O banquete dos vitoriosos, militares e juízes, por Luis Nassif

Para os que perdem o sono com a expectativa de ampliação e a institucionalização do poder militar, não se enrolem em dúvidas: já se está em pleno processo a institucionalização do poder militar. Ou seja, é fato.

É curioso acompanhar jornalistas escandalizados com as afirmações bizarras dos generais Augusto Heleno e Eduardo Villas Boas, de que Bolsonaro foi o caminho utilizado pelas Forças Armadas “para libertar o Brasil do socialismo”. Jornais e jornalistas que chegaram a incluir o decreto da participação social na relação das medidas bolivarianas, que escandalizaram meras intervenções na Wikipedia como sinais da ameaça totalitária, agora se espantam com o fato de os militares terem acreditado em seus fakenews.

Em sua entrevista à Globonews, o general Augusto atribuiu a um genérico “direitos humanos” o fato de haver traficantes armados de metralhadoras. Ninguém ousou questioná-lo, lembrando do papel das milícias, compostas por ex-PMs e ex-militares, ou indagando dele que organização de direitos humanos, cáspite!, defenderia traficante armado. Pode uma afirmação dessa gravidade, do segundo homem da hierarquia do governo, passar sem nenhum questionamento? E nenhuma objeção aos episódios narrados, que supostamente demonstrariam a propensão bolivariana de Dilma: uma suposta intenção de interferir nos currículos dos colégios militares

O governo Dilma era tão temeroso em relação aos temas militares, a ponto de abafar os trabalhos da Comissão da Verdade, da Anistia e dos Desaparecidos. E recuar rapidamente no projeto dos conselhos populares, um avanço democrático (e gerencial) fantástico, assim que foi taxado de “bolivariano” pelo jornalismo de guerra.

O general acertou em cheio, no entanto, quando indagado sobre os malefícios para o governo Dilma da extinção do Gabinete de Segurança Institucional (GSI): “Ela ficou sem informação e perdeu o mandato. Preciso falar mais?”. Claro que não. Foi o mesmo erro no qual incorreu Fernando Collor, ao fechar o SNI (Serviço Nacional de Informações), ao invés de direcioná-lo para estratégias de defesa do Estado e da presidência.

Há muito tempo as Forças Armadas já trabalhavam com o conceito de guerra híbrida especializaram-se em guerra eletrônica. No antigo Brasilianas, entrevistei especialistas da ABIN e do Exército, sobre esse novo campo. E, em uma guerra que foi fundamentalmente de informações, nem o governo Dilma, nem o PT, cuidaram minimamente de uma estrutura especializada para esses jogos, nem após a revelação da espionagem da NSA.

É óbvio que a criação do fantasma do chavismo foi peça central em um jogo de tomada de poder, assim como a bandeira da luta anti-corrupção foi um mero pretexto para juízes escalarem a carreira política.

Militares e juízes foram essenciais para a eleição de Bolsonaro, mantendo Lula fora do jogo: o desembargador João Pedro Gebran Neto, com a condenação em segunda instância; o general Villas Boas calando qualquer manifestação do STF com um mero Twitter. E sempre jogaram estrategicamente com vazamentos, como foi o infausto grampo do diálogo entre Dilma e Lula.

Depois de conquistado o poder, com Bolsonaro, todos passam a se comportar como conquistadores, novos-ricos do poder, curtindo com regalo a tomada da cidadela Brasil.

É o caso do juiz Marcelo Bretas, celebrando a vitória com o novo governador do Rio, Wilson Witzel, inclusive aceitando sua carona para a posse de Bolsonaro. Ou o desembargador Gebran Neto sendo homenageado pelo novo governador do Paraná e exibindo a companhia de Joice Hasselman, YouTuber que se notabilizou pelo antipetismo. E, no caso mais emblemático, Sérgio Moro assumindo formalmente seu espaço no novo latifúndio.

Não se parou nisso. A criação de versões fantasiosas da realidade tornou-se uma indústria disseminada. Não há mais divisão entre a realidade e a fantasia, fatos e versões. Vive-se um período de absoluta irracionalidade, um mundo de alucinações, de pesadelos, sem nenhuma âncora nas avaliações racionais, uma espécie de Labirinto de Creta no qual a única certeza é encontrar um Minotauro no final do caminho.

Agora, o grupo que pretendia “refundar” o país, implantar o “Iluminismo”, apud Ministro Luís Roberto Barroso, conseguiu implantar um governo que se baseia em 4 paradigmas, de acordo com a definição do cientista político Renato Lessa:

  • Em vez da democracia popular do PT, o Paradigma da Ponta da Praia, a menção ao local de desova de corpos na ditadura.
  • Em vez do republicanismo ingênuo, o Paradigma do Horror à Mediação.
  • Em vez do projeto nacional, o Paradigma Patriótico, antiglobalização, anti diversidade, alicerçada na mais rotunda religiosidade.
  • Em vez das políticas de diversidade, o Paradigma Antimodernismo, instituindo a teocracia no comando do país.

Agora é esquecer o leite derramado e montar uma frente contra o obscurantismo.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • eis aí o retrado da tua desgraça, Brasil...

    com promessas do paraíso mas atitudes do inferno e da loucura que impedirão qualquer reação realista

     

    mais uma vez negociarão com a alteração da nossa continuidade histórica, pacífica

  • E por vias tortas se faz a

    E por vias tortas se faz a justiça divina, a Grande Imprensa que serviu de abre alas da liquidação da politica foi

    EXCLUIDA DO BANQUETE, confinada no chiqueirinho sem banheiro e sem agua.

