Os fatos estão muito quentes, mas parece estar acontecendo algo novo na conjuntura, comparável ao conto “A décima pista”, de Dashiell Hammet.
Diante de um assassinato, no qual o detetive se depara com nove evidências muito claras, a solução encontrada é inusitada, como convém às boas histórias policiais. Ao seguir cada rastro deixado na cena do crime, o personagem não chega a lugar algum. (ATENÇÃO: SPOILER!) O que leva ao assassino é o décimo, construído a partir das deduções do investigador. O quebra-cabeças da trama se monta através do descarte de todas as outras pistas. Tratava-se de ação diversionista.
ANALOGAMENTE, A NOVIDADE nas movimentações dos últimos dias é não haver novidades. No paralelogramo de forças em disputa, a resultante momentânea é igual a zero. Ou seja, há um empate ou paralisia na ação política dos diversos atores em campo.
Pela primeira vez em 16 meses, Bolsonaro perde a capacidade de surpreender. Há algumas semanas, o domingo passou a ser o dia da catarse. É o momento em que o presidente açula a malta miliciana, com insinuações golpistas claras. Não tem falhado. O indigitado possivelmente conversa com os filhos e outros celerados no sábado para planejar o pancadão da manhã seguinte.
NA NOITE DE DOMINGO, lideranças políticas acorrem ao Fantástico e espancam o führer de língua presa a não poder. De vez em quando alguém anuncia uma revelação-bomba que comprometerá indelevelmente o mandatário, como fizeram Mandetta e Moro.
Na segunda-feira, os chefes militares mandam ao distinto público uma carta enigmática, afirmando que “As Forças Armadas seguem cumprindo seu papel constitucional”. O STF, por sua vez, se vê impelido a barrar mais algum excesso autoritário. O presidente aparece novamente em público e diz que a imprensa “canalha” descontextualizou suas falas e afirma que não é nada disso e recua. Os donos do capital fazem cara de paisagem.
NÃO SE SABE SE TAL ROTINA aguenta mais uma semana. Mas sua repetição até aqui mostra que Bolsonaro está paralisado e acuado. Perdeu sua principal característica de governo: dar vazão ao seu verbo terrorista e desestabilizador. Pois Bolsonaro não consegue exercer o poder na estabilidade. Não é seu ambiente. Age como líderes extremistas faziam nos anos de implantação do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Precisa surpreender para pautar a agenda nacional e se colocar sempre na ofensiva. Sturm und drang na veia! Nessa cadência, todos os outros atores políticos tiveram de agir responsivamente às suas ações, desde o início do mandato. Ou seja, na defensiva. Isso parece estar mudando.
HÁ UM NOVO NORMAL na barbarização cotidiana brasileira. Falando sociologicamente, a superestrutura absorveu e mostra flexibilidade na contenção dos impactos políticos oriundos do Executivo. E ninguém avança uma casa sequer no xadrez do poder.
Rodrigo Maia não acolhe nenhum pedido de impeachment, o STF funciona como muro de contenção e não vai além e as FFAA investem em mensagens cifradas. A Globo bate e a oposição faz o que pode, mas o que pode não é muito. Depois do desastre dilmista, o maior partido dessa vertente perdeu discurso e ímpeto para voltar ao jogo.
MAS HÁ UMA VARIÁVEL IMPONDERÁVEL e poderosa que pode desestabilizar o novo arranjo político conquistado ad hoc.
Trata-se da curva ascendente da pandemia do novo coronavírus e a curva descendente da economia. Em ambas, há a vida de milhões de brasileiros pobres que enfrentam o alastramento da morte e o desespero do desemprego e da chantagem governista. A quebradeira de empresas vai aumentar, pela falta de crédito que deveria ter chegado por ação estatal. Esta parece parece estar propositadamente bloqueada para os de baixo.
O caos é o ambiente de Bolsonaro, como visto até aqui. A possível depredação de uma agência da Caixa, ou a eventual volta de saques em supermercados por justo desespero popular – como registrados na recessão de 1982-84 – podem servir de pretexto para uma ação repressiva séria. Ou para iniciativas terroristas de milícias diante de possível inação – deliberada ou não – das forças de segurança oficiais.O caso do motim miliciano do Ceará está fresco na memória de todos.
O EMPATE CATASTRÓFICO – para roubar o conceito gramsciano, com liberdade poética – aparenta ser momentâneo diante da hecatombe social em curso.
O melhor seria que os atores do topo da pirâmide institucional com compromisso democrático mexessem alguma peça decisiva para retirar a caneta e o diário oficial das mãos do celerado, ou para imobilizá-lo de vez. Trata-se, claro, de mero wishful thinking.
REPETINDO: por enquanto, o vetor resultante está zerado. No entanto, a tensão deste empate é avassaladora, se olharmos para baixo. E pode detonar qualquer estrutura de contenção de uma hora para outra.
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Por essas e outras análises abstratas, superficiais e derrotistas se entende como o campo progressista foi varrido tão facilmente no Golpe de 2016. EM 2018 quando Bolsonaro foi eleito, ele tinha:
- Maioria esmagadora no Congresso e Câmara;
- apoio velado de todos os grandes grupos de mídia do país;
- apoio explícito ou implícito de todos dos grandes grupos econômicos produtivos do país;
- apoio explícito ou implícito de todos dos grandes grupos econômicos ruralistas do país;
- apoio explícito ou implícito da maioria da cúpula e pessoal de baixa patente das Forças Armadas;
- apoio explícito ou implícito de todos dos grandes bancos privados do país;
- apoio explícito ou implícito da maioria das igrejas neopentecostais e de várias outras vertentes religiosas;
- apoio extremado de mais de 1/3 do eleitorado, incluindo a maioria da classe média e alta do país;
- apoio por indiferença de mais de 1/3 do eleitorado heterogêneo que aceitou Bolsonaro pelo antipetismo ocasional;
- apoio ou indiferença da maioria dos ministros do STF;
- principais ministros, como segurança e economia, eram figuras fortemente apoiadas por todas as forças citadas anteriormente.
