Coluna Econômica

A médio prazo, o governo Lula estará morto, por Luis Nassif

A apresentadora da CNN mostra dados da indústria automobilística. Está paralisando a produção por falta de demanda. E conclui, com a lógica dos racionais, que o motivo central são as altas taxas de juros. O comentarista do jornal mostra, então, estatísticas de aumento da inadimplência. Qual a solução, então?

Aí entra em cena o demiurgo, o sábio que há décadas domina o pensamento brasileiro: o economista de mercado, de consultoria ou de papel, e dá a receita definitiva. Esses dados mostram que o governo precisa acelerar o arcabouço fiscal (termo que reforça a reputação de quem o menciona), convencer o Banco Central e, se tudo der certo, os juros começarem a cair no próximo ano e o país voltar a crescer. Porque este ano, diz ele, este ano o crescimento não vai chegar a 1%.

E aí me dou conta de que, definitivamente, o Alienista continua dando as cartas no país, recusando-se a voltar para o hospício ou, sendo politicamente correto, recorrer a um tratamento de redução de danos.

Vamos tentar entender, de forma bastante simplificada, a lógica alienista por trás da maneira como se pensa os juros.

Ponto 1 – o governo Lula é bastante vulnerável. Não conta com maioria na Câmara, está nas mãos do Centrão, não tem garantia sólida de isenção das Forças Armadas e tem contra si o tal do mercado.

Ponto 2 – os trunfos que Lula têm, ainda, é o fato de ser a única liderança capaz de se contrapor ao bolsonarismo, de defender a democracia. Mas sua sobrevivência política depende, substancialmente, da sua popularidade, que depende do atendimento das expectativas da população. Sua popularidade é elemento essencial para se fortalecer perante o Centrão e a mídia.

Ponto 3 – vê-se por aí, portanto, que a economia é desafio chave para a manutenção da governabilidade. Não se trata de um elemento solto no ar, um assunto para a Fazenda, o Banco Central e o mercado. E, principalmente, não pode se subordinar ao ritmo do BC e do mercado. Ou entende o tempo político, ou poderá colocar a perder o projeto Lula 3.

Tem-se um maremoto a caminho, do qual a paralisação da indústria automobilística é apenas um dos sintomas – gravíssimo, por sinal. Há uma crise no mercado de crédito, uma crise contratada no varejo, uma crise bancária internacional e uma impaciência da opinião pública, cujas expectativas são sempre maiores do que os governos podem contemplar.

Na melhor das hipóteses, no ritmo do BC, haverá dois anos perdidos. E, nesses dois anos, mais vulnerabilidade ainda do governo Lula, aumento da expectativa de que não conseguirá eleger o sucessor, desapontamento definitivo das bases lulistas e queda da popularidade abrindo espaço para campanhas de mídia e uma defecção da base aliada para outro candidato, que mostre maior potencial eleitoral em 2026 – e que será, inevitavelmente, da direita.

Portanto, não adianta a lógica da lição de casa da Fazenda. O próprio Fernando Haddad sabe que juros nos níveis atuais derrubam a atividade econômica (e a receita fiscal), ampliando o fosso fiscal, e aumentando a dívida pública. 

Parafraseando John Maynard Keynes (“a longo prazo todos estaremos mortos”), a médio prazo o governo Lula estará morto.

Como disse Joseph Stiglitz, no Seminário organizado pelo BNDES, foi milagre o Brasil ter sobrevivido com taxa Selic de 13,75% e taxa real de 8%.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Exatamente . A situação , no momento é complicada , mais ainda com a dupla
    Fernando Henrique Haddad / Campos Neto , tabelando , no time da Febraban !!!
    O sonho de ser aceito pela Faria Lima , e a ganância , distorcem mentes e corações .
    Foi assim com a Marta e esta sendo com o F. Henrique II . Quer ser o pai de um novo Plano Real , e assim postular o lugar do Lula !!!

  • Elites do Brasil não são só as mais atrasadas do mundo: são também as mais estúpidas. Desde 2014 tratam somente de conspirar contra Lula e a República sem perceber que assim conspiram contra a própria sobrevivência. Os invertebrados!

  • Concordo, Nassif. Se nada for feito agora o governo Lula será considerado responsável por causa da nova quebradeira provocada pelos juros.

  • Um dos erros crassos dos nossos comentaristas de aluguel, é que eles partem da premissa das melhores intenções,do mercado financeiro, para com o chamado equilíbrio fiscal. ora, o que na realidade o mercado financeiro não quer, é o equilíbrio fiscal, pois isso significaria a morte da sua galinha dos ovos de ouro. O que o mercado executa deliberadamente, através dos seus agentes no BCB é um plano de cerceamento de ações políticas que visam amarrar o desenvolvimento do país e assim obrigar o governo a extrapolar os gastos e por conseguinte cair na arapuca dos juros altos, usando a desculpa de combate a inflação.Não é a toa que eles falam tanto em âncora fiscal, pois é através da tal âncora que querem ancorar o barco da economia no cais da pasmaceira econômica.

