Sou obstetra há 30 anos e tenho um compromisso inabalável com a vida. Na minha interpretação, a razão de ser de um ato sexual é seu livre exercício entre pessoas capazes de compreendê-lo. Qualquer modalidade de sexo com alguém mentalmente incapaz, sem maturidade ou contra sua vontade é estupro. E eu não tenho nenhum compromisso ético ou profissional com atos de estupro.
A lei brasileira está do meu lado. No artigo 128, inciso II do Código Penal lê-se: “Não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”
Ainda no artigo 217-A do CP fica claramente tipificado que relação sexual com menor de 14 anos é ESTUPRO DE VULNERÁVEL: ”Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.”
Por fim, não há mais no Brasil a exigência da apresentação de Boletim de Ocorrência como condição para a assistência médica em causa de aborto por estupro. Estes registros policiais acabam por causar na mulher um novo e inaceitável constrangimento, que, na prática, pode afastá-la do serviço público, negligenciando a violência sexual sofrida e gerando alto ônus físico e mental para a vítima.
Tenho muito nojo da parte de nossa sociedade que aponta seus dedos inclementes contra uma menina de dez anos estuprada por um familiar. Jogam nas costas dela o peso de um ato de violência extrema na sua infância. Isto é a expressão suprema do machismo e patriarcalismo vigentes no Brasil, da falta de misericórdia, de empatia pela dor alheia e de misericórdia.
Estes que assim julgam a menina não sabem dos efeitos de uma gestação de alto risco numa criança. Das complicações orgânicas e psíquicas. Da imaturidade óssea. Do parto que muito provavelmente será uma cesariana que poderá lhe comprometer o futuro reprodutivo. Estes monstros escondidos atrás da hipocrisia cristã são a negação de qualquer preceito ensinado pelo mestre Jesus Cristo.
Tivesse este caso chegado a mim, daria sequência ao processo de abortamento, sem nenhum drama ético ou moral. Tenho certeza de que inúmeros colegas de especialidade também fariam o mesmo.
Não há imputação de crime a vítimas de estupro e seus médicos assistentes. E não há nada de cristão em se culpabilizar e constranger as vítimas de um crime tão hediondo e horroroso.
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