O contexto maior, por Luís Fernando Veríssimo

de O Globo

Coluna do Veríssimo

O contexto maior, por Luís Fernando Veríssimo

Mais do que em qualquer outro confronto, na luta pela Petrobras, e por tudo que ela simboliza além da exploração de uma riqueza, se definem os lados com nitidez

Recomenda-se a desiludidos com a atualidade em geral e com o PT em particular a procurar refugio no contexto maior. O contexto maior não absolve, exatamente, o contexto imediato, a triste realidade de revelações e escândalos de todos os dias, mas consola. Nossa inspiração deve ser o historiador francês Fernand Braudel, que — principalmente no seu monumental estudo sobre as civilizações do Mediterraneo — ensinou que, para se entender a Historia, é preciso concentrar-se no que ele chamava de la longue durée, que é outro nome para o contexto maior. Braudel partia do particular e do individual para o social e daí para o nacional e o generacional, se é que existe a palavra, e na sua história da região, o indivíduo e seu cotidiano eram reduzidos a “poeira” (palavra dele também, que incluía até papas e reis) em contraste com a longue durée, o longo prazo da história verdadeira. Assim na sua obra se encontram as minúcias da vida diária nos países do Mediterrâneo mas compreendidas sub specie aeternitatis, do ponto de vista da eternidade, que é o contexto maior pedante.

Do ponto de vista da eternidade nada do que está sendo revelado, em capítulos diários, sobre o propinato na Petrobras e os partidos políticos que beneficiou deixa de ser grave, mas é impossível não ver o cerco à estatal do petróleo no contexto maior da velha guerra pelo seu controle, que já dura quase 70 anos, desde que a Petrobras venceu a primeira batalha, a que lhe permitiu simplesmente existir, quando diziam que nunca se encontraria petróleo no Brasil. Mais do que em qualquer outra frente de confronto entre conservadores e progressistas e direita e esquerda no Brasil, na luta pela Petrobras, e por tudo que ela simboliza além da exploração de uma riqueza nacional, se definem os lados com nitidez. A punição dos responsáveis pelos desvios que enfraqueceram a estatal deve ser exemplar e todos os partidos beneficiados que se expliquem como puderem, mas que se pense sempre no contexto maior, no qual a sobrevivência da estatal como estatal, purgada pelo escândalo, é vital.

Fernand Braudel viveu e lecionou no Brasil. Não conheço nenhum texto dele sobre sua experiência brasileira. Seria interessante saber como ele descreveria, ou preveria, hoje, a longue durée da nossa História. O que significaria, na sua avaliação, o longo dia no poder do PT? O contexto maior tudo perdoaria ou tudo justificaria? Enfim, o contexto maior de todos é o Universo, que, no fim, engole todos os significados. O que também não é um consolo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • Não sei se por mera

    Não sei se por mera coincidência, mas entre todas as pessoas que conheço, as mais preocupadas com a "corrupção na Petrobras" são justamente as que jamais alcançariam a nota maxima num concurso de etica e honestidade.

    Incomodado por tanta hipocrisia, procurei uma solução para me proteger desse discurso recorrente e repetitivo.

    A pessoa começa e eu ja vou logo perguntando se sua "indignação" foi igual quando tentaram mudar o nome da estatal para Petrobrax.

     

    • Ou quando venderam 180

      Ou quando venderam 180 milhões de ações na bolsa de nova iorque. Ou quando fizeram uma privatização branca da petrobras, com a alteração da lei de monopólio estatal do pretróleo.

  • Uma coisa é surgir no Brasil

    Uma coisa é surgir no Brasil uma investigação policial contra criminosos envolvidos dentro e fora da maior e mais necessária Empresa do nosso país, que desde seu início sofre para se pôr em pé, embora se destacando ao longo da História por seus inúmeros feitos. A outra, é o MP do Paraná, sob a batuta de um único procurador, sentindo-se dono da verdade, conduzir esse processo, no seu estado de origem, quando, em realidade, pelas delações premiadas, os "n" nomes arrolados pelos bandidos, estão dispersos pelo Brasil afora. Por que os incriminados de SP, do RJ, de MG, por exemplo, tem que seguir para o Sul se em todos os estados existem MP's, com procuradores capazes para tomar esses depoimentos? Ao contrário do que seria normal a cada dia u ou alguns tem que sair de algum recanto do Brasil pra viajarem, pra cumprirem as ordens de Sérgio Moro, como se tivesse mesmo que ser tudo um espetáculo. Lembrando aquela palhaçada de JB, que no dia 15 de Novembro, deslocou condenados, algemados, em aviões brasileiros para a Papuda. O que foi aquilo, senão um teatro dramático? Depois daquele julgamento do mensalão os juízes passaram "a se achar". Querem aparecer a qualquer custo. E, pior que isso, tomam decisões autoritárias, de preferência as mais truculentas, daquelas que fazem sangue correr, como nas ditaduras, porque é assim que eles querem ser vistos pela imprensa maldita, que tem por princípio fazer escorrer mais veneno para um público incauto, sem meios para discernir o joio do trigo ou porque simplesmente detestam uma sigla partidária e engolem qualquer coisa que seus eleitos disserem, tomados pela força do ódio, da frustação da derrota nas urnas.

    Dilma diz que a Petrobrás é maior que qualquer escândalo, e que dela devemos manter o orgulho de sempre. Claro está que dois diretores bandidos da empresa não podem ser causa para o desmonte de uma das maiores petroleiras do mundo, com um número imenso de funcionários concursados, técnicos exelentes, incluindo os dois diretores-bandidos, que preferiram o caminho mais fácil para se tornarem bilionários com suas trapaças. 

