Dez anos sem Leonel Brizola: balanço e legado político

Político controverso, odiado e igualmente reverenciado por muitos, Leonel de Moura Brizola faleceu em junho de 2004 e, ainda hoje, não são poucos os debates acalorados que giram em torno do seu nome e do seu legado político. Algumas ideias e iniciativas adotadas pela longeva carreira política de Brizola, já na segunda década do século XXI, persistem em ser apropriadas por diferentes agrupamentos políticos, organizados sob a forma dos partidos políticos ou por demais modalidades de ativismo político, sobretudo entre os jovens ciberativistas. Nesse sentido, ao expressar um vigor que consegue ultrapassar as barreiras do tempo e das gerações, vale fazer algumas observações sobre o legado desse importante personagem da história republicana brasileira.

A historiadora Lucília de Almeida Neves Delgado – destacada pesquisadora do trabalhismo brasileiro –, ao analisar o Partido Trabalhista Brasileiro do período anterior ao golpe de 1964, considera Brizola como integrante de uma ala partidária peculiar, a que a autora chama de “reformista pragmática”. Isto é, uma ala forjada sob a combinação das experiências políticas petebistas do pragmático Getúlio Vargas e do reformismo idealista de Alberto Pasqualini. Uma ala que ganhou projeção entre os trabalhistas em meados dos anos de 1950 e que foi marcada pela conciliação entre a adaptação pragmática às circunstâncias políticas e a defesa empedernida de ideais programáticos. Transcendendo o marco temporal explorado pela historiadora, nos parece correto afirmar que a trajetória política de Brizola foi marcada por essa tensa relação entre pragmatismo e idealismo. Em outros termos, operando com o instrumental weberiano, se pode argumentar que o velho “caudilho” caminhou na tênue fronteira entre a “racionalidade orientada para fins”, de natureza instrumental e pragmática, e a “racionalidade orientada por valores”, cuja ação tende a ser norteada por ideais tidos como inegociáveis, a despeito dos resultados concretos e imediatos.

Na prática política cotidiana, o pragmatismo tende a implicar em ganhos políticos eventuais, mas também em ações incongruentes com as ideias públicas defendidas. Já o idealismo da “racionalidade orientada por valores” pode propiciar, para o político profissional, em derrotas eleitorais e perdas de apoios, mantendo, contudo, a coerência entre ideias e prática política. Seguramente, tal ambiguidade tipificou a trajetória de Leonel Brizola. Diga-se, uma ambiguidade que não diminui a relevância histórica do ex-governador do Rio Grande do Sul (1959-1962) e do Rio de Janeiro (1983-1986 e 1991-1994), pois se trata de uma trajetória incomum para os padrões políticos nacionais, que folgada e principalmente nas últimas décadas tem revelado uma nítida prioridade concedida aos ganhos eleitorais. A “governabilidade” ou a “Realpolitik”, como dizem alguns, de longe tem orientado os partidos e a classe política no país.

O apoio recebido, em 1958, dos integralistas na campanha ao governo estadual gaúcho, e uma nada criteriosa acolhida de quadros políticos ao seu Partido Democrático Trabalhista, na esteira da redemocratização nas décadas de 1980 e 1990, são dois típicos exemplares do cálculo pragmático de Brizola. Não deixaram de gerar significativos desgastes políticos, possivelmente redundando na absoluta distância atual entre o PDT e as antigas bandeiras trabalhistas de Brizola. Todavia, as suas ações anti-imperialistas no governo gaúcho, estatizando empresas concessionárias de serviços públicos em mãos do capital estrangeiro; a sua veemente crítica ao conservadorismo do Congresso Nacional e à estreiteza da democracia representativa, acompanhado de um saliente apoio à participação popular direta nos processos decisórios, na antesala do golpe civil-militar de 1964; o seu empedernido combate contra o oligopólio midiático, especialmente traduzido pelo antagonismo em face das Organizações Globo; a defesa dos direitos humanos estendidos às populações pobres e miseráveis das favelas cariocas, eis algumas iniciativas e perspectivas que expressam uma prioridade brizolista dada às ideias, colocando para escanteio os resultados políticos prováveis. Para Brizola, o exílio e a demonização pela estrutura de poder, nacional e internacional, restaram como consequências das suas costumeiras iniciativas que compatibilizavam retórica e ações políticas.

Mas, em um balanço político, o que dizer para a juventude, ampla e justificadamente descontente com o perfil dos partidos políticos brasileiros e, de resto, com a nossa democracia representativa que bloqueia a participação política popular? Qual o legado de Brizola? Indiscutivelmente, um saldo positivo se pode extrair do universo de experiências e de princípios políticos anos a fio esposados por Brizola. A sua inquietude e o seu inconformismo visceral – inclusive de armas nas mãos, para defender a democracia, como na Campanha da Legalidade de 1961 – não deixam de expressar um frescor juvenil, tão necessário à política brasileira. O “Império” – apoiado em uma ampla coalizão de forças internacionais, como as corporações internacionais e o governo dos Estados Unidos –, o qual o pensador contemporâneo Antonio Negri classifica como eixo da espoliação e do domínio mundial, foi recorrentemente apontado por Brizola como um grande inimigo da qualidade de vida e da soberania brasileira. As nossas “perdas internacionais”, segundo a cantilena brizolista, persistem, apesar de esquecidas pela agenda pública. Interesses poderosos, é claro, assim o querem e grossa parte dos atuais representantes políticos evitam tratar do tema. Desse modo, o inconformismo, a ação política guiada por valores e o anti-imperialismo são algumas heranças indiscutíveis oferecidas por Brizola. Um legado que guarda um fecundo potencial rejuvenescedor para a amesquinhada política brasileira.

 

Por Roberto Bitencourt da Silva.

 

 

 

 

 

 

 

Redação

4 Comentários

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  1. De uma coisa eu tenho

    De uma coisa eu tenho certeza. Estivesse Brizola  vivo e os Lasier Martins da vida não teriam espaço em seu PDT.

  2. Brizola: Herói na luta contra o PiG!

    Leonel Brizola é referência de luta por um Brasil soberano e justo.

    Sabia exatamente quais interesses defende o PiG. E combatia a máfia da globo com muita coragem.

     

    Leonel Brizola é um herói do povo brasileiro! Já roberto marinho… rsrs

    Chupa, globo!

     

  3. Ainda?
    Perdeu: não ganhou, não mudou nada, satisfez seu ego e continua vivo na memória nacional atrapalhando nossa vida política. Exemplo difícil de ser seguido hoje.

    O mundo mudou muito minha gente. Parem de olhar pra trás.

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