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Ok, Israel. Até 5,99 milhões de mortos não é holocausto, por Armando Coelho Neto

Por Armando Coelho Neto

Antes de mais nada, a irrestrita solidariedade ao povo judeu como um todo, aos reféns do Hamas, aos parentes, amigos e todos que sofrem com a tragédia do fatídico 7 de outubro passado. Em tempos de leituras torpes, enviesadas, reações desproporcionais e desconectadas da realidade, enaltecer o povo judeu do mundo é medida inexorável. Meus amigos judeus sabem de meu respeito pela sua origem.

Tempos estranhos conduzidos pela mídia vira-lata, a qual parece precisar de um holocausto para chamar de seu. Lula está apanhando não pelo que diz, mas pelo simples fato de estar falando. Levaria uma surra se concordasse com a matança em Gaza, seria sabujo se não falasse de paz, levaria porrada se ficasse calado. Holocausto, holocausto, holocausto. Ouso empregar a palavra proibida.

Dei uma espiadinha em dicionários na internet. No Dicionário Etimológico, holocausto significa pessoa ou animal dado em sacrifício aos deuses. A diferença entre o holocausto e as outras ofertas, dizem as notinhas da net, é que na oferta queimada, o animal inteiro era queimado sobre o altar, simbolizando total dedicação ou submissão a Deus. Parte da carne ficava para Deus e a outra para o sacerdote.

Também consta que holocausto seria submeter alguém à expiação, e ao longo dos tempos, ganhou sentido figurado, até para expressões “holocausto nuclear”, ou tragédias como no satírico filme “Não olhe para cima”, na qual a desgraça é iminente mas acaba virando deboche por parte da grande mídia, que dá à tragédia o sentido que bem entende. Nem sei por que lembrei da TV Globo e Faixa de Gaza…

No dicionário inglês Collins, a palavra holocausto abrange genocídios, massacres, carnificinas, assassinatos em massas e eu nem sei por que, nesse caso, lembrei que a cada dez minutos uma criança morre na Faixa de Gaza, que judeus foram dizimados assistindo um festival, etc, etc.. Mas, o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, quer ter a primazia de dar nome a isso tudo. Pode Arnaldo?

Noutras referências a holocausto, a história mundial relata violência contra homossexuais, ciganos, povos originários, etc., ainda que mais recentemente o termo esteja mais associado ao repudiante massacre dos judeus por parte dos nazistas. Não sem razão, em qualquer museu sobre o holocausto, há significativa expressão: lembrar sempre para não esquecer. Não esquecer para não se repetir.

Mas, o inevitável, meu caro Bibi (perdão pela intimidade) é ver o que está ocorrendo em Gaza e não lembrar da palavra holocausto. Mais que isso, não poder ser usada como hipérbole – figura de linguagem a que se recorre para dar ênfase a determinado tema, como a tragédia praticada pelo grupo de resistência Hamas, que segundo as más línguas teria até recebido uma forcinha de extremistas judeus.

Ainda sobre o Hamas, o líder russo Vladimir Putin em entrevista recente para o jornalista americano Tucker Carlson, disse “terroristas” russos são tratados pela mídia ocidental como simples opositores. Mas quando se trata de países amigos do ocidente, essa mesma mídia trata como terroristas os grupos de resistências ou opositores. Resumo, ser “terror” dependeria do contexto e de quem diz.

Às vezes, conforme a quem está servindo, terroristas são tratados como aliados, servindo de exemplo o próprio Hamas, Estado Islâmico, Al-Qaeda e não se fala aqui especificamente de Israel. Trata-se de mero exercício sobre o sentido das palavras, para dizer que não cabe a Israel exigir que se use essa ou aquela palavra, nem proibir que se faça associações simbólicas, metafóricas, hiperbólicas.

O mundo sabe que o conflito em Gaza não começou em outubro passado, sabe também que há 75 anos o povo palestino quer ter direito ao seu espaço. Em Gaza, quase 30 mil pessoas morreram – entre as quais crianças, mulheres muitas delas grávidas. Diariamente as redes mostram crianças mutiladas, deformadas, com fome, em pânico, sangrando e é Bibi que tem o direito de dar nome a isso?

Sim, já diziam os antigos que “tanto lá quanto cá, bruxas há”. Quer-se com isso falar de violência de ambos os lados, mas também de desproporcionalidade, de guerra assimétrica – inclusive midiática. Uma desproporcionalidade visível no mais vergonhoso espetáculo diplomático: Israel humilhou autoridades brasileiras e, com arrogância, exige desculpas do presidente Lula. Ah, vá! Pede não, Lula!

Quem matou 30 mil pessoas, como disse um parlamentar, é quem deve pedir desculpas ao mundo. Solidário com o povo judeu, reféns e familiares, às vítimas palestinas, o mundo não tem espaço para que ninguém crie um holocausto para chamar de seu, nem de batizá-lo ao seu bel prazer. De que modo o tal Bibi quer que Lula lute pela paz? Jogando gasolina, fósforo branco, veneno ou napalm?

Como disseram os judeus de New York, “Não em nosso nome”. Chacina, massacre, genocídio, holocausto e ou carnificina não cabe a Israel dar nome às coisas, nem proibir que se faça associação com o holocausto que dizimou cruel e injustamente 6 milhões de judeus. Do mesmo modo, não cabe a Israel definir que até 5,999 milhões de mortos não há holocausto. Mas, 6 milhões começaram com um…

Armando Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

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Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

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Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

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  • Mais do nunca, é preciso lembrar que o atual estado nazisionista de Israel é fruto da usurpação das terras milenares dos palestino. A partilha da palestina entre judeus vindos da Europa,portanto sem nenhuma ligação real com a palestina, foi um dos maiores erros da ONU que se baseou numa falsa narrativa bíblica. Não esqueçamos que o estado colonialista e racista israelense é o verdadeiro agressor e os palestinos os agredidos.

  • meu amigo, como é raro nas mídias progressistas, referir-se ao Hamas como um grupo de resistência!
    É exatamente isso que ocorre, um massacre terrível com suas comparações e peculiaridades em relação a outras tidos na história e, ao mesmo tempo, o uso criminoso de ressignificações e termos para amenizar o fato. Sobretudo, sabendo-se disso, é triste ver o como mídias de oposição a estes ataques covardes, se contrapõe justamente fazendo uso de palavras que reforçam a visão dos opressores.

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