O que o Bolsoplanismo fez a gente entender é que o discurso que o sustenta já estava aí. Bolsonaro apenas abriu a tampa do bueiro e fez algumas pessoas terem coragem para dizer ou fazer o que estava submerso, velado. “Então não é melhor agora que as pessoas possam dizer o que realmente pensam para que nossa chaga machista, homofóbica, escravagista, violenta, misógina e fundamentalista seja tratada?” – vocês poderiam perguntar.
A princípio sim, eu diria. Sim, porque poderemos, desse modo, trabalhar nossos conflitos e contradições. E a democracia sempre ganha, quando o diálogo e o debate estão na ordem do dia. Por isso, não é de hoje que teço críticas ao “lugar de fala” e a “linguagem politicamente correta”, pois são práticas que interditam a fala antes que ela aconteça, e isso só produz recalcamento. O sujeito pára de falar apenas porque foi interditado, mas continua funcionando do mesmo modo e agora, sem um lugar onde possa tratar disso. E não é necessário ser psicanalista para entender o que acontece com o que foi recalcado sem ser simbolizado – com a linguagem, com a cultura, com a arte, com a política – ele retorna, e retorna como sintoma ou como passagem ao ato. O Bolsoplanismo é o nosso “retorno no recalcado”, e se não soubermos tratar disso pela via simbólica, vai nos restar passar ao ato.
Mas eu tenho uma reserva ao meu sim, sobre essa oportunidade do Bolsoplanismo. É que muitas das pessoas que aderiram a tal discurso (dizem que cerca de 20%), aderiram a ele movidas por um ato de fé. E o problema da fé é que ela não está aberta ao diálogo. Quanto mais você questiona um crente, mais ele vai precisar reforçar sua fé. Quando se diz que “a fé remove montanhas” é verdade. Se você acreditar que uma montanha mudou de lugar pela sua vontade, nada o fará mudar de ideia. A fé não é dialógica, a fé não pode duvidar, por isso, quando ela se liga a política, faz um estrago enorme. O discurso político é o reverso do discurso da crença – são excludentes. Não por acaso Bolsonaro precisa do “Deus acima de todos” para se autorizar.
Por isso, haverá sim, eu penso hoje, um limite para o diálogo com uma parte da população. Para alguns só funcionará o recalque simples, do tipo: “você pode pensar o que quiser, mas não pode vomitar seu machismo por aí sem consequências”. Mas o problema é que o lider maior da Nação vomita machismo sem consequências, e também, homofobia, racismo, violência, misoginia e tudo isso que nosso processo civilizatório foi tratando ou recalcando ao longo do tempo. Nosso presidente não só desvela o “sintoma brasileiro”, como o exibe como se fosse um feito estético, e o pior, ainda goza com ele – tal como faz o perverso.
Resumindo, uma parte das nossas mazelas poderão ser tratadas por meio do simbólico – debate, política, ciência, educação, arte, diálogo, todas as armas serão necessárias. Mas outra parte, infelizmente, dependerá da queda de Bolsonaro para voltar para o esgoto, de onde nunca deveria ter saído.
Rita Almeida
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Boa tarde, Rita.
Gostei da sua abordagem corajosa. Penso de forma semelhante, mas sinto falta de fundamentação.
Gostaria de recomendações de leitura sobre esta frase:
Por isso, não é de hoje que teço críticas ao “lugar de fala” e a “linguagem politicamente correta”.
Faz tempo que venho tentando buscar formas de entender como estes dois termos favorecem pessoas empoderadas pelo Bolsonaro.
elo texto, Rita. A implicação da psicanálise como ferramenta para pensar a política nos acontecimento nessa época, do 'populismo de direita' é indispensável. Afinal a partir da teoria crítica freudo-marxista e da retomada de Althusser nas contribuições de Freud-Lacan soltou as amarras de uma Psicanálise presa ao conservadorismo até então vigente, sob a influência da psicanálise inglesa. A ciência política, com seu funcionalismo americano oriundo do positivismo que matou a sociologia política não dá conta da tarefa de explicar, nem tampouco possibilita reagir(grifei) ao que se apresenta historicamente a nós. As formas de violência de um paranoico ( para alguns um perverso), na política, podem gerar passagens ao ato, gerando identidades diferenciais para representar o espaço comunitário, ou seja, um sistema com "significantes vazios" (Laclau).