Por Um Programa de Governo Social-Desenvolvimentista, por Fernando Nogueira da Costa

Por Um Programa de Governo Social-Desenvolvimentista

por Fernando Nogueira da Costa

“Economicismo” é o equívoco em ver uma determinação direta da economia para a política. A Economia depende da Política, por exemplo, na decisão de alocação de recursos.

O uso destinado aos recursos disponíveis é influenciada, em muitas áreas, pela intervenção governamental. Para tanto, o Poder Legislativo aprova (ou não) o Orçamento Geral da União, proposto pelo Poder Executivo.

Daí a lição aprendida por eleitores lúcidos: o Presidente da República necessita ter uma “base governista”, no Congresso Nacional. Deve ser eleita essa maioria. Se não for, ele terá de se submeter ao “toma-lá-dá-cá” fisiológico para conseguir governar aliado a partidos oportunistas e sem compromisso com o programa governamental eleito.

A intervenção governamental pode tornar difícil a análise de se a alocação de capital (via impostos, subsídios, reserva de mercado, etc.) e a distribuição de renda (previdenciária, regional, etc.) são afetadas por fatores não econômicos.

Mas a estabilização, as flutuações dos ciclos de negócios, a inflação e o desemprego, e as correções de desequilíbrios do balanço de pagamentos são claramente influenciadas pelas políticas fiscal, monetária e cambial, além do controle da mobilidade do capital. São decisões pressupostas técnicas, tomadas pela casta dos sábios-tecnocratas.

Por sua vez, a Política depende da Economia, devido à influência das condições econômicas sobre a popularidade do governo e as chances da reeleição. Os eleitores tendem a atribuir ao governo a responsabilidade pelo estado conjuntural da economia.

Assim, há maior probabilidade de eles apoiarem o governo (e de votarem a favor da situação) quando a economia está indo bem e há maior chance (em comparação com a tendência normal) de eles votarem na oposição quando a economia apresenta resultados desfavoráveis. É o caso atual.

Vale comparar. No primeiro mandato do governo Dilma, a economia brasileira cresceu em 2011 (+4%), 2012 (+1,9%), 2013 (+3%) e 2014 (+0,5%). Daí a pressão do golpismo levou-a a cometer um erro fatal: colocar um neoliberal no comando do Ministério da Fazenda com “carta-branca” para dar um choque fiscalista-tarifário-inflacionário. Provocou, em processo de retroalimentação, choque cambial e a política reativa de juros até o nível 14,25% a.a, (ou 1,1% a.m.) por quinze meses!

Resultado imediato da volta da Velha Matriz Neoliberal: queda do PIB em 2015 (-3,5%) e 2016 (-3,3%). A este resultado pós-golpe de abril de 2016 se somou estagdesigualdade após com baixo crescimento nos três anos seguintes (+1,3%, +1,8% e +1,4%) até a Grande Depressão do primeiro ano da pandemia: -4,1%.

A economia brasileira não cresce, de maneira sustentada, desde o fim do Nacional-Desenvolvimentismo, entre 1941 e 1980: quatro décadas com crescimento médio anual do PIB em +7% aa. O Neoliberalismo, entre 1981 e 2020, derrubou essa taxa para +2%. Além de ser menos de 1/3 daquela, é menos da ½ da ocorrida entre 1901 e 1940: +4,3%.

Para quem não é cego pela ideologia do neoliberalismo, a dedução lógico-racional, baseada em fatos e dados, é o desenvolvimentismo ser o melhor regime de política econômica para o Brasil. Propiciou o país, no período 1941-1980, se situar entre os maiores emergentes na economia mundial, inclusive obteve o maior crescimento no mundo nessa fase da industrialização nascente.

A tentativa de retorno à essa orientação, entre 2003 e 2014, pecou pelos compromissos conciliatórios. Por exemplo, manteve o Banco Central do Brasil sob domínio de economistas neoliberais. Confrontavam os esforços dos dirigentes desenvolvimentistas dos bancos públicos federais (Caixa, BNDES, BB, BNB, BASA) com sua política de juros e provocavam um stop-and-go (“voos de galinha”) no crescimento econômico.

