Presidência do BID – oportunidade perdida, por Andre Motta Araujo

Presidência do BID – oportunidade perdida

por Andre Motta Araujo

O Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, foi criado em 1959 por iniciativa do Presidente Juscelino junto ao Governo Kennedy  no âmbito da chamada Operação Panamericana, ideia e iniciativa brasileira, pensada pelo então Assessor Internacional da Presidência, Augusto Frederico Schmidt, poeta e empresário, que também gerou a Aliança para o Progresso, grande projeto de desenvolvimento econômico, político e social para a América Latina. O BID tem, portanto, a certidão de batismo passada pelo Brasil, que no desenho político desde então por tradição ocupa a Vice-Presidência de Finanças do banco. Mas o Brasil nunca ocupou a Presidência do BID.

Houve uma tentativa, em 2005, com a candidatura de João Sayad, economista e personalidade pública brasileira que era então o Vice-Presidente de Finanças. Foi uma candidatura forte e viável, só não emplacou porque os EUA não o apoiaram, sendo esse apoio quase decisivo para alguém chegar à Presidência.

O primeiro presidente do BID foi Felipe Herrera, advogado e economista chileno, personalidade de primeiro nível, foi candidato à Secretaria Geral da ONU e só não foi eleito pelo veto dos EUA, porque sua indicação partiu do então governo Allende. O segundo presidente foi o mexicano Ortiz Mena, personalidade que foi Ministro da Fazenda do México depois de longa carreira pública. O o terceiro presidente foi Enrique Iglesias, nascido na Espanha, mas de nacionalidade uruguaia, foi Chanceler do Uruguai. E o último, que preside até agora, é Luís Alberto Moreno, diplomata e ex-Embaixador da Colômbia nos EUA, que está no cargo desde 2005, quando teve vitória apertada contra João Sayad.

OS VOTOS

Os EUA têm 30% dos votos para eleição, o Brasil tem 10,75%. Os 48 países membros se dividem em dois blocos, um chamado de “não-mutuários”, de 22 países que são sócios, mas não podem ser financiados, e os “mutuários”, 26 países que juntos detém 50,02% dos votos. Na prática é quase impossível um candidato ser eleito sem o apoio dos EUA, mas é também essencial um trabalho diplomático sócio a sócio para ter votos, esse apoio faltou ao João Sayad em 2005 inclusive de países então politicamente alinhados com o então governo Lula, como Bolívia e Venezuela, que não votaram em Sayad. Os EUA têm seus 30%, mas geralmente arrastam os países do Caribe e é quase impossível uma eleição sem apoio americano que, todavia, até hoje nunca apresentaram um nome próprio. Os EUA já têm, por tradição, o 2º cargo do banco, o Vice-Presidente Executivo.

A CANDIDATURA DO BRASIL

O governo brasileiro articulou a candidatura de um homem de “mercado”, Rodrigo Xavier, ex-executivo de bancos. Um erro. TODOS os presidentes do BID são personalidades de serviço público, com longas carreiras de Estado, nenhum era homem de “mercado”, contexto que não cabe geralmente no figurino de dirigente de organismos multilaterais, há um padrão quase universal, de nomes com CARREIRA PÚBLICA e forte currículo acadêmico e político, nada a ver com “mercado”, não só no BID, esse também é o figurino para o Fundo Monetário, o Banco Mundial, o Banco Europeu de Desenvolvimento, o que se requer é alma de servidor público e não de operador privado. Portanto a candidatura brasileira tem vício de origem, mas Guedes é homem de “mercado” e não tem o dedo de indicar servidor público.

O TRABALHO DIPLOMÁTICO

O Brasil já teve cargos importantes em organismos multilaterais, como a diretoria geral da FAO, o braço de agricultura e alimentação da ONU, com Josué de Castro e José Graziano, duas vezes em um cargo importante, a diretoria geral da OMC-Organização Mundial do Comércio, o braço mais importante da guarda-chuva econômico da ONU depois do Fundo Monetário e do Banco Mundial, o Brasil também já teve a Secretaria Geral da OEA-Organização dos Estados Americanos, com Baena Soares, diplomata de carreira.

A articulação para ser eleito em organismos multilaterais depende de longo e eficiente trabalho diplomático que nem sequer foi tentado na atual candidatura brasileira ao BID, um trabalho impossível dada a presença de um mini-embaixador olavista do Brasil em Washington, sem peso ou prestígio para uma articulação desse nível. O trabalho diplomático em Washington NÃO se restringe à Casa Branca, ao contrário, se dá especialmente junto ao Departamento de Estado e ao Congresso, depende de uma persistente esforço de convencimento operado por diplomatas e é também necessário o uso de lobistas legais, que trabalham junto ao Congresso para formar consenso.