    • Essa tal justiça divina nunca previne...
      Porque essa tal justiça divina nunca previne a injustiça, mas apenas a remedia?

    • Discordo totalmente. Justiça

      Discordo totalmente. Justiça divina, André, será se o Boçal cortar de verdade verbas de publicidade estatal pros grandes grupos de mídia que ajudam a queda de Dilma ( Globo, principalmente)  - que tanto pregam o deus mercado, mas que se ficarem sem um centavo da verba do governo fecham ou enfraquecem bem. O que aconteceu foi tratar mal apenas os empregados e não os patrões. 

      E esse episódio dos jornalistas me gerou o seguinte medo = se esse governo teocrático-militar ( quem diria que podemos virar um Irã dos trópicos rs ) faz isso com pessoas que representam um quarto poder, a mídia, imagina o que ele vai fazer com os invisíveis, ou seja, a grande massa. É que nem um cara de periferia passar pela paulista é ver um garoto branco morador de PErdizes levando uma geral seguida de esculhacho da PM em plena luz do dia. No início, esse cara pobre vai adorar vendo um cara de elite sofrer uma humilhação que ele conhece há tempos. Mas aí vem a segunda parte, que é terrível = se a polícia agora faz isso com os que tem voz na mídia, imagina como será o tratamento aos sem voz da periferia?

       

       

  • Compulsão e tutela

    Quando Nassif comentava sobre a possibilidade de tutela militar do governo JB, eu punha minhas barbas no molho das dúvidas. Depois que se configurou o conjunto de falas temerárias e retratações como tônica  do governo, fiquei imaginando se os militares que conhecem há tempos  a conduta e o autocontrole do dia-a-dia do capitão-presidente não estariam desde o início traçando planos para coartar os excessos verbais do chefe messiânico, sempre que possível para impor o faz-de-conta da sinfonia harmônica. Tem gente que é escravo do logos: se não for falada,  uma coisa não existe no mundo.  Atitude totalmente incompatível com os 'arcanos' da vida estatal, como todos sabemos.

  • apoio dos "liberais"
    Chega a ser tragicômico, mais uma vez fascistas chegam ao poder com o apoio dos "liberais"...que so enxergam o patrimônio e os fundos públicos.

    Discordo só da questão do GSI. O que esse pessoal chama de informaçao e inteligência é a arapongagem. Estavam ali pra falar e vazar "relatorios" sobre os "terroristas na tríplice fronteira", o "comando vermelh e as FARC", e outras do nesmo naipe....

    O que o general quis foi valorizar o que vão voltar a fazer agora com gás total.

    O que faltou ao governo Dilma nao foi informação, estavam todas aí; faltou foi comunicação: sequer uma newsletter ou um assessor de imprensa o governo tinha. Ridículo.

  • Não há frente possível
    Eles tomaram TODOS os setores do Estado. Que frente faria frente a isso ? Eles terão de desmoronar por si mesmos. E VÃO ! Não há como esse projeto retrógrado, ignorante, preconceituoso, burro, canalha e anti popular se sustentar por muito tempo. Isso só pode dar em tragédia, infelizmente.

  • Inteligência ? Só se contratassem os russos
    Como é que o PT iria montar um órgão de inteligência, se essa "inteligência" SEMPRE esteve a serviço dos EUA ? Inteligência com nossos milicos ? Kkkkkkkk Só se o PT se articulasse com os russos né, porque aqui na bananolândia só tem capacho de tio Sam.

  • E quem vai se dispor a montar

    E quem vai se dispor a montar essa frente? Quem poderia e deveria seria o Lula. Mas a Onu, como já disse, está esperando o circo pegar fogo e não sobrar nem cinzas, pra que depois não se possa renascer uma Fenix. Antes que se manifeste a Onu, o cnj ou o stf confirmam a segunda instância morana. Daí, meu filho, é babau. Aliás, quem vai querer trabalhar na Política (assim, com P maiúsculo) em favor da causa social, se sabe que, de cada dez autoridade jurídica, pelo menos oito já demosntrou estar contra tudo o que se relaciona ao social? Se entrar na Política com boa vontade em relação ao excluído, alguém dos oito abre um inquérito sem pé nem cabeça e outro dos oito condena sem prova.

  • Lacerda

    Quando Lula capitulou a Gilmar no episódio Satiagraha/Paulo Lacerda/Protogenes, selou seu destino. Tivesse enfrentado e impichado Gilmar, os caminhos teriam sido BEM diferentes.

    Gostaria de saber de onde tiraram o mito que militar sabe administrar... quando sairam da presidencia a inflação era 215% ao ano...

  • Uma desculpa curiosa.

    Se a inteligência era da alçada das forças armadas, culpar a presidência da república é uma desculpa sofrível. Se houvera tanto risco e tanto conhecimento era obrigação alertar a população e a presidência. Mas não me recordo de nenhum alerta.  Não vi sequer colocações públicas sobre isto. Mesmo depois do incidente da NSA, a grande imprensa ridicularizou o incidente e criticou Dilma por não ir aos Estados Unidos. O setor de inteligência colocou panos quentes.  E agora em nome do liberalismo parecem concordar com concessão de bases  americanas no Brasil. Parecem concordar com a entrega  da base de Alcântara, parecem concordar com a prisão do Almirante Othon. Parecem concordar com a privatização da Embraer. 

    Esta me parecendo que juizes imprensas e militares estavam de mão dadas até no que concerne a inteligência neste golpe.

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