Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Um xadrez em que ninguém move peça decisiva, por Gilberto Maringoni

Há algumas semanas, o domingo passou a ser o dia da catarse. É o momento em que o presidente açula a malta miliciana, com insinuações golpistas claras. Não tem falhado.

Um xadrez em que ninguém move peça decisiva

por Gilberto Maringoni

Os fatos estão muito quentes, mas parece estar acontecendo algo novo na conjuntura, comparável ao conto “A décima pista”, de Dashiell Hammet.

Diante de um assassinato, no qual o detetive se depara com nove evidências muito claras, a solução encontrada é inusitada, como convém às boas histórias policiais. Ao seguir cada rastro deixado na cena do crime, o personagem não chega a lugar algum. (ATENÇÃO: SPOILER!) O que leva ao assassino é o décimo, construído a partir das deduções do investigador. O quebra-cabeças da trama se monta através do descarte de todas as outras pistas. Tratava-se de ação diversionista.

ANALOGAMENTE, A NOVIDADE nas movimentações dos últimos dias é não haver novidades. No paralelogramo de forças em disputa, a resultante momentânea é igual a zero. Ou seja, há um empate ou paralisia na ação política dos diversos atores em campo.

Pela primeira vez em 16 meses, Bolsonaro perde a capacidade de surpreender. Há algumas semanas, o domingo passou a ser o dia da catarse. É o momento em que o presidente açula a malta miliciana, com insinuações golpistas claras. Não tem falhado. O indigitado possivelmente conversa com os filhos e outros celerados no sábado para planejar o pancadão da manhã seguinte.

NA NOITE DE DOMINGO, lideranças políticas acorrem ao Fantástico e espancam o führer de língua presa a não poder. De vez em quando alguém anuncia uma revelação-bomba que comprometerá indelevelmente o mandatário, como fizeram Mandetta e Moro.

Na segunda-feira, os chefes militares mandam ao distinto público uma carta enigmática, afirmando que “As Forças Armadas seguem cumprindo seu papel constitucional”. O STF, por sua vez, se vê impelido a barrar mais algum excesso autoritário. O presidente aparece novamente em público e diz que a imprensa “canalha” descontextualizou suas falas e afirma que não é nada disso e recua. Os donos do capital fazem cara de paisagem.

NÃO SE SABE SE TAL ROTINA aguenta mais uma semana. Mas sua repetição até aqui mostra que Bolsonaro está paralisado e acuado. Perdeu sua principal característica de governo: dar vazão ao seu verbo terrorista e desestabilizador. Pois Bolsonaro não consegue exercer o poder na estabilidade. Não é seu ambiente. Age como líderes extremistas faziam nos anos de implantação do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Precisa surpreender para pautar a agenda nacional e se colocar sempre na ofensiva. Sturm und drang na veia! Nessa cadência, todos os outros atores políticos tiveram de agir responsivamente às suas ações, desde o início do mandato. Ou seja, na defensiva. Isso parece estar mudando.

HÁ UM NOVO NORMAL na barbarização cotidiana brasileira. Falando sociologicamente, a superestrutura absorveu e mostra flexibilidade na contenção dos impactos políticos oriundos do Executivo. E ninguém avança uma casa sequer no xadrez do poder.

Rodrigo Maia não acolhe nenhum pedido de impeachment, o STF funciona como muro de contenção e não vai além e as FFAA investem em mensagens cifradas. A Globo bate e a oposição faz o que pode, mas o que pode não é muito. Depois do desastre dilmista, o maior partido dessa vertente perdeu discurso e ímpeto para voltar ao jogo.

MAS HÁ UMA VARIÁVEL IMPONDERÁVEL e poderosa que pode desestabilizar o novo arranjo político conquistado ad hoc.

Trata-se da curva ascendente da pandemia do novo coronavírus e a curva descendente da economia. Em ambas, há a vida de milhões de brasileiros pobres que enfrentam o alastramento da morte e o desespero do desemprego e da chantagem governista. A quebradeira de empresas vai aumentar, pela falta de crédito que deveria ter chegado por ação estatal. Esta parece parece estar propositadamente bloqueada para os de baixo.

