Ex-primeiro-Ministro da França, Villepin fala da importância das eleições brasileiras para o mundo

Ex-primeiro Ministro da França, Dominique de Villepin fez um discurso antológico no evento “Seminário Internacional – Ameaças à Democracia e à Ordem Mundial”, que está acontecendo em São Paulo.

Aqui, um resumo da sua fala:

A crise nos faz pensar, a nós europeus, que o que está acontecendo no Brasil é evento da maior importância. O mundo conta com o Brasil porque vemos em toda parte, e aqui também, o medo, o ódio e a violência política crescentes. Este é o maior perigo para a democracia.

Os fatores geopolíticos

Há três desequilíbrios importantes e com grande ressonância aqui.

O primeiro é o desequilíbrio geopolítico, tão importante como as mudanças ocorridas entre o século 15 e o 16. O país que foi o maior ator da vida internacional, Estados Unidos, está em queda, e outro país, grande civilização, a China, subindo. Muitas das tensões do mundo aumentam porque está em jogo quem será o novo primeiro país do mundo.

Acontece que os EUA não querem descer e estão jogando muito duro. E o que parece ser a brincadeira de um homem, Donald Trump, na verdade é um jogo muito mais profundo.

Começou antes de Trump e vai continuar depois de Trump. Irão fazer tudo para que a China não consiga ser nos próximos anos a primeira potência do mundo.

É um combate total, com riscos militares, tecnológicos, a questão das tarifas.

EUA e Trump não tiveram receio de atacar as instituições que ousaram criar a ordem internacional pós 1945, que é uma ordem democrática e multilateral. Foi uma bobagem imaginar que a democracia liberal ganharia em toda parte. Por isso estamos novamente diante de um impasse da história e os EUA e a administração Trump estão pensando que o caos é favorável aos EUA.

Por isso atacam as regras, as instituições, criticam a COP 21, os tratados internacionais. E s as instituições que garantiram a paz internacional nas últimas décadas.

Agora pensam que há grupos sociais que podem mandar em outros, que a cor de pele pode mandar.

A luta no Brasil

Outro fator de desequilíbrio são as desigualdades crescem em toda parte. Estamos vendo a diferença incrível que vai se estabelecendo entre elite e pobres, entre países e dentro de cada país.

A globalização ultraliberal faz com que ricos sejam cada vez mais ricos e os pobres acabem pagando o preço dessa globalização.

É o que está acontecendo no Brasil. Porque o Brasil foi nos últimos anos um ator maior do jogo internacional. E isso em grande medida devido a ação do presidente Lula, de Celso Amorim e da afirmação do Brasil como ator internacional.

Essa postura mudou muita coisa.

Os países emergentes, junto com os BRICs, representou uma mudança importante. Não só Europa e EUA eram agora o centro do jogo. O olhar das exigências do mundo foi mudando graças ao Brasil, principalmente porque o Brasil se comprometeu muito na busca da paz, justiça e democracia no mundo, abrindo-se para Oriente Médio e África. Tudo isso ajudou a mudar a percepção da sociedade internacional.

Outro elemento, tão importante, foi a busca da justiça social no Brasil. Cada um de vocês sabe, muito melhor do que eu, das paredes invisíveis que ainda existem neste país. Atacar essas paredes invisíveis para fazer com que Brasil possa existir como nação é um desafio da maior relevância. E foi importante graças ao presidente Lula.

A admiração por Lula

Lembro da solidariedade a amizade do presidente Chirac e Lula pelo reconhecimento da contribuição que Brasil estava dando ao mundo em termos de responsabilidade, justiça e ideias novas. Porque é preciso imaginação no mundo, sempre procurar encontrar situação melhor.

Hoje estamos em ponto de inflexão no Brasil que, ou Brasil escolhe caminho da democracia e continua respeitando as regras da democracia e o que é mais importante para o povo ou, do contrário, irá rumo à violência politica com mais ódio e mais medo. E essa é uma aventura sem fim, que se conhece muito bem na América Latina e em outros países.

Nesse momento devem entender que o combate travado aqui é acompanhado por nós europeus. A situação da democracia liberal na Europa, o crescimento da democracia não-liberal em países como Bulgária, Polônia, Hungria, é um desafio para a União Europeia.

