Estado deve indenizar presos submetidos a situações degradantes?, por Percival Maricato

Direitos

Estado deve indenizar presos submetidos a situações degradantes?

por Percival Maricato

Com decisão favorável do STF, mais de 1 milhão de ex, atuais e futuros presos ajuizarão ações contra os estados. A conta será paga pelo contribuinte

O STF  decidiu que presos submetidos a condições degradantes em presídios devem ser indenizados pelo estado responsável; a quase totalidade dos demais juízes devem seguir a orientação. De fato, é dever do estado onde o preso cumpre pena que o faça em segurança e em condições mínimas de dignidade humana, o que sabidamente não ocorre em pelo menos 90% dos presídios. Estes estão mais para depósitos de gente. O direito a condições civilizadas está na Constituição. Há os que acham que preso não merece outro tratamento. Mas o poder público não é instrumento de vingança, não pode descer no mesmo nível e tratar um delinquente de forma delinquente só acaba por ensinar a ele que a delinquência é a normalidade. Nada mais natural que ele volte a delinquir ao sair.

“Tratar um delinquente de forma delinquente só acaba por ensinar a ele que a delinquência é a normalidade.”

No entanto, há diversas outras considerações, que não estão sendo levadas em conta nos comentários da notícia. Evidente que o STF não pode julgar como se estivesse em uma redoma de vidro.

Indenização hilária

A vida do preso que não tem grana, diploma superior ou influência para ser levado a uma cela decente,  equivale à descida ao inferno. Ele não terá paz nem de dia e nem de noite. Em muitos casos, se for jovem e não tiver renome no mundo do crime, terá que matar o (s) agressor (es) que o receberão ou terá que namora-lo (s); o que ganha de seus parentes para usar na cela, uma bolacha, um sabonete, uma toalha, será tomado tão logo o carcereiro fechar a porta; se falta espaço para todos, terá que ficar encolhido; a comida é horrorosa, mas se um outro preso maior ou de algum comando tiver fome, ele terá que servi-lo e esperar pelo dia seguinte para comer. Tudo isso ainda pode piorar se os chefes de cela determinarem a ele que mate algum desafeto ou assuma o assassinato no inquérito. À noite muitos roncam,  há odores nada agradáveis, luta-se por espaços, alguns querem conversar e então é preciso esperar que acabem para se tentar dormir. Têm os que falam sem interlocutores, sozinhos, à noite toda, e as vezes também pelo dia. Em geral é mandar ou obedecer, no limite matar ou morrer. Dizer que viver anos assim é degradante é muito pouco. A indenização prevista na decisão de primeira instância, confirmada pelo STF, de R$ 2 mil, de  uma década atrás (agora R$ 14 mil, mas devido a anos de correção e juros), chega a ser hilária, é outra piada.

E o drama de quem espera decisões do Judiciário?

Mas não é só nas prisões que os brasileiros sofrem. Se é para fazer justiça, como ficam as decisões do Judiciário, que levam anos para serem dadas? Essa em comento, por exemplo. De tão demoradas que as vezes ficam inúteis. Dezenas milhares de idosos falecem esperando pelo pagamento de precatórios, municipais, estaduais e federais. Pagamentos esses que o Judiciário, quando deles os credores tentaram se socorrer, sempre deu um jeito de empurrar com a barriga, permitiram adiamentos que hoje podem durar mais que quinze anos. Quando os ministros do STF julgarão milhares de processos que há mais de uma década esperam em suas gavetas? Não existe aí dano material e moral decorrentes da espera, da cruel espera pelo recebimento do direito? Ninguém será condenado?

Consequências da decisão do STF

Em decorrência da decisão do STF, centenas de milhares de presos atuais,  outro tanto que já deixou a prisão e muitos que ainda serão presos, irão pleitear indenização. Pode-se contar com centenas de milhares de novas ações nos próximos dias.

Cada juiz de primeira instância, já sobrecarregado, receberá algo como mais mil processos para instruir e julgar. Se um pedido de ressarcimento por danos decorrentes de uma simples colisão de veículos levava dois anos para receber uma sentença, logo mais a espera pode ser de três ou quatro anos. Há que se considerar que na maioria dessas ações tanto os autores como as testemunhas estarão presos, e terão que ser levados a audiência por policiais.E como não temos juízes e policiais sobrando… nada a comentar.

Por outro lado, há outra divergência jurisprudêncial quanto a morte de  presos. Todo dia alguns são assassinados. Nas últimas rebeliões foram dezenas. As famílias entravam com ações de indenização e havia magistrados que reconheciam esse direito e outros não. A decisão do STF pesará para confirmar a responsabilidade dos estados pelas mortes, e nesses casos as indenizações serão muito maiores.

Quem paga a conta

Temos no país cerca de 711 mil presos. Uma pequena parte é tratada em condições não tão anormais a ponto de serem chamadas de degradantes. Cerca de 600 mil podem ajuizar ações, sem contar os ex e os futuros presos.  Se o valor individual é inexpressivo, o total assumirá dimensão estratosférica. Além das indenizações, some-se também  juros, correção, o custo do juiz, do defensor do erário e do advogado. Pode haver juiz que não se conforme em condenar a indenizações hilárias. Lembremos que os estados sequer conseguem aumentar salários de policiais em pé de guerra, ou pagar precatórios dos idosos que estão morrendo.