Com o possível retorno de um governo social-desenvolvimentista, eleito no fim do próximo ano, todos os progressistas esperam não se repetir o erro de conciliação com o neoliberalismo. Defensores dele são assinantes da Carta Aberta, lançada no dia 21/03/21. Ela foi manchete em toda “grande” imprensa brasileira. Esta não fez nenhuma divulgação dos inúmeros abaixo-assinados da esquerda, lançados anteriormente.

Naturalmente, isso foi devido ela ter sido assinada por economistas, banqueiros e empresários midiáticos. São os contumazes neoliberais, “escolhidos” sempre pelo jornalismo econômico para opinar sobre qualquer assunto. Nunca é publicado o controverso, defendido por economistas desenvolvimentistas.

Não há pluralidade no debate público brasileiro. Por essa falta de diversidade de opiniões, empresários e eleitores erram na hora de opinar e/ou votar.

Há quatro décadas, a imprensa brasileira virou porta-voz do neoliberalismo, “martelando” diariamente a ladainha privatização-prioridade em ajuste fiscal e combate à inflação, além de pregar as reformas para “flexibilização” (sic) dos direitos trabalhistas e previdenciários. Não foi à toa o retrocesso econômico, moral e cívico ocorrido no Brasil. A pressão política é para retroceder até na pauta dos costumes sociais!

Baseado em fatos e dados, eu não entendia o antipetismo e a criminalização do Lula. Eu me lembrava das políticas públicas bem-sucedidas: FIES, PRONATEC, PROUNI, Ciência sem Fronteiras, Mais Médicos, Farmácia Popular, Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Cisternas no Semiárido, Luz para Todos, Transposição do Rio São Francisco, Reativação do Transporte Ferroviário, Ferrovia Norte-Sul, Ferrovia Transnordestina, aumento do salário mínimo acima da inflação Água para Todos, Brasil Sorridente, PRONAF, FAT, Programa Brasil Sem Miséria, Bolsa Atleta, Bolsa Estiagem, Bolsa Verde, Bolsa-Escola, Brasil Carinhoso, Pontos de Cultura, Programa Biodiesel, SUS, SAMU/UPAS, Saúde da Família, FGEDUC (Seguro do FIES), Casa da Mulher Brasileira, Aprendiz na Micro e Pequena Empresa, MEI (Microempreendedores Individuais).

O Brasil era um membro destacado entre os BRICS. A ONU retirou o país do Mapa da Fome. Os governos Lula-Dilma elevaram a reserva cambial para US$ 380 bilhões, além de pagar a dívida externa ao FMI – e até conceder empréstimo a ele!

A casta dos militares não pode reclamar de reequipagem, valorização e autonomia da Polícia Federal e do PND (Política Nacional de Defesa). Os investimentos em Defesa cresceram dez vezes: de R$ 900 milhões em 2003 para R$ 8,9 bilhões em 2013. Houve a participação das FFAA em 11 missões militares de paz da ONU, Projeto Submarino Nuclear, modernização da frota de aeronaves da FAB com transferência da tecnologia.

O Poder Judiciário se beneficiou da liberdade para a PGR e o MP e da escolha para os órgãos da Justiça dos primeiros das listas das corporações. Os atletas se beneficiaram e os brasileiros assistiram aqui aos Jogos Pan-americanos, Copa do Mundo, Olimpíadas.

Houve 98 conferências nacionais de 43 áreas, como educação, juventude, saúde, cidades, mulheres, comunicação, direitos LGBT, entre outras. Orçamento para a Cultura cresceu de R$ 276,4 milhões em 2002 para R$ 3,27 bilhões em 2014. Foram lançados Vale-Cultura, Programa Cultura Viva, Programa Mais Cultura nas Escolas

O Pré-Sal, a capitalização e os investimentos da Petrobras propiciaram o país se tornar autossuficiente e exportador de petróleo! Houve a redução de 79% do desmatamento da Amazônia brasileira, aumento em mais de 50% da extensão total de área florestal protegida. Alcançou a liderança mundial em redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE). Entre 2010 e 2013, o Brasil deixou de lançar na atmosfera uma média de 650 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano. Houve aumento exponencial do parque eólico brasileiro. Houve a Conferência Mundial Rio+20.

Resultou em mais empregos pela valorização do polo naval. Foram construídas a Refinaria Abreu e Lima e novas usinas hidrelétricas nos rios Teles Pires, Belo Monte, São Manoel, Santo Antônio, Jirau, São Luiz do Tapajós. Havia planejamento com PPP e PAC. Diminuiu a desigualdade regional com Polos de Desenvolvimento do Nordeste: Suape PE, Pecém CE e Camaçari Bahia, pois os investimentos somaram cerca de R$ 100 bilhões.