- uma grande máquina de fakenews trabalhando 24h por dia a seu favor.
Em apenas um ano meio, com a oposição progressista completamente neutralizada e com o mais amplo conjunto de forças apoiadoras que um governante já conseguiu na história do país, Bolsonaro já conseguiu as seguintes façanhas:
- perdeu sua maioria no Congresso e Câmara, que já atuam com agenda própria, mesmo ocupando vários cargos no governo e votando em matérias de interesse comum.
- perdeu apoio do maior grupo de Mídia do país, a Globo, e já é criticado abertamente pela maioria dos grupos de Mídia;
- perdeu apoio de boa parte das grandes empresas do país por não conseguir alavancar o consumo para girar o comércio, mesmo destruindo quase todos os diretos trabalhistas existentes.
- perdeu apoio de boa parte das grandes ruralistas do país devido suas estripulias nos assuntos externos, mesmo liberando implicitamente o desmatamento, invasão de áreas indígenas e agrotóxicos.
- perdeu apoio incondicional da cúpula e pessoal de baixa patente das Forças Armadas, que já tentam se desassociar ou segurar as loucuras do seu governo;
- os bancos privados ainda mantêm seu apoio mas já olham com desconfiança suas estripulias que causam instabilidade constante.
- embora os neopentecostais sejam seus mais fanáticos defensores, o setor religioso no geral já começa sua debandada para não ficar associado futuramente as loucuras do Presidente.
- perdeu o apoio incondicional de 1/3 do eleitorado que inclui a maioria da classe média e alta do país que embora se mantena de extrema-direita, rachou devido a guerra interna da pŕopria extrema-direita;
- perdeu o apoio por indiferença de 1/3 do eleitorado heterogêneo que aceitou Bolsonaro pelo antipetismo ocasional;
- perdeu o apoio por indiferença dos Ministros do STF devido as suas investidas contra a entidade.
- criou uma guerra interna em seu próprio partido, chegando ao cúmulo de Deputados de seu próprio partido pedir impeachment;
- falhou miseravelmente na criação do seu próprio partido;
- perdeu, brigou ou criou intrigas com os principais nomes do seu governo que tinham aval de suas forças apoiadoras, gerando um racha mesmo em sua em sua base eleitoral mas extremada;
- perdeu apoio das forças policiais lavajatistas que estão na sua cola devido as suas falcatruas no RJ e saída do Moro do governo;
- Sua máquina de fakenews começa a ser desarticulada na medida que volta suas forças aos seus antigos aliados da direita.
Resumindo, Bolsonaro é um morto-vivo que não governa e só não foi derrubado ainda justamente por isso. Seus dias estão contados na Presidência e as forças que outrora os apoiavam só esperam o melhor momento para isso. Bolsonaro sofrerá impeachment não pelas loucuras que fez mas sim porque se ele continuar até o final do mandato, a centro-esquerda tem boas probabilidades de voltar ao poder, e os verdadeiros donos do poder não pode permitir isso depois de tanto investimento no Golpe de 2016.
O REI ESTÁ NU!
Está mais claro que o reflexo de Narciso: a retórica fascista é seu único modo de governar. Ao criar inimigos de moinho, ao declarar nenhum apreço à democracia, ao tentar anular os demais poderes da República, repete-se como farsa a tragédia de outrora.
Ao terceirizar a política econômica a um conhecido operador do mercado financeiro, recebeu a carta branca, mas branco também era o seu projeto de país, pois construiu sua carreira como bom parasita que sempre foi. Não esteve implicado na Lava Jato porque simplesmente não tinha nenhuma influência no congresso, e a atual relação com seus atuais membros só reforça o pouco manejo de negociação, só bem negocia quando se trata de automóveis e laranjas.
Na demissão de seu ministro-midas, ficou mais nítido o belo traje do rei, mesmo para aqueles que insistiam em ver belo veludo produzido pelo astuto alfaiate.
Nassif: o texto do Maringoni tá enxuto e preciso. Mereceria extensão maior seu "xadrez". Sendo o comando dos VerdeSauvas, chamaremos de AberturaEsdruxula, com variantes NaziFascistas. Abrirão, numa só tacada (jogando de Brancas) b3g3. E você dirá isso não é xadrez. Mas esquece estamos falando de generais, e o movimento é chamado "variante da baioneta e da bala". Qualquer que seja a resposta dos KummunistasEsquerdopatas, os milicos liberarão seus bispos (CaifásDoBras e ProfetaMaldito) para dominar as grandes diagonais (mídia e fakenews). Em seguida moverão seus Cavalos para c3 et f3 (milícias civis e militares). Em seguida, colocarão seus Peões (Congresso safado e Judiciário conivente) rumo ao Centrão (ProstitutaPartidário/X-9 e Pessoal de Mugi) e começarão o massacre (Mercado e Bancos). A oposição, como sempre, esboçará movimentos de defesa do Povão. Mas os PobresDeDireita (veja a lição de TimMaia) de alguma forma facilitarão para as Elites, como sempre fazem. E pro desfecho final os das fardas Verde et Azul converterão o “XadrezEsporte” para “XadrezPrisão”, como é de seus feitios...
PS.: Os comentários do Juliano e do Hugo dão um toque brilhante ao artigo. ArrasEguas, seu Blog tá se superando a cada matéria publicada.