O futuro da governança da internet pós-Marco Civil

Sugerido por Assis Ribeiro

Do Puntogov

A agenda da governança da internet pós-Marco Civil

O marco civil da internet, aprovado no Brasil, representa um avanço significativo na disputa sobre a agenda da governança democrática no século XXI.

O Brasil é o primeiro país do mundo a contar com um instrumento normativo capaz de assegurar os direitos da cidadania no ambiente dinâmico e difuso da internet. O marco civil – assentado sob os valores da neutralidade da rede, do respeito à privacidade e da liberdade de expressão – representa um avanço significativo na disputa sobre a agenda da governança democrática no século XXI.

O projeto, construído de forma colaborativa pela inteligência coletiva das redes, adentrou a agenda do Congresso Nacional impulsionado pelos flagrantes atentados à soberania nacional denunciados por Edward Snowden. E em meio a um cenário político complexo, ainda impactado pelas manifestações de junho de 2013 no Brasil e às vésperas da disputa eleitoral nacional, a mobilização intensa de um novo tipo de cidadania venceu a forte pressão das operadoras de telecomunicação e dos monopólios da comunicação.
Cumpre agora ao país enfrentar os próximos desafios na afirmação de uma nova esfera de direitos,tendo o Marco Civil como um elemento impulsionador. A universalização do acesso à Internet é um destes desafios. E nesse ponto será preciso contrariar alguns poderosos interesses. Afinal, o Brasil ainda possui um dos planos de conexão mais caros e lentos do mundo, em um mercado pouco afeito aos valores sociais da rede e dominado por multinacionais que já procuram brechas para desvirtuar o princípio da neutralidade estabelecido no Marco Civil.

Em que pese a tendência da internet em impulsionar a democratização do acesso à informação, é forçoso reconhecer que a vitória do Marco Civil não será plena sem a adoção de uma “Lei de Mídia”, que democratize as comunicações. É possível supor que, em um futuro não muito distante, modelos de negócio inovadores, baseados na lógica colaborativa da web suplantem os veículos de massa. Mas, enquanto isso não ocorre, o Brasil deve avançar na disposição de condições justas de mercado para combater seus monopólios midiáticos que, em sua gênese, viram-se favorecidos pelas relações estabelecidas com o Regime Militar iniciado em 1964.

O Marco Civil representa, portanto, um grande avanço ao mesmo tempo em que abre novas possibilidades para a afirmação plena da cidadania na Era digital.

Interessa ao Brasil que outros países do Mercosul adotem marcos regulatórios da Internet semelhantes ao brasileiro, legitimado pela inteligência coletiva e sedimentado nos princípios da liberdade, neutralidade e privacidade.

A América do Sul reuniria, assim, condições de se tornar um território aberto de inventividade e soberania digital na caótica arquitetura global da Internet, cuja infraestrutura descentralizada ainda canaliza, paradoxalmente, a maior parte do tráfego de informações pelo território norte-americano. Os temas da soberania nacional e da independência tecnológica no século XXI estarão intimamente relacionados ao debate sobre a necessária diversificação das rotas de dados e, nesse sentido, uma possível alternativa estratégica Sul-Sul pode ser um caminho viável para a necessária afirmação da soberania de dados desses países.

O Marco Civil, portanto, abre novas possibilidades para a efetivação de uma nova esfera de direitos da cidadania na Era digital, além de criar um ambiente favorável à integração de estratégias nacionais de afirmação da soberania de dados por países, que como o Brasil, se viram expostos à estrutura de espionagem norte-americana denunciada por Snowden. Resta saber, agora, se haverá energia mobilizadora e ousadia política suficiente para que o Marco Civil represente, de fato, a abertura de um novo capítulo na contraditória e desafiadora história da governança da internet.

Redação

Redação

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  • Esse artigo, a idéia de que

    Esse artigo, a idéia de que março civil e regulação de mídias são assuntos correlatos, vai contra os interesses de nossa sociedade.

    O Nassif e outros ativistas da regulamentação das mídias tentam incansavelmente colar este assunto ao Marco Civil.

    Isto é um erro crasso.

     

    O Marco Civil, a neutralidade, é importante demais para ser arriscada pela relação turbulenta das sociedades com as mídias tradicionais que, pelo próprio advento do Marco, estão fadadas a perder espaço.

    O Marco não está consolidado. A definição de neutralidade ainda não foi julgada pelo STF.

    O. Marco pode cair a qualquer momento, numa eventual mudança de governo, até que esteja absolutamente consolidado.

    Pare de atrapalhar. Nada contra a regulação das Mídias

    Seu Nassif, vc está errado nesta.

    • Sem dúvida.

      Concordo plenamente. O marco civil da Internet precisa ser consolidado e tem muita coisa para rolar. A lei é clara quanto a neutralidade mas as empresas de telecomunicações vão argumentar que não é claro, que tem brechas, que tratamento isonômico não é neutralidade, emborar a própria lei diga que o que pode e o que não pode. E, infelizmente, uma hora o imbróglio vai chegar no STF. Realmente convém não misturar as coisas.

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