Os militares fecham com Bolsonaro, por Vilma Aguiar

Os militares fecham com Bolsonaro, por Vilma Aguiar

O artigo do general Hamilton Mourão publicado no Estadão em 14/05 não poderia ser mais claro. Os militares que fazem parte do governo fecham com o presidente. Nem as pesadas acusações do ex-ídolo Sérgio Moro foram capazes de os abalar. Pode até ser que a cúpula pratique o auto engano e se iluda que tutela Bolsonaro. Mas é cada vez mais evidente que, se tem alguém tutelado nesta história, são eles e não o presidente. Este basicamente faz o que quer e se sente cada vez mais à vontade para fazê-lo. Os pouquíssimos freios antepostos o foram pelo Congresso e pelo STF, nunca pelos generais.

Bolsonaro é uma máquina de moer instituições e as Forças Armadas foram a primeira a ser triturada. Não que ela fosse grande coisa. Basta ver que esses que formam a entourage do presidente estiveram no comando dela até ontem e são o que são. A indigência intelectual, a paranoia institucionalizada, o autoritarismo mais tosco dão espetáculos cotidianos. Mas até ontem, justamente, eles eram apenas militares. Hoje são políticos com outro tipo de poder à mão, além de manterem os anteriores. E estão se refestelando. Todo o esforço de profissionalizar e despolitizar as Forças Armadas realizado nos últimos 30 anos evaporou-se. Bastou acenar com alguns cargos e suas benesses. A adesão, que no começo pode ter sido ideológica, rapidamente se converte em defesa do interesse próprio. Ou alguém duvida que os estimados três mil militares que desfrutam de recursos, gratificações, nomes grafados na porta e outros penduricalhos não estão dispostos a voltar para a caserna e ser zés-ninguém de novo?

Alguém poderia objetar que o eventual impedimento do presidente ainda deixaria o governo nas mãos dos militares, dado que temos um general como vice. Mas até os mais ingênuos são capazes de ver que não se mexe em time que está ganhando. Bolsonaro presidente garante não apenas que tudo fica como está, como, melhor ainda, se compromete mais e mais com eles. As novas nomeações no Ministério da Saúde ilustram isso. Não me surpreenderia se o brevíssimo próximo ministro seja mais um militar, que basta de ficar em segundo e terceiro escalões. Patrimonialismo pouco é bobagem.

Mourão basicamente subscreveu todos os argumentos usados por Bolsonaro contra seus adversários. Este governa separando o mundo entre o nós e o eles e o vice-presidente fez questão de se colocar entre o nós. Não apenas. Usou e abusou de ameaças nem tão veladas. Resolveu se juntar ao presidente na tarefa de promover o caos. A ideia é simples. Já que este virá de um modo ou de outro, vamos dar o nome aos bois antes que outros o façam. Vamos chamá-los de governadores e prefeitos. Vamos chamá-los de quarentena. Este caos, vamos torná-lo tão imenso quanto possível. Maior que a própria pandemia, que já é gigante. Na briga de foice no escuro que virá, terão uma lanterna ao menos. Verão quem se salva.

Claro que se trata de uma aposta perigosíssima, mas depois que se afunda na lama até o pescoço com alguém, não é mais possível dizer que não se esteve no lodo. Então, melhor supor que, passada a pandemia, eles serão capazes de reverter a situação num prazo relativamente curto. Porque os novos miseráveis serão milhões. Pior, gente nem tão acostumada a ser miserável. Gente potencialmente menos dócil. Não à toa já tiraram das gavetas o esqueleto desenvolvimentista. Ultraliberalismo é bom para agradar banqueiro. Para governo emparedado por uma crise sem precedentes em nossa história, o bom e velho Estado. Esse é o cálculo dos militares.

Tudo isso para dizer que, se Bolsonaro chegar às vias do já proclamado à luz do dia autogolpe, não convém contar com os militares para colocarem os diques de contenção. Eles apostam na escalada do autoritarismo. Eles são parte da coisa.

Haverá outros atores capazes de conter esse avanço? Outras instituições? Neste momento, não me parece. Apostaria minhas fichas que Rodrigo Maia e Dias Toffoli pensam da mesma forma. Por isso fazem o que fazem. Esperam, e pouco mais podem fazer que esperar, que cão que late não morde. Deixam como está para ver como fica. Quem sabe conseguimos manter a esperança equilibrista dançando na corda até que o jogo mude.

Quem viver, ou sobreviver, verá.

Vilma Aguiar é socióloga e feminista. Doutora em Ciências Sociais.  Durante a pandemia está escrevendo O livro da quarentena. https://www.instagram.com/aguiar_vilma/?hl=pt-br

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