O vale de lama, por Gustavo Gollo

Vivemos em um país pérfido. Nesse local ermo, esquecido e incivilizado, uma mineradora bilionária constrói represas de contenção de dejetos ameaçadoramente acima de um povoado. Seus bilhões são suficientes para comprar fiscais, políticos e juízes. Todos esses lhes custam migalhas.

As represas são gigantescas, uma acima da outra.

Então elas se rompem, matam alguns pobres diabos nativos considerados semi-humanos com os quais ninguém se preocupa e envenenam um rio imenso que nunca mais será o mesmo. Mata o rio e envenena os mananciais de água das populações a jusante.

A tragédia decorre do fato de que os nativos não têm importância, são um povinho, ou algo assim, não são gente.

Mas esses somos nós, os brasileiros, essa a nossa grande tragédia, somos reles; vemos a nós mesmos desse modo, e os chamamos “eles”, quando “eles” somos nós, os brasileiros. E são verdadeiramente reles os que se deixam comprar, não os que sobrevivem heroica e pobremente sob a ameaça de represas, ou de outras tantas vicissitudes causadas pelo descaso, pelo desrespeito à população.
O desastre teria passado em branco se consistisse apenas em umas dezenas de mortes e destruição de residências de semi-humanos, como os vemos. Repercutiu internacionalmente a destruição ecológica. Têm mais importância as consequências indiretas às pessoas lá do mundo que as diretas, às sub-pessoas que somos nós. E assim o somos porque assim nos assumimos quando nos chamando de eles.

Por não importarmos nem a nós mesmos, permitimos que fiscais, políticos e juízes chafurdassem no lamaçal metafórico, enlameando irresponsavelmente a população que nada importa aos nossos próprios olhos, permitindo que a lama metafórica se consubstanciasse na lama nojenta que agora se esparrama pelo rio até o oceano distante.

A nojeira que inunda o Vale do Rio Doce é consequência de mero descaso.

Redação

Redação

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  • Junta de burros
    Foi dito a um avô meu, há um século, por um italiano "especialista" em caxixes: "aqui no Brasil, as autoridades custam menos que uma junta de burros em Sorocaba".

  • Essa riqueza bilionária

    Essa riqueza bilionária de grandes capitalistas nacionais e estrangeiros, tantas benesses aos poderosos podres poderes locais, resultando nessa desgraça. Mas não se esqueça que as mineradoras fazem parte de "nosso" "desenvolvimento" e "geram empregos"... Ou seja, para aumentar a desgraça ainda tornam os nativos em seus dependentes.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=UXyrm83sLsw%5D

  • "Isso não me pertence"

    É assim que se pensa por aqui. Há um total desprezo, desinteresse e ausência de zelo pela coisa pública. Quando se pensa dessa maneira para com a coisa pública, permite-se que a coisa privada seja tratada como exclusividade do dono, não importando se poderá afetar a parte pública ou não. Como a iniciativa privada só visa o lucro e o poder público, que possui o direito/obrigação de fiscalizar, pensa que "isso não me pertence" ou "não tenho nada a ver com isso" vamos colhendo catástrofes aqui e ali. Há outras prestes a explodir na cara de todos nós, brasileiros. Ninguém é demitido ou preso. No Brasil é assim mesmo, quando se atinge um certo grau de riqueza fica-se fora do alcance da lei. Também, não é pra menos, as leis foram feitas por pessoas "com posses" para ser aplicada apenas nas pessoas "sem posses". Até quando, ninguém sabe.

  • Triste

    Há mais material técnico e opiniões interessantes sobre este mesmo tema.

    Agora, escolher este texto para post é triste! Abaixo da crítica.

  • Só para comparar

    Quando se pode ser sério, por que não seguir alguns exemplos. Pode haver melhores, mas este já é um.

    http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/05/internacional/1444060968_808370.html

    Os Estados Unidos anunciaram nesta segunda-feira que a companhia petrolífera britânica BP aceitou pagar a quantia recorde de 20,8 bilhões de dólares (83,2 bilhões de reais) pelo desastre natural causado pela explosão de uma de suas plataformas no golfo do México, a Deepwater Horizon, em 2010. Esse montante é superior aos 18,7 bilhões de dólares que a empresa havia anunciado preliminarmente, em julho, para solucionar as ações judiciais ainda pendentes após o maior vazamento da história dos Estados Unidos, que contaminou grande parte do litoral do golfo do México e causou grandes estragos de ordem econômica e ambiental.

    O valor aprovado, que ainda precisa do aval da Justiça, significa o maior acordo realizado com apenas uma instituição em toda a história dos processos judiciais do país. Trata-se, além disso, de uma resposta “forte e apropriada”, disse a promotora-geral norte-americana, Loretta Lynch, ao anunciar o acordo.

    “A BP está recebendo o castigo que merece, além de proporcionar uma compensação crucial para os estragos que provocou no meio ambiente e na economia da região do golfo do México”, acrescentou Lynch em entrevista coletiva, em Washington.

    O acordo inclui o pagamento de 5 bilhões de dólares (20 bilhões de reais) ao governo federal norte-americano, em respeito à Lei das Águas Limpas, consistindo na maior multa civil relativa ao meio ambiente já aplicada na história. Oitenta por cento desse total serão destinados à reconstrução da região afetada pelo desastre. O desembolso do valor se dará ao longo de 15 anos e será aplicado de acordo com um “plano integral de reconstrução” apresentado também nesta segunda-feira em Washington.

    “Fazer justiça não é apenas despejar um monte de dinheiro e cair fora. Trata-se de investir em formas sustentáveis que confiram capacidade de ação e reforcem as comunidades do golfo em longo prazo”, afirmou a administradora da Agência do Meio Ambiente (EPA) norte-americana, Gina McCarthy, comentando esse plano.

    A BP também aceitou pagar um total de 8,1 bilhões de dólares (32,4 bilhões de reais) ao Governo e aos cinco estados atingidos pelos estragos em seus recursos naturais, com base na Lei de Contaminação por Petróleo. Além disso, aceitou reservar até 700 milhões de dólares (2,8 bilhões de reais) para enfrentar qualquer situação negativa ainda desconhecida, também relativa aos recursos naturais, que venha a ser detectada depois da assinatura do acordo.

    A companhia petrolífera britânica também aceitou pagar mais 4,9 bilhões de dólares (19,6 bilhões de reais) aos cinco estados do Golfo e mais 1 bilhão de dólares (4 bilhões de reais) relativos a ações de governos locais.

    No dia 10 de abril de 2010, a menos de 92 quilômetros do litoral de Louisiana, uma explosão destruiu a plataforma de petróleo Deepwater Horizon, causando a morte de 11 pessoas e provocando um vazamento de mais de 3 milhões de barris de petróleo cru no Golfo do México durante quase três meses.

    Segundo a secretária (ministra) de Comércio, Penny Pritzker, esse acordo propicia “uma oportunidade inédita para se inaugurar uma trajetória de sustentabilidade econômica para o litoral do golfo no presente e no futuro”. Ele também ajudará os agricultores e produtores locais a “pensar de forma diferente”, mais voltada para a conservação do meio ambiente, avalia seu colega do Departamento de Agricultura, Tom Vilsack.

     

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