Não basta, portanto, um telefonema do Ministro da Economia para fazer um Presidente do BID, é preciso muito mais. Luis Alberto Moreno, quando foi escolhido, era Embaixador da Colômbia em Washington, de altíssimo prestígio, tinha acabado de ser figura fundamental do Plano Colômbia, o acordo militar-econômico dos EUA com o governo colombiano, pelo qual seis bases militares americanas foram implantadas na Colômbia para combate às FARC e ao narcotráfico. Moreno e sua esposa venezuelana Graziela eram figuras do high life de Washington, com jantares diários e presença nas mais altas rodas da capital americana, mas mesmo assim, Sayad teve muitos votos dado o bom prestigio do nome, do então primeiro Governo Lula e da Embaixada do Brasil, chefiada então por Roberto Abdenur, um dos mais capacitados diplomatas brasileiros na época, que tinha sido Embaixador na Alemanha e na China.

Hoje temos um encarregado de negócios sem o peso de um Embaixador, sem nenhum cargo anterior no nível de Embaixada, sem currículo, peso diplomático, prestígio, indicado ao cargo por Olavo de Carvalho, de quem é discípulo. Como operar uma candidatura à Presidência do BID com essas cartas?  No entanto esta seria, por lógica, convenção não escrita e realidade geopolítica a vez do Brasil indicar o Presidente do BID, na tradição do arranjo de 1959 faltam três grandes países que ainda não ocuparam o posto, Brasil, Argentina e Peru, o Brasil tem preferência absoluta, MAS ao que tudo indica, não será escolhido e pela primeira vez os EUA irão exercer seu poder para indicar um americano QUEBRANDO A TRADIÇÃO, por que?

Porque o Brasil não tem hoje PESO POLÍTICO para lutar por um nome, como teve em 2005, porque o Brasil não tem articulação diplomática em Washington, porque o Brasil não tem um NOME à altura do cargo, não basta ser um nome de “mercado”, há milhares iguais, é preciso um nome de ESTATURA PÚBLICA, esse Governo não conhece.

Erros imensos acumulados por curiosos e amadores apresentam sua conta, o Brasil perde sua vez, já é evidente que a Argentina não tem hoje cacife para bancar qualquer cargo nesse circuito, à beira da moratória e o Peru está com um governo complicado depois da queda de PPK, vivendo sob guarda chuva de interinos e provisórios.

Abaixo artigo meu de meses passados onde trato do tema da Presidencia do BID.

https://jornalggn.com.br/artigos/o-que-o-brasil-nao-faz-em-washington-por-andre-motta-araujo/

 

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

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    • Quem sabe seja esta uma alternativa promissora? Como vimos na história do BID, mais um capítulo onde o Brasil de JK não passou novamente de ser lacaio dos Interesses Norteamericanos (outro Aranha, dizendo amém na ONU) sem nunca ter conseguido uma posição de comando. Parceria JK/JFK? Os Nortemericanos sempre estiveram dentro da Sala de Comando, como afirma a matéria. O Lacaio Útil, nunca passou perto. Presidências do BID refletiram os Interesses NorteAmericanos nas Américas, como as Elites Colombianas, enquanto produziam e financiavam a guerra contra a Resistência Socialista dentro daquele país. E quais foram os Interesses Brasileiros? Talvez seja a hora de deixar um passado de 'Anão Diplomático' e promover 'Novos Caminhos'. Ficar dizendo amém para todo o Mundo, não é bem ser a Nação do Consenso. É ser a Nação da Submissão. Quem sabe um novo rumo? Uma coisa é certa, o caminho perseguido nestes 90 anos, só fez transformar uma Potência Continental em um Paíseco de Terceiro Mundo, República Bananeira. Até quando?! Mudanças. Se o futuro é incerto, muito certo é um passado quase secular de mediocridades que Nos trouxeram até aqui. Pobre país rico....

  • Andy , quer o que? Terraplanistas no BID?
    Quando há nomes de estatura como o ex-diretor-geral da OPAQ , o embaixador Bustani, os EUA dão piti!
    Para alguns, a mediocridade atual é tão bem vinda.
    Dentro em breve fritar hamburguer vai ser disciplina obrigatória no IRB!

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