Festa no Museu Lasar Segall, por Walnice Nogueira Galvão

Festa no Museu Lasar Segall

por Walnice Nogueira Galvão

Ninguém discorda que a revelação de 22 poemas inéditos de Oswald de Andrade, mais de meio século decorrido desde seu falecimento, é motivo de festa. Foi o que se verificou  num destes sábados, no Museu Lasar Segall.

A ocasião marcou o lançamento de uma nova edição das Poesias reunidas do autor, pela Companhia das Letras, acrescidas pela primeira vez do bloco de inéditos. O organizador do volume, a quem já devemos a edição das Obras Completas pela Globo  (1991-2004) em 22 volumes, é Jorge Schwarz, da USP, desta vez assessorado por Gênese de Andrade, da FAAP. Ambos são especialistas e devotados oswaldianos, já tendo contribuído para a maior glória desse autor com outros trabalhos.

A reunião, no auditório do Museu lotado e com gente em pé, obedeceu a uma pauta cuidadosamente preparada. Primeiro, Jorge Schwarz fez o histórico das edições da obra de Oswald, mostrando em Power Point sua concepção. Assim ficamos sabendo que cada volume apresenta uma Fortuna Crítica, entre estudos já clássicos e outros novos especialmente encomendados.  No presente caso, sobressai uma carta de Carlos Drummond de Andrade, estampada pelo bibliófilo Pedro Corrêa do Lago em livro que apresenta sua coleção de manuscritos raros. É de Drummond a arguta observação de que, no Cântico dos cânticos para flauta e violão, Oswald acaba por ressuscitar o poema de amor que ele próprio ajudara a destruir.

As capas e contracapas, que vimos projetadas na tela, trazem preciosas ilustrações, com desenhos da autoria de Tarsila do Amaral, ou do próprio Oswald que, homem dos mil instrumentos, também experimentava a mão.  Uma raridade é a resgate de desenhos de Lasar Segall, esboçando retratos do poeta e de sua amada Maria Antonieta d´Alkmin, alvo do mencionado epitalâmio, o Cântico. Os desenhos tinham ilustrado a publicação desse conjunto e depois ficaram na gaveta. A quarta capa do volume que estamos examinando traz mais um de Segall, um bonus ao leitor, que ornou a capa da edição de 1945 das Poesias reunidas. O livro abre com uma bela foto em close do rosto de Oswald, clicada pelo arquiteto Gregori Warchavchik  – autor da residência de Lasar Segall, que ostenta o título de ser uma das primeiras casas modernistas do Brasil, hoje transformada em museu de sua obra. Traz ainda abundantes notas e uma minuciosa cronologia.

Completou o evento uma sessão de leitura de poemas, em duas partes. Primeiro, exibiu-se um vídeo, em que Adriana Calcanhoto, seguida por Arrigo Barnabé e por Chacal, declamaram alguns deles. Depois, Arnaldo Antunes ocupou o palco e interpretou ainda outros. Tanto os do vídeo quando aqueles ao vivo foram aplaudidos com calor.

Terminados os trabalhos no auditório, os presentes foram brindados com um coquetel no jardim do Museu, onde foram servidos vinho branco e salgadinhos. O clima de festa persistiu e até aumentou, nessa bem-vinda celebração. Confraternizavam estudiosos, críticos, poetas, amigos da casa, fãs de Oswald, e a filha do poeta, Marília de Andrade, ali presente e foco das homenagens endereçadas a seu pai.

Para se ter uma ideia do interesse destes inéditos, aqui vai um exemplar da pena ácida de Oswald:

Sabina, Fábio e Marcela

Deram-me os três para eu brincar.

Eram negrinhos e filhos da cozinheira.

A poesia de Oswald, esplêndida e certeira, teve papel relevante na liberação da ganga passadista da lírica brasileira. Atirando de todos os ângulos contra os academicismos, o parnasianismo, o simbolismo e outros ismos que a atravancavam, contribuiu decisivamente para sua depuração, detonando fronteiras e limitações. Seus poemas são contundentes, minimalistas e originais. Não hesitava ante o coloquial e o inusitado, que perseguiu com afã.

Foi poeta por surtos e bastante parco, pois mesmo um volume como este que reúne absolutamente tudo mal chega a duzentas páginas. Comparada com seus sete romances, as peças de teatro e o jornalismo, a poesia faz figura de filigrana: tão escassa quanto refinada.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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