  • Pela primeira vez se vê tensão e disputa de projeto no interior das bases dos governos desde 2003. Foi o que faltou para que avançassem as ideias e projetos civilizatórias que acabaram soterrados a partir de 2013, punindo o Brasil com o golpe e os retrocessos que vivenciamos desde lá.
    Lula deu o primeiro lance, ao questionar o Bco Central, e Gleise e muitos economistas e boa parte da militância, não apenas do PT, têm oferecido suporte a essa luta indispensável.
    Sem pressão da sociedade, fica como os rentistas agiotaas parasitas gostam: a mídia mercenária se encarrega de "santificar" o discurso dos juros altos e demonizar qualquer outro.
    Isso vale não apenas para a questão dos juros, mas para os demais projetos de reconstrução do país. E para a reafirmação de ideias e concepções que consolidam, aprofundam e dão conteúdo social para a democracia.

  • Vou chover no molhado sobre o que o Nassif já tem batido neste GGN. Falta cobertura da economia por quem entenda o conjunto, não apenas a intermediação financeira que é apenas acessória.

    E falta também ampliar na mídia alternativa. Exemplo: a crise de crédito começou somente neste ano ou já existia ao final do anti-governo que passou?
    Não lhes parece claro que o caso Americanas ilustra bem isto? Todo o sistema financeiro sabia da alavancagem exagerada da empresa. O último balando de Set/22 já mostrava endividamento muito próximo do agora alardeado como escândalo. Aí aparece um membro do sistema financeiro desistindo de ser CEO por inconsistência contábeis, que o jornalismo vagabundo logo apelidou de fraudes. Coisa que até agora não teve esclarecimento técnico, apenas elucubrações.
    A maior fraude não é a falta de notícia sobre o que já se sabia antes? Estamos num mato sem cachorro. Só se noticia a economia financeira. Mesmo assim, não se fala de alguns assuntos delicados da mesma área.

  • O mundo está sob o domínio dos bancos desde 1694, quando o Banco da Inglaterra (“Banco Central” criado pelos banqueiros nativos e continentais que desde o início daquele século financiavam as guerras da Coroa) assumiu o controle daquele país, e iniciou o período de hegemonia britânica que perduraria até o início do século XX, quando os bancos adotaram um irmão e primo distante, as (futuras) grandes corporações, que já vinham se cevando desde meados do século XIX, principalmente nos EUA. O Mundo tal como o conhecemos hoje começou aí, e o nosso papel, como futuros paíes subdesenvolvidos (posteriormente ‘em desenvolvimento’, depois ‘emergentes’, etc.) fornecedores de matéria-prima e mão de obra baratas, e compradores de produtos industrializados caros, também. Nenhuma análise sobre o futuro, ou os prospectos, de um governo progressista e/ou desenvolvimentista, pode abstrair essa pesada carga histórica. Milagre seria algum país libertar-se desse jugo das finanças, mas milagres não existem, pois após 1945 e a hegemonia americana, os países que estariam se libertando do dólar - a Rússia, a China, e a Índia - não estão trazendo uma nova visão e sistema, mas apenas tentando assumir um papel como o dos EUA, no período. O sistema que nos subjuga é internacional, e altamente articulado, e não se sairá dele com voluntarismo, e muito menos com retórica. A guerra que está por vir (ou, pelo menos, da qual estão sendo dados todos os sinais - o primeiro ministro japonês acaba de fazer uma visita surpresa à Ucrânia, 21/03/2023) virá para fazer, à moda hegemônica da OTAN e seus sabujos de sempre, o reaquecimenbto da economia global através dos meios de sempre, a guerra, a conquista, e a exploração dos recursos naturais e minerais do mundo pobre. Que outra coisa pode fazer Fernando Haddad - e Lula, no fim das contas - contra o poder dessa gente, senão tentar recolher as migalhas que caem de suas mesas? Gente que não faz as leis de um país, mas emite, controla, e faz circular sua moeda, por meio de dívidas? O PT pretende aquecer a economia com emprego, consumo, e obras públicas. KKK, respondem os banqueiros. E o KKK é só para lembrar que esta é a única segregação que de fato existe com resultados práticos e universais: pobres de um lado, ricos de outro. Para que existam ricos, é necessário que existam pobres. Para que existam países ricos, é necessário que existam países pobres. Essa lógica é inquebrantável. E qualquer tentativa de quebrá-la será tolerada, até o ponto em que possa ser cooptada e absorvida pelas finanças e negócios, e resulte em lucro para o Binômio Bancos/Corporações. Quando começar a dar prejuízo, será esmagada. Com palácios presidenciais em chamas, ou masmorras em Curitiba, tanto faz. Com sangue, ou de forma asséptica, não importa. “Money? Share it fairly but don’t take a slice of my pie.” Essa é a história do Mundo, desde 1694. Não vejo chance de mudar. Porque já era assim desde Mateus 15, 26-27. Filhos, cachorrinhos, e donos. Eis a História do Mundo. Nós, o Brasil, quem somos, nessa História?

  • Subscrevo integralmente o Uchoa Neto em seu comentário aqui.Eu acho que a banca promoveu Lula, descartando Bolsonaro, justo pela baixa imprevisibilidade de Lula, em contrário a Bolsonaro; e o PT, tolerado, especialmente porque preso ao método. Totalmente previsível e facilmente descartável. É só usar os algorítimos.

  • Caso os juros não caiam uns 3 pontos amanhã o Governo Lula deveria intervir no BC.
    Demissão sumária do sabotador que lá está, fim desse tal de copom e estabelecer como metas do BC: emprego, moeda e inflação.
    O presidente do BC deve ser cargo de confiança do presidente eleito e não do tal mercado não eleito.
    PS. Sou rentista, mas antes de mim vem o país e as futuras gerações.

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