    No mesmo sentido, pensa-se no que será a Petrobrás, que por meio de licitação, ditadas por decreto de FHC, vem de há muito contando com os serviços das maiores empreiteiras, quase todas agora arroladas no processo da Operação Lava a Jato. As obras foram inciadas, e estão à mostra por todo o Brasil, muitas delas hoje paralisadas em razão dos escâdalos. Já se fala em contratar empresas estrangeiras para tomarem lugar daquelas. Não vem o caos que isso acarretaria em um grau muitas vezes maior do que estmaos assitindo. Quantos brasileiros, que já estão com os dias contados para serem demitidos, e quantos mais serão com a entrada de estrangeiros? O que sobrarão dessas empresas se a conduta do MP nã tiver o sentimento necessário pra enxergar os interesses do povo trabalhador e do Brasil. 

    Infelizmente a oposição, que governou o Brasil, pretendendo vender a Petrobrás com argumentos pífios, como fez com a Vale, sente-se confortável com esses escâdalos, em especial por estar o PT diuturnamente nas manchetes como o principal partido envolvido nas maracutaias, ao lado de Veja e da Globo, dará o máximo de si, para, ao fim e ao cabo, a Petrobrás venha a ser a Petrobrax. 

  • Veríssimo sempre lúcido

    Veríssimo é uma ilha de lucidez no PIG. Como escritor no PIG (e não do PIG), é claro que ele precisa escolher bem suas palavras. Mas é fato notório que ele deu um belo tapa com luvas de pelica na cara de seus patrões e de seus colegas colunistas. É fato também, que muitos setores progressistas estão sim insatisfeitos com o atual governo, vide os textos da blogosfera. 

    A Petrobrás é o maior paradigma da independência brasileira. Um país-continente como o nosso precisa ser independente. Somos, ou poderíamos ser, auto-suficientes em praticamente tudo. Por que não lutarmos por isso? A bandeira do nacionalismo precisa ser reerguida, precisamos nos unir em prol de uma visão nacionalista, defendendo nossas riquezas, desses que dizem nos defender, mas que, na verdade defendem os interesses transnacionais, o capital especulativo, que, como praga de gafanhotos, devoram populacões inteiras e deixam para trás somente a terra arrasada.

  • Contexto

    Verrisimo, deixa a pensar que anda contaminado pela velha imprensa brasileira. Parece também contaminado pelo pensamento médio de justiçamento vingativo que assola por esses tempos a terra brasilis. Tempos em que o PT esta no poder. A sua demanda de que todos os partidos benefeciados se expliquem é inocua. Ele sabe, nos sabemos, ha sempre uma maneira de legitimar uma injustiça. Todos os partidos não são iguais em tratamento pelo proprio jornal, onde assina suas colunas. Um grupo de Comunicação sem escrupulos, o qual interferiu nos governos democraticos, dando sustentação e articulando golpes, entre outros mal feitos. O mesmo jornal que era contra a criação da Petrobras, e depois obrou para que a Petrobras fosse criada num consorcio com americanos. Quando fala em "longo dia no poder do PT", o que dizer dos longos anos do patronato no poder ? Não veio dai, toda a corrupção agora "descoberta"? Esse é o contexto maior, essa é - por hora - la longue duréé em nossa historia.

    E de toda forma, a ironia de Verissimo, nesse contexto, fica prejudica pelo conjunto da Opera. 

    • Minha querida, leia de

      Minha querida, leia de novo!

      Pior que a direita virulenta é a esquerda obtusa e/ou a esquerda aparente (a que se afirma esquerda por uma questão de modismo e afirmação intelectual , aquela onde pontifica a Dona Marta, e que, até inconscientemente, constroi a própria derrota, já que no fundo, quer que tudo continue como está, para manter intocados seus privilégios que seu discurso cuidadosamente oculta).

    • Alto lá !

      Vamos separar Luís Fernando Veríssimo dos veículos da Imprensa Velhaca para os quais ele é muito bem pago para escrever, sem limitações, porque atrai muitos leitores.

      Se os caras pagam para ele escrever o que quiser e , no caso, defender a Petrobrás, ele não tem que ficar se culpabilizando por exercer o seu ofício neste ou naquele veículo de comunicação, nem sequer, dar satisfação a patrulhamentos.

      • Alto ca!

        Não quis patrulhar o Verissimo (de quem gosto), mas lembrar que esse novo moralismo, essa vontade de atacar a corrupção (quem é contra?), so esta acontecendo agora, neste contexto politico. E se é para contextualizar, vamos contextualizar também os Meios e suas finalidades. 

  • E quando bem lá na frente nos

    E quando bem lá na frente nos debruçarmos sobre a história do período que estamos vivendo sobrarão bem poucos nomes de intelectualidade brasileira que se insurgiram contra a infâmia e a indecência  . Luiz Fernando Veríssimo é um deles.

  • Ainda é cedo, pois estamos

    Ainda é cedo, pois estamos apenas no terceiro comentário, mas

     a Maria Luisa saiu na frente e deve dar o contraponto fortissimo

    ao texto do grande Veríssimo.

  • Creio que a única coisa que
    Creio que a única coisa que faltou ao Veríssimo, foi incluir no "longue durre" brasileiro a velhíssima mania da direita de usar um suposto combate à corrupção para derrubar governos trabalhistas

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