A decisão do STF não faz justiça ao preso e implica em uma conta enorme para o contribuinte, Somos os condenados.

Percival Maricato

Percival Maricato

Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

Percival Maricato

Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

View Comments

  • O stf: cemitério do Direito e do bom senso!

    Como sinal de que está com o fod*-se ligado, e resolveu assumir de vez o seu viés classista (ao rico o privilégio, ao pobre o chicote), o stf resolveu dar contornos patrimoniais ao conflito, delimitando um valor que tornará privado uma questão de políticas públicas...

    Sim, porque a indenização é sempre resultado de um pedido, e não paga automaticamente...Como cada processo é um processo, e nem todo mundo vai pedir até porque advogado bom custa caro, e a defensoria não atende a demanda), está claro que as coisas vão ficar do jeito que estão por um preço módico...

    Ainda que fosse, é algo louco imaginar que se obrigue a pagar depois por um dano imensurável, como é a tortura de ficar preso em uma masmorra medieval, ao invés de determinar que os presos sejam antes tratados como manda a lei.

    Essa lógica povoa nosso judiciário faz tempo, e veio contrabandeada em outros temas.

    Como o aparato neoliberal sequestrou o Estado, seu poder concedente e tributário, bem como seu poder de polícia, coube ao judiciário arcar com o ônus da privatização dos conflitos administrativos, tomando-os como judiciais.

    Explico:

    Com a privatização, era preciso um ambiente favorável às empresas, criando toda sorte de embaraços e atalhos para que o Estado nunca exercesse seu poder de fiscalização de contratos com os consumidores, os investimentos prometidos e as metas assumidas.

    Todo mundo sabia que as empresas cagariam mole para as relações de consumo, e era preciso retirar do Estado a possibilidade de intervir nesse processo, com multas ou interdições e o mais temido: o cancelamento da privatização por dsescumprimento reiterado por parte das empresas...

    Foi assim que os juizados especiais, e o chamado de direito do consumidor criaram força para substituir o papel administrativo fiscalizador que cabia ao Estado, levando o conlfito para uma seara já tabelade de direitos e pretensões, ou seja, onde as indenizações já eram limitadas, em troca da chantagem da demora do processo.

    Desconsidere as piadas chamadas Procons...

    Quer receber rápido pela lesão ao seu direito, então "vende" sua pretensão antes por menos que 20 ou 40 Salários Mínimos.

    Assim, as empresas escaparam da esfera pública, privatizaram o conflito em lides cujos valores de indenizações já sabiam, deixando o ônus e a sobrecarga para o judiciário, que em nome do seu pretendido protagonismo, mordeu a isca e abraçou a ideia.

    Claro que tanto "aúmulo" teórico para justificar tal consenso se deu a toneladas de seminários pagos aos juízes em ressorts pelas empresas interessadas.

    Recentemente, para provar essa  tese, morreu um juiz do stf no avião do réu, que estava a caminho de um de seus hoteis...

    Agora, fechando o cerco na esfera criminal, vem a tal da indenização sobre abusos penitenciários.

    Mas há muito mais por trás...o que essa decisão esconde é a base teórica para que as empresas privadas atuem diretamente no sistema penitenciário saibam antes quanto vai custar o passivo jurídico, assim como fizeram com as teles e todas as outras empresas privatizadas.

     

  • Faça-se justiça ainda que o mundo pereça

    Qual seria a solução, Percival?

    Seria por acaso uma indenização mais elevada ainda? Bem, se for este o seu ponto de vista, a nossa condenação se elevaria.

    Construir mais presídios e melhorar as condições dos já existentes? Se for este o caso, os que já sofreram a degradação não seriam indenizados.

    Percival, você está parecendo gêmeo siamês com o Merval Pereira, o qual afirmou no seu artigo de título Decisão Equivocada::

    "Diante da situação econômica do país, a decisão do Supremo Tribunal Federal parece no mínimo insensata. A corrida pelas indenizações já deve ter começado, e o Estado brasileiro simplesmente não tem condições de fazer frente a esse gasto adicional. Há informações de que já existem vários presos e pessoas de suas famílias dando procuração para a abertura de processos contra o Estado, um prejuízo bilionário aos cofres públicos".

    De minha parte, sou adepto do brocardo latino "Fiat justitia, ruat caelum".

    Se tem dinheiro para pagar penduricalhos e supersalários para juízes e promotores, para doar ao agronegócio e prá tantas outras merdas, porque não tem dinheiro para indenizar essas vítimas de injustiças que desafiam os céus?

  • O Estado não deve submeter presos a situações degradantes

    Mas como os submete, deve reparar os danos, isto é, deve, sim, indenizá-los.

    Se há dinheiro para pagar supersalários para agentes públicos bem como para doar ao Proer e ao Agronegócio, que causam enormes danos sociais, porque não teria recursos para indenizar os presos sob sua custódia, submetidos a situações degradantes?

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