A polarização no mundo

Mas nesse mundo do século 21 a questão é polarizar ou tentar procurar o diálogo, compreender melhor o que está por trás desse movimento é o medo ante problemas que não foram suficientemente tratados.

O que está em jogo no Brasil é da maior importância. Vemos crescer a linha de separação entre democracia e regimes democráticos.

A nova ordem

Precisamos sair da desordem que existe na mente da maioria das pessoas. Precisamos ter clara as regras. Hoje em dia existem novas ideologias muito eficazes, o ultraliberalismo, que quer transmitir a sensação de que tudo vai se resolver eliminando todas as regras

O populismo conservador de um Trump que pensa que com promessas, palavras e satisfações para as elites, de crescimento da economia.

Há uma falsa percepção de que a tecnologia vai resolver tudo, não. Estamos em mundo do qual a política é mais importante que nunca na história humana.

Nos anos 80, 90 e 2000 a ideia era que o economicismo iria resolver tudo. Mais importante é a capacidade política.

Outra ideologia muito forte, a das redes sociais, que faz com que estejamos no mundo da pós-verdade. Pode-se dizer todo tipo de bobagem, porque uma ideia vai ajeitando a outra.

Por isso devemos levar em consideração as lições da história para que não se repitam a estupidez de antes.

As regras sofreram muito. O primeiro golpe foi o desacato por uma visão tecnológica das regras. Nossos amigos alemães pensaram que tudo na Europa seria bem com austeridade para todos. E os gregos pagaram muito caro.

A regra da ortodoxia não é suficiente porque por trás das regras há pessoas que têm fomes e problemas e n se pode satisfazer como visão fria das regras.

A proliferação de objetivos

O segundo problema é a proliferação. As regras que vão proliferando e não podem ser compreendidas, tantas são as regras. Os povos precisam de dois ou três objetivos claros e as regras precisam seguir esses objetivos para que o caminho bem compreendido e os avanços podem ser medidos.

No combate entre regimes autoritários e democráticos, a capacidade de convencimento dos autoritários parece maior em muitos países. Nas Filipinas pôde-se dizer tudo sem limites, a vida humana não tem relevância.

Por isso a definição de uma regra humana deve estar no centro do respeito à democracia.

A vida comum democráticos precisa de uma base, e a base é a ordem, e a ordem é a regra compartilhada a serviço de todos. E também necessário um objetivo. E a capacidade de colocar novamente a história em movimento, colocando a política a serviço do povo.

Isso pode dar nova esperança ao Brasil. Sou muito otimista de que Brasil possa se levantar de novo com essa esperança.

Vocês tiveram nos últimos anos, na missão do presidente Lula, de mudar as coisas neste país. E ele deu uma lição importante para cada um de nós: nós podemos pensar se esta é a solução. O que precisamos, como europeus e cidadãos do mundo, por isso obrigado por trabalharem por um futuro que possamos compartilhar todos, uns pelos outros, uma nova esperança compartilhada.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • É contradição em cima de contradição
    Os ditos liberais contra o aborto mas a favor do assassinato de pobres

    Falam em meritocracia mas tentam perpetuar suas famílias no poder, onde o único mérito é ser "bem nascido"

    Vociferam por justiça mas só contra desafetos, pois contra eles é sempre tarda e falha

    E se alguém ousar ser a favor da igualdade e da decência, vai ser preso e condenado e perseguido...

  • O Brasil - dois brasileiros* - e seu papel no mundo.

    "O olhar das exigências do mundo foi mudando graças ao Brasil, principalmente porque o Brasil se comprometeu muito na busca da paz, justiça e democracia no mundo, abrindo-se para Oriente Médio e África."

     

    *Sem demérito a tantos brasileiros do passado, de Celso Furtado e Paulo Freire a Osvaldo Aranha e Sérgio Vieira de Mello, ou do presente, essa grande obra é fruto, principalmente, de Lula e Celso Amorin.

  • E o FHC?
    Não li inteiro, mas até onde li, não encontrei nehuma menção ao FHC! Estou certo? Não há mesmo? Que injustiça........ķkkkkkkķ....

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