O caos é o ambiente de Bolsonaro, como visto até aqui. A possível depredação de uma agência da Caixa, ou a eventual volta de saques em supermercados por justo desespero popular – como registrados na recessão de 1982-84 – podem servir de pretexto para uma ação repressiva séria. Ou para iniciativas terroristas de milícias diante de possível inação – deliberada ou não – das forças de segurança oficiais.O caso do motim miliciano do Ceará está fresco na memória de todos.

O EMPATE CATASTRÓFICO – para roubar o conceito gramsciano, com liberdade poética – aparenta ser momentâneo diante da hecatombe social em curso.

O melhor seria que os atores do topo da pirâmide institucional com compromisso democrático mexessem alguma peça decisiva para retirar a caneta e o diário oficial das mãos do celerado, ou para imobilizá-lo de vez. Trata-se, claro, de mero wishful thinking.

REPETINDO: por enquanto, o vetor resultante está zerado. No entanto, a tensão deste empate é avassaladora, se olharmos para baixo. E pode detonar qualquer estrutura de contenção de uma hora para outra.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

3 Comentários

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  1. Por essas e outras análises abstratas, superficiais e derrotistas se entende como o campo progressista foi varrido tão facilmente no Golpe de 2016. EM 2018 quando Bolsonaro foi eleito, ele tinha:

    – Maioria esmagadora no Congresso e Câmara;
    – apoio velado de todos os grandes grupos de mídia do país;
    – apoio explícito ou implícito de todos dos grandes grupos econômicos produtivos do país;
    – apoio explícito ou implícito de todos dos grandes grupos econômicos ruralistas do país;
    – apoio explícito ou implícito da maioria da cúpula e pessoal de baixa patente das Forças Armadas;
    – apoio explícito ou implícito de todos dos grandes bancos privados do país;
    – apoio explícito ou implícito da maioria das igrejas neopentecostais e de várias outras vertentes religiosas;
    – apoio extremado de mais de 1/3 do eleitorado, incluindo a maioria da classe média e alta do país;
    – apoio por indiferença de mais de 1/3 do eleitorado heterogêneo que aceitou Bolsonaro pelo antipetismo ocasional;
    – apoio ou indiferença da maioria dos ministros do STF;
    – principais ministros, como segurança e economia, eram figuras fortemente apoiadas por todas as forças citadas anteriormente.
    – uma grande máquina de fakenews trabalhando 24h por dia a seu favor.

    Em apenas um ano meio, com a oposição progressista completamente neutralizada e com o mais amplo conjunto de forças apoiadoras que um governante já conseguiu na história do país, Bolsonaro já conseguiu as seguintes façanhas:

    – perdeu sua maioria no Congresso e Câmara, que já atuam com agenda própria, mesmo ocupando vários cargos no governo e votando em matérias de interesse comum.
    – perdeu apoio do maior grupo de Mídia do país, a Globo, e já é criticado abertamente pela maioria dos grupos de Mídia;
    – perdeu apoio de boa parte das grandes empresas do país por não conseguir alavancar o consumo para girar o comércio, mesmo destruindo quase todos os diretos trabalhistas existentes.
    – perdeu apoio de boa parte das grandes ruralistas do país devido suas estripulias nos assuntos externos, mesmo liberando implicitamente o desmatamento, invasão de áreas indígenas e agrotóxicos.
    – perdeu apoio incondicional da cúpula e pessoal de baixa patente das Forças Armadas, que já tentam se desassociar ou segurar as loucuras do seu governo;
    – os bancos privados ainda mantêm seu apoio mas já olham com desconfiança suas estripulias que causam instabilidade constante.
    – embora os neopentecostais sejam seus mais fanáticos defensores, o setor religioso no geral já começa sua debandada para não ficar associado futuramente as loucuras do Presidente.
    – perdeu o apoio incondicional de 1/3 do eleitorado que inclui a maioria da classe média e alta do país que embora se mantena de extrema-direita, rachou devido a guerra interna da pŕopria extrema-direita;
    – perdeu o apoio por indiferença de 1/3 do eleitorado heterogêneo que aceitou Bolsonaro pelo antipetismo ocasional;
    – perdeu o apoio por indiferença dos Ministros do STF devido as suas investidas contra a entidade.
    – criou uma guerra interna em seu próprio partido, chegando ao cúmulo de Deputados de seu próprio partido pedir impeachment;
    – falhou miseravelmente na criação do seu próprio partido;
    – perdeu, brigou ou criou intrigas com os principais nomes do seu governo que tinham aval de suas forças apoiadoras, gerando um racha mesmo em sua em sua base eleitoral mas extremada;
    – perdeu apoio das forças policiais lavajatistas que estão na sua cola devido as suas falcatruas no RJ e saída do Moro do governo;
    – Sua máquina de fakenews começa a ser desarticulada na medida que volta suas forças aos seus antigos aliados da direita.

