em que comeu.

  • faz me rir

    Caro professor, note, o governo de Marta Suplicy na prefeitura foi dos mais pragmáticos e fez  política da forma mais tradicional possível. Assim, não faz o menor sentido ela agir como agiu, em suas palavras. : engrossando o coro oposicionista sobre corrupção

    Saisse do PT com dignidade, apontando o novo, como fez Marina Silva, aliás, não de forma oportunista e vil.

    Ano que vem faremos campanha contra a política ingrata e será mais uma ex-petista que irá para o ostracismo. Aliás, além Marina, Erundina e Cristovam Buarque que lamentaram estar em partidos como o que estão depois da votação da terceirização. Ou seja, ruim com o PT pior, muito pior sem ele.

    • "Saisse do PT com dignidade,

      "Saisse do PT com dignidade, apontando o novo, como fez Marina Silva, aliás, não de forma oportunista e vil."

      Nossa!!! Essa doeu!!!

  • D Marta

    Não há o que justificar. D Marta passa a ser D Morta e sua hipocrisía haverá de levá-la aonde merece: rejeição total.

    O seu comportamento é digno dos piores e mais odiosos politiqueiros que já apareceram nessa terra brasilis.

    Não prosperará seu jogo inescrupuloso, está condenada ao ostracismo com a pecha de traíra.

    Vade retro D Morta

  • Nunca votei em Marta, eu

    Nunca votei em Marta, eu votei na candidata do PT. Assim sendo, gostaria muito que ela devolvesse ao partido o que ainda lhe resta do mandato de senadora, ainda mais que está de malas prontas para um partido que serve à direita e tentará se tornar candidata "3ª via" a serviço desta direita para impedir a reeleição de Haddad. Lamentável. 

    • O mínimo que ela deve fazer...

      é devolver ao PT o mandato.  Mantê-lo significa ser além de rancorosa, estelionatária eleitoral.

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