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Proposta de educação domiciliar não considera crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, alerta UNICEF

da Página da ONU

Proposta de educação domiciliar não considera crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, alerta UNICEF

Nesta segunda-feira (1º), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) se pronunciou a respeito do projeto de lei 3179/12, de autoria do deputado Lincoln Portela (PL-MG) com relatoria da deputada Luisa Canziani (PTB-PR), que deverá ser votado em breve na Câmara dos Deputados. O projeto permite que a educação básica seja oferecida em casa, sob a responsabilidade dos pais ou tutores, excluindo crianças e adolescentes da escola regular e afastando-os do convívio com educadores e colegas. 

Considerando que crianças e adolescentes são sujeitos de direito – e não objetos de propriedade dos pais –, o UNICEF reafirma a importância da escola para o pleno exercício dos direitos deles.

Papel da escola – A “educação domiciliar” difere do ensino remoto ou híbrido, que tem sido implementado na maioria das escolas desde o início da pandemia da COVID-19. Isso porque, no ensino remoto, famílias apoiam os estudantes em casa, mas quem define as atividades pedagógicas e prepara as aulas é o professor, seguindo o currículo da escola alinhado às referências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Ministério da Educação. Na educação domiciliar, a criança não faz mais parte da escola e são os pais que decidem o que e como ela vai aprender, baseado no conteúdo da BNCC.

Família e escola têm deveres diferentes e complementares na vida de meninas e meninos. A família é o lugar do cuidado e de aprendizagens não curriculares, dentro de um ambiente privado. A escola é o lugar da aprendizagem curricular e é o principal espaço público em que o estudante interage com outras pessoas, socializa e aprende.

A participação das famílias na escola é fundamental. Pais, mães e responsáveis podem – e devem – participar da construção do projeto pedagógico da escola, participar dos conselhos escolares e contribuir com as principais decisões que impactam a aprendizagem e o dia a dia escolar. Mas não devem substituir a escola na vida dos filhos.

“Transferir exclusivamente para a família o processo de aprendizagem traz prejuízos importantes para crianças e adolescentes. Isso porque a escola é fundamental para garantir o direito à aprendizagem, à socialização e à pluralidade de ideias, além de ser um espaço essencial de proteção de meninas e meninos contra a violência”, explica Ítalo Dutra, chefe de Educação do UNICEF no Brasil. Entenda, a seguir, cada um desses aspectos.

Espaço de aprendizagem – A escola é o lugar da educação formal e da aprendizagem – e é organizada para isso. Por mais que as famílias se esforcem, elas não conseguem reproduzir em casa toda a estrutura de uma escola – incluindo educadores formados para cada disciplina, que acompanham a aprendizagem do estudante, trocam entre si, são supervisionados por uma coordenação pedagógica e seguem um currículo conjunto.

Outro aspecto importante é a avaliação do progresso da aprendizagem, que acontece diariamente dentro da escola. A lei de educação domiciliar prevê apenas avaliações parametrizadas, que não são capazes de mensurar todas as dimensões do desenvolvimento de competências indicado pela BNCC. Sem um acompanhamento e uma avaliação qualificada próxima e constante, feita por um educador, crianças e adolescentes correm o risco de deixar para trás muitas oportunidades de aprender e desenvolver muitas novas habilidades e competências, comprometendo o presente e o futuro de cada um.

Socialização – Além da aprendizagem curricular, a escola é o lugar da socialização, fundamental ao desenvolvimento infantil e adolescente. A escola é o principal espaço público que a criança e o adolescente frequentam e onde podem interagir com uma variedade de meninas e meninos da mesma idade. Por mais que a criança tenha irmãos, essa diversidade de colegas da escola não se compara à família.

Alguns pais argumentam ter medo do ambiente escolar, de que os filhos sofram bullying, ou tenham que lidar com situações difíceis. Mas não é excluindo a criança do ambiente escolar que esses problemas vão se resolver. Estar na escola, com apoio de educadores e da família, é fundamental para que a criança aprenda a lidar com os conflitos e desenvolva ferramentas para enfrentá-los. Em casos graves, a criança deve ser apoiada pelos professores e outros trabalhadores de educação.

A escola representa um lugar de interações sociais e aprendizagens pela convivência com a diversidade e o respeito à diferença; é ainda o lugar de formação da cidadania, de ampliação de experiências, de encontro com o outro.

Pluralidade de visões – A escola é, também, o lugar da pluralidade de pensamentos. A criança e o adolescente se deparam com diferentes opiniões e visões sobre um mesmo tema, o que é fundamental para que aprendam a refletir e desenvolvam o pensamento crítico.

Para aprender, é necessário que a criança se torne um pensador autônomo, capaz de analisar situações, fatos, argumentos, e tirar as próprias conclusões. Esse desenvolvimento é um direito, e ocorre prioritariamente na escola. Ela possibilita espaços de diálogo, em que a criança coloca seus conhecimentos em xeque, faz experimentos, discute, chega a conclusões e tem liberdade para debatê-las.

Ao deixar a responsabilidade do ensino apenas com a família, a criança não terá acesso a visões e opiniões diversas, não desenvolvendo as habilidades para lidar com elas de uma maneira construtiva e pacífica. Em casa, corre-se ainda o risco de expor a criança e o adolescente a práticas autoritárias e abusivas, visões distorcidas e imprecisas sobre temas mais complexos e possíveis casos de doutrinação.

Proteção contra a violência – Por fim, a escola é, sempre, proteção contra as diversas formas de violência. Grande parte da violência contra crianças e adolescentes acontece dentro de casa, com agressores conhecidos. A escola é parte essencial da rede de proteção, sendo um ambiente seguro em que a criança está em contato com adultos em que confia, que podem ajudá-la.

Estar na escola, aprendendo, é um fator crucial de proteção. Crianças e adolescentes fora da escola ou com menos anos de estudo se tornam mais vulneráveis e vítimas da violência.

“Sabemos que as escolas brasileiras enfrentam desafios e que ainda há muito a fazer para garantir um ensino de qualidade a todos. Por isso, em vez de delegar a educação à família, é preciso fortalecer a escola e investir cada vez mais em recursos para que todas as escolas possam ter as mesmas condições de oferta e na gestão da Educação para que os recursos possam ser bem utilizados”, defende Ítalo Dutra.

Redação

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