    Resumindo, Bolsonaro é um morto-vivo que não governa e só não foi derrubado ainda justamente por isso. Seus dias estão contados na Presidência e as forças que outrora os apoiavam só esperam o melhor momento para isso. Bolsonaro sofrerá impeachment não pelas loucuras que fez mas sim porque se ele continuar até o final do mandato, a centro-esquerda tem boas probabilidades de voltar ao poder, e os verdadeiros donos do poder não pode permitir isso depois de tanto investimento no Golpe de 2016.

  2. O REI ESTÁ NU!
    Está mais claro que o reflexo de Narciso: a retórica fascista é seu único modo de governar. Ao criar inimigos de moinho, ao declarar nenhum apreço à democracia, ao tentar anular os demais poderes da República, repete-se como farsa a tragédia de outrora.
    Ao terceirizar a política econômica a um conhecido operador do mercado financeiro, recebeu a carta branca, mas branco também era o seu projeto de país, pois construiu sua carreira como bom parasita que sempre foi. Não esteve implicado na Lava Jato porque simplesmente não tinha nenhuma influência no congresso, e a atual relação com seus atuais membros só reforça o pouco manejo de negociação, só bem negocia quando se trata de automóveis e laranjas.
    Na demissão de seu ministro-midas, ficou mais nítido o belo traje do rei, mesmo para aqueles que insistiam em ver belo veludo produzido pelo astuto alfaiate.

  3. Nassif: o texto do Maringoni tá enxuto e preciso. Mereceria extensão maior seu “xadrez”. Sendo o comando dos VerdeSauvas, chamaremos de AberturaEsdruxula, com variantes NaziFascistas. Abrirão, numa só tacada (jogando de Brancas) b3g3. E você dirá isso não é xadrez. Mas esquece estamos falando de generais, e o movimento é chamado “variante da baioneta e da bala”. Qualquer que seja a resposta dos KummunistasEsquerdopatas, os milicos liberarão seus bispos (CaifásDoBras e ProfetaMaldito) para dominar as grandes diagonais (mídia e fakenews). Em seguida moverão seus Cavalos para c3 et f3 (milícias civis e militares). Em seguida, colocarão seus Peões (Congresso safado e Judiciário conivente) rumo ao Centrão (ProstitutaPartidário/X-9 e Pessoal de Mugi) e começarão o massacre (Mercado e Bancos). A oposição, como sempre, esboçará movimentos de defesa do Povão. Mas os PobresDeDireita (veja a lição de TimMaia) de alguma forma facilitarão para as Elites, como sempre fazem. E pro desfecho final os das fardas Verde et Azul converterão o “XadrezEsporte” para “XadrezPrisão”, como é de seus feitios…

    PS.: Os comentários do Juliano e do Hugo dão um toque brilhante ao artigo. ArrasEguas, seu Blog tá se superando a cada matéria publicada.

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