Lula terminou seus dois mandatos com 85% de popularidade e a Dilma tinha 65% de aprovação antes das jornadas de junho de 2013, quando a direita “saiu do armário”, onde se tinha metido por 30 anos, envergonhada pelo regime ditatorial militar. Hoje, segundo o Datafolha, defendem Lula concorrer à Presidência da República em 2022 mais da metade a 2/3 de quem reprova o governo militarizado atual, quem tem ensino fundamental, os moradores do Nordeste, os isolados (e abandonados) na pandemia, quem ganha até 2 salários mínimos, quem não tomou conhecimento da anulação das condenações de Lula, pretos, desempregados, católicos, jovens de 16 a 24 anos.

São contra o Lula as maiorias de bolsonaristas, empresários, classe média e alta (acima de 5 salários mínimos), quem tem ensino superior de baixa qualidade, moradores do Sul, os evangélicos submissos à casta dos sabidos-pastores, e a geração “bombada” de 25 a 34 anos. Eram adolescentes durante as passeatas de 2013.

A leitura do livro de Isabel Wilkerson (Caste, publicado em 2020) abriu-me os olhos para o cataclisma aqui ocorrido. O sistema de castas define a supremacia branca, presumida por um grupo de descendentes europeus, contra a suposta inferioridade de outros grupos de humanos com base na ancestralidade africana, latino e asiática. Impôs barreiras à ascensão social desses dentro da hierarquia de natureza ocupacional.

De fato, a mobilidade social dos mais pobres estudantes de escolas públicas e as políticas afirmativas compensatórias dos descendentes de escravos com direito às cotas nas Universidades públicas, as melhores do país, afrontou preciosos privilégios da elite. Tal como nos Estados Unidos, ela passou a arcar com o ensino pago particular.

Aqui, por exemplo, paga mensalidades como R$ 4.920 na FGV ou R$ 4.990 no INSPER. Isto sem falar nos valores das mensalidades dos cursos de Medicina entre R$ 7.000 e R$ 12.000. Lá, milionários corrompem para colocar seus filhos nas Universidades listadas como as top para os membros das castas profissionais. Confira no documentário, encontrado no Netflix, “Educação Americana: Fraude e Privilégio”.

Enfim, todos os apoios à candidatura Lula são bem-vindos, caso aceitem o programa governamental social-desenvolvimentista: prioridade na retomada do desenvolvimento socioeconômico com sustentabilidade ecológica acima do eterno combate ao pressuposto risco fiscal-cambial-inflacionário de “eutanásia dos rentistas”; Renda Básica Universal (RBU); redução da jornada semanal de trabalho; saúde pública universal; exigência de qualidade na educação em todos os níveis, inclusive em escolas e universidades particulares; urbanização das favelas e reforma profunda na segurança pública para acabar com os milicianos e sua extorsão da população pobre.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Bancos e Banquetas: Evolução do Sistema Bancário com Inovações Tecnológicas e Financeiras” (2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

Recent Posts

Mandato de Sergio Moro no Senado nas mãos do TSE

Relator libera processo para julgamento de recursos movidos por PT e PL em plenário; cabe…

8 horas ago

Uma “Escola para Anormais” no Recife, em Água Fria, por Urariano Mota

Diante disso, quando respiramos fundo, notamos que a escola seria uma inovação. Diria, quase até…

9 horas ago

Praticante da cartilha bolsonarista, Pablo Marçal mente sobre proibição de pouso de avião com doações

Coach precisava ter passado informações básicas à base com 3h de antecedência; base militar tem…

9 horas ago

Enchentes comprometem produção de arroz orgânico do MST no RS

Prognósticos mostram que perda pode chegar a 10 mil toneladas; cheia começa a se deslocar…

10 horas ago

Nova Economia debate o poder da indústria alimentícia

Com o cofundador do site O Joio e o Trigo, João Peres; a pesquisadora da…

10 horas ago

Processos da Operação Calvário seguem para Justiça Eleitoral

Decisão do Superior Tribunal de Justiça segue STF e beneficia ex-governador Ricardo Coutinho, entre outros…

10 horas ago