Oportunidades e riscos no mundo pós-pandêmico, por Rodrigo Medeiros

Oportunidades e riscos no mundo pós-pandêmico, por Rodrigo Medeiros

Muito se tem especulado sobre os desdobramentos da pandemia de Coronavíus (Covid-19) e como seria o novo futuro após a crise. Nessas horas incertas, como muito bem expressou o filósofo Paul Valéry (1871-1945) na década de 1920, vivemos um lugar comum ao dizer que o futuro não será mais como antes. Resta saber se ele será irreconhecível, bom ou ruim. Veremos aqui, brevemente, algumas visões qualificadas.

Segundo Yascha Mounk, professor associado da Universidade Johns Hopkins, o mundo pós-vírus será diferente, mas longe de ser irreconhecível. Do ponto de vista da globalização e das cadeias globais de valor, Mounk afirma que “a pandemia mostrou que é irracional confiar em um sistema manufatureiro just-in-time que deixa a produção global de bens importantes vulnerável a choques em locais distantes”. A falta de cooperação internacional revela que poderemos testemunhar o encurtamento das cadeias de suprimentos no mundo, levando, em muitos casos, à nacionalização ou regionalização de atividades produtivas. Alguma dose de substituição de importações ocorrerá em muitas regiões do mundo.

Paul Krugman, laureado com o Prêmio do Banco Real Sueco de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, pondera que ainda precisamos pensar no enfrentamento da pandemia. Em relação ao funcionamento pleno da economia, Krugman afirma que “a abertura prematura pode resultar em centenas de milhares de mortes – e gerar resultados adversos mesmo em termos econômicos, já que uma segunda onda de infecções poderia nos forçar a voltar ao confinamento”. Devemos ajudar os trabalhadores na crise, sustentando suas rendas. Nesse sentido, alguns países têm maiores possibilidades de sucesso do que outros. Nos países desenvolvidos, o banco central pode financiar os gastos públicos deficitários dos governos com relativa tranquilidade, ao passo que nos países não desenvolvidos tal financiamento provavelmente provocará pressões cambiais e alguma fuga de capitais.

De acordo com o historiador austríaco Walter Scheidel, da Universidade Stanford, a pandemia de Covid-19 aumentará a desigualdade em uma hora muito infeliz para Brasil. Sua pesquisa mostra que na história a desigualdade jamais diminuiu de forma pacífica. Scheidel destaca a força de “quatro cavaleiros niveladores”: Estados em colapso, revoluções transformadoras, grandes guerras ou pandemias catastróficas. Segundo o professor, “ao longo da história, essas ações niveladoras (leveler, em inglês) aumentaram ou mantiveram constante a remuneração do trabalho, enquanto, por outro lado, reduziram ganhos de capital no topo da pirâmide”.

Teremos após a pandemia um aumento da taxação sobre os ricos e maiores intervenções governamentais para ajudar os mais pobres? Para Scheidel, “a história mostra que só há grande potencial transformador quando a crise é muito profunda”. O professor acredita que a pandemia está sendo razoavelmente bem administrada para preservar o statu quo. Nesse sentido, segundo o professor, “o momento para o Brasil e para a América Latina é muito infeliz”. Afinal, na ausência de um boom de commodities, que ajudou a reduzir desigualdades, as perspectivas são ruins na região. Desemprego, pobreza, desigualdades sociais extremas e desvalorizações cambiais integram o quadro de dramas regionais na pandemia.

Segundo pondera Scheidel em relação ao processo de reversão da redução das desigualdades na América Latina, “não chega a surpreender se levarmos em conta o quão profundamente arraigado está o conservadorismo nessas sociedades. Isso talvez fosse até inevitável. E tudo talvez fique ainda pior com a crise em andamento agora”. A inserção produtiva da região nas cadeias globais de valor encontra-se em sintonia com o grau de concentração de rendas e riquezas nessas sociedades. No momento, não constam discussões sistêmicas sobre o aproveitamento das oportunidades de reorganização dos processos produtivos globais que a pandemia de Covid-19 causará e como a região poderia se beneficiar desses novos arranjos de produção. A expectativa hegemônica de “normalização” na região está pautada pelo retorno à situação anterior ao contexto de pandemia, como, guardadas as devidas proporções, os liberais esperavam que fosse possível retornar ao padrão ouro e à Belle Époque após a Grande Guerra (1914-1918). O crash de 1929 enterrou definitivamente aquela ilusão liberal. Como costumava dizer John Kenneth Galbraith (1908-2006), o inimigo da sabedoria convencional não são as ideias, mas a marcha dos acontecimentos.

Em outro artigo, argumentei que o gasto público precisará inevitavelmente buscar reconstruir a demanda doméstica posteriormente e ele já deveria estar sendo bem mais ágil e eficaz em ajudar a manter a renda das famílias durante a pandemia. Em um quadro dramático, de desarticulação federativa, resta-nos saber como ficará a estabilidade democrática brasileira em um vindouro cenário caótico e distópico, que se entrelaçará com o processo de esgarçamento das instituições vivido nos últimos anos. A tentativa de retomar o caminho das reformas (neo)liberais, o liberalismo primário dos fiscalistas, segundo André Lara Resende, enfrentará a marcha dos acontecimentos dos danos causados pela pandemia.

 

Rodrigo Medeiros

Rodrigo Medeiros

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