Destruída a política resta a anarquia… militar, por Sergio Saraiva

Ocorre que, desde 2018, o advento Bolsonaro trouxe Gaspari de volta aos artigos sobre militares, política e indisciplina.

Destruída a política resta a anarquia… militar, por Sergio Saraiva

Bolsonaro semeia a anarquia militar?

Elio Gaspari é um especialista no estudo da anarquia militar que se instala no Brasil todas as vezes que generais entram na política, substituindo os próprios políticos. Escreveu cinco livros sobre o assunto. Livros que tratavam da Ditadura de 64.

O tema perdeu interesse por 30 anos – a partir 1985, inclusive durante todo a era petista, militares e política não deram manchete de jornal.

Ocorre que, desde 2018, o advento Bolsonaro trouxe Gaspari de volta aos artigos sobre militares, política e indisciplina.

Escreveu três artigos: em setembro de 2018, com Bolsonaro candidato a presidente; em janeiro de 2019, com Bolsonaro assumindo o governo; e em maio de 2020 – Bolsonaro está há mais de ano no poder; mas como disse seu vice, o general Mourão: não se sabe quem está no controle.

Retalhei os três artigos e misturei-os no cadinho do demônio – saí com um quarto artigo que apresento abaixo. Para quem esperava um Frankenstein remendado, surgiu um texto coerente do começo ao fim – principalmente quanto a conclusão. Conservei o título do artigo mais recente de Gaspari, mas ouso discordar do mestre – Bolsonaro pode até ter sido conveniente aos que realmente promovem a indisciplina militar, mas não foi sua causa.

Bolsonaro semeia a anarquia militar

“Levado ao Planalto por um sentimento antipetista, Bolsonaro flerta com a anarquia militar.

Nos últimos 50 anos, o Brasil teve dois tipos de chefes militares no Exército: aqueles de quem se sabia o nome e aqueles de quem não se sabia. 

No segundo grupo, vieram dois chefes que comandaram a força por 13 anos. Deles não se fala e eles também não falam.

Agora começa-se a aprender nome de generais. Mau sinal. Quando se sabe o nome de generais, algo estranho está acontecendo.

O general tal acha isso, o general qual acha aquilo. Chefe militar acha, mas não fala. Ninguém ouviu uma só palavra do general Enzo Peri, que comandou o Exército de 2007 a 2015.

A eleição de Jair Bolsonaro propagou o vírus da anarquia militar. Aqui e ali ouve-se falar em “núcleo militar” influindo no governo e “desconforto” fora dele.

O fato da vida é que, para se impedir a eleição de um candidato do PT, levou-se ao Planalto um capitão que no Exército conheceu melhor as sendas da indisciplina do que as normas da corporação.

Na crise que Bolsonaro incentiva, misturam-se ingredientes tóxicos. O primeiro deles é a influência de sua família no governo.

O segundo vem a ser o “núcleo militar” formado no Planalto. O terceiro é a simpatia de Bolsonaro pela opinião de sargentos e suboficiais e o expresso apoio dado a policiais militares amotinados.

A ele se junta uma militância parruda e agressiva.

Por maior que seja a confusão existente, quando se chamam os militares para botar ordem no circo, cria-se outra confusão, que nem eles são capazes de prever.

Tende-se acreditar que a entrada dos militares na cena política é um remédio de última instância. Não é.

Quando os militares ocupam a cena, acaba uma confusão e começa outra, a da anarquia militar”. 

Ensinado padre-nosso a vigário

Bolsonaro semeia a anarquia militar?

Creio que Gaspari dá um nome e um rosto ao problema, mas a questão é mais profunda.

Bolsonaro não é consequência de si mesmo. Quanto mais seria a causa da anarquia militar. Essa antecede a ele.

Recordemos a piada de caserna do general Mourão: tudo sob controle, só não se sabe de quem. Essa frase é chave para entendermos a volta dos militares à política e a consequente volta da indisciplina militar dela resultante.

Bolsonaro não está no controle, os militares que subiram a rampa não estão no controle; instalou-se a anarquia porque destruiu-se a política e tentou-se substituí-la mais uma vez pela “ordem unida dos quartéis” que não raro não existe nem nos quartés, veja-se a história do próprio Bolsonaro.

Gaspari percebeu isso. Conhece essa história de outros carnavais.

Mas a indisciplina militar começa ainda no governo Temer, em 2017 já dava claros sinais de que se instalara, pelo menos no Exército; bem antes, portanto, da campanha eleitoral que levaria Bolsonaro ao poder. E ainda essa que talvez essa lhe seja complementar, não é sua causa.

Em 2018, vivíamos o auge de um trabalho de destruição sistemática da política. Um ex-presidente estava preso por meio de uma chicana jurídica, uma presidente havia sido apeada do poder por um golpe institucional do Congresso e, no seu lugar, um escroque foi colocado na presidência da República.

No dia 3 de abril de 2018, um tweet do general Villas Bôas – o comandante do exército – intimidou o Supremo Tribunal Federal que julgava habeas corpus a favor de Lula. O militares haviam superado sua divisão e se unido na intenção de tutelar o estraçalhado poder civil que ainda restava. Bolsonaro pode até ter sido conveniente, mas não necessariamente estava inicialmente nos planos.

Com os três poderes enlameados de conspiração, não havia mais crença no poder político, o STF baixou a cabeça para o general.

Tudo mais deriva daí, inclusive a anarquia militar e Bolsonaro.

PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia – em algum lugar sempre em frente e à esquerda.

Redação

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