O amor nos tempos do coronavírus… Ou a morte nos tempos do coronavírus, por Rita Almeida

O amor nos tempos do coronavírus… Ou a morte nos tempos do coronavírus

por Rita Almeida

A questão da morte é um tema muito presente no consultório dos psicólogos e psicanalistas. Os analisandos falam muito do medo da morte, mas vou ousar afirmar que eles falam muito mais sobre uma certa aposta na morte, como uma das saídas possíveis para escapar das angústias da vida. A morte como uma espécie de abertura para uma outra vida, não necessariamente transcendente.

Minha experiência como analista me ensinou que, na imensa maioria das vezes, quando as pessoas falam sobre o desejo de morrer ou do impulso para a morte, elas não estão falando necessariamente em suicídio. O que elas estão dizendo é que, de algum modo aparentemente contraditório, só é suportável viver e passar por determinadas situações em vida, se tivermos como horizonte a possibilidade da morte, inclusive a de dar fim a ela, mesmo que a maioria das pessoas nunca chegue a tal ponto.

Com isso, aprendi a escutar com mais tranquilidade o tema do desejo pela morte, sem a todo momento identificar suicidas em potencial. Ou, dito de outro modo, entender que, em última análise, todos somos suicidas em potencial, simplesmente porque a vida contém em si a morte.

Nesses tempos de pandemia por Covid-19, a questão da morte se faz extremamente próxima e presente, e dessa vez como uma experiência do real. Deixa de ser uma promessa, uma saída idealizada ou fantasiada, para ser uma realidade, e, nesse caso, uma realidade compartilhada por todos, em termos planetários.

Mas, diante do real que invadiu nosso cotidiano nos últimos dias, é interessante perceber como muitos analisandos vêm ressignificando a posição diante da própria finitude. Como se a possibilidade real de experimentar a morte – a própria ou a de um outro próximo – os tivesse levado a apostar na vida de um modo novo, a lutar por ela e a compreender que, no final das contas, desejam viver. Que talvez o que não desejavam ou desejam mais, é a vida que vinham ou vem vivendo.

Diante da morte, e de uma política que parece apostar na morte, tenho escutado no meu consultório (apenas virtual, para cumprir o isolamento social) afirmação da vida e desejo de viver. Mesmo que venham com modos obsessivos e neuróticos de cuidar de si e dos seus, é pulsão de vida, o que eu vejo.

Por outro lado, temos visto vários discursos e manifestações que negam a pandemia e seus riscos. Entendo que também não deixa de ser uma tentativa de apostar na vida, só que um modo débil, delirante e equivocado; negando a morte. E é exatamente essa forma de lidar com o real do Covid-19 – pela rejeição da nossa limitação e finitude – que mais nos coloca em risco de morte. Ou seja, muito pior do que pensar na morte como saída possível para a vida, é negar que ela exista. Desdenhar da morte é se deixar arrastar por ela. Não acredito que seja necessário ter medo da morte, mas é preciso sim, ter respeito e cuidado ao lidar com ela.

O verdadeiro suicida não é aquele que pensa na morte, mas aquele que a nega.

Admitir, assumir a morte como destino é a única via possível para quem deseja viver.

Rita Almeida

Redação

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