Governo Bolsonaro monta estratégia para controlar informações públicas, por Luis Nassif

Há duas maneiras de avaliar as informações públicas. Uma delas, é como instrumento de controle dos abusos de governo. A outra, é como instrumento de desestabilização de governos.

O republicanismo ingênuo do PT optou pelo primeiro caminho. A Lei de Acesso às Informações foi um marco na transparência pública. E, ao mesmo tempo, as informações se transformaram no aríete utilizado por Sérgio Moro, juiz, para derrubar o governo.

O governo Bolsonaro enxerga as informações da ótica da segurança.

A transferência do COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) para o Ministério da Justiça de Sérgio Moro, Ministro, se explica, agora, à luz do decreto 9.690, assinado ontem pelo presidente em exercício general Hamilton Mourão, e publicado nesta quinta-feira (24), no Diário Oficial da União. 

Fica claro que as fontes de investigação e informação do governo foram submetidas a uma análise militar, identificando os pontos de vulnerabilidade política e privilegiando a segurança do governo em detrimentos da transparência.

Há três indícios do andamento dessa estratégia.

O fim da Lei de Acesso à Informação

A lei definia um número restrito de autoridades que poderia decretar sigilo a um documento solicitado.  E havia prazo para resposta.

O decreto estende o poder a funcionários comissionados – isto é, ligados ao governo em exercício. O comissionado pode decretar sigilo em qualquer documento e tem 90 dias para comunicar a decisão à autoridade competente. Na prática, institui o jogo das gavetas, comum no serviço público, que acaba com toda a transparência do processo, permitindo postergar indefinidamente demandas por informações delicadas.

Diz o artigo 30 do decreto:

§ 1º É permitida a delegação da competência de classificação no grau ultrassecreto pelas autoridades a que se refere o inciso I do caput para ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 101.6 ou superior, ou de hierarquia equivalente, e para os dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, vedada a subdelegação.

§ 2º É permitida a delegação da competência de classificação no grau secreto pelas autoridades a que se referem os incisos I e II do caput para ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 101.5 ou superior, ou de hierarquia equivalente, vedada a subdelegação.

§ 3º O dirigente máximo do órgão ou da entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia, vedada a subdelegação.

§ 4º O agente público a que se refere o § 3º dará ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no prazo de noventa dias.

O decreto que compromete a fiscalização da Receita

Outro Decreto, nº 9.679, de 2 de janeiro de 2019, impôs uma série de cortes na estrutura da Secretaria da Receita Federal. O corregedor José Pereira de Barros Neto encaminhou um memorando ao novo Secretário, Marcos Cintra, denunciando o desmonte da Receita. Nele, denuncia a extinção de uma coordenação operacional e uma divisão, além de três serviços relevantes terem sido convertidos em assessoria. Alertou também para a proposta de cortar cinco dos dez escritórios da Corregedoria da Receita. Segundo Barros, haveria um efeito desastroso no combate à corrupção, “com acúmulo de denúncias, diminuição do ritmo das investigações e paralisação de trabalhos conjuntos com a Polícia Federal e o Ministério Público.

O Secretário respondeu, negando a intenção do desmonte.

Mudança do COAF para o Ministério da Justiça

A mudança do COAF para o Ministério da Justiça, de Sérgio Moro, foi justificada pela necessidade de aprimorar o combate à corrupção. Moro é um Ministro político, que foi indicado politicamente pelo presidente Jair Bolsonaro. Não é um representante do Judiciário ou da sociedade.

À medida em que fica clara a estratégia de priorizar a segurança do governo, o controle do COAF por Moro ganha um novo sentido.

Em um momento em que aparecem relações do círculo próximo da presidência com as milícias, o movimento é preocupante.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • A publicidade é uma regra

    A publicidade é uma regra geral (art. 37, caput, da CF/88). Nenhum Decreto que vise regulamentar a Lei que trata das exceções a esse princípio constitucional pode confiar ao servidor público a faculdade de revogar caso a caso a CF/88. Portanto, esse decreto tem tanto valor quanto papel de bunda usado. Enquanto não for possível responsabilizar as autoridades pelas suas decisões que tendem a enfraquecer ou mesmo substituir o sistema constitucional vigente continuaremos nadando nas águas turvas do golpe de 2016 que abriu a porteira para a expansão dos princípios do Direito Achado na Boca de Fumo (Tá tudo dominado, mano. É nóis na fita, maluco. Essa boca é nossa, porra.)

  • "O republicanismo ingênuo do

    "O republicanismo ingênuo do PT optou pelo primeiro caminho."

    Até quando confundiremos o probo, reto, "transparente" e honesto com o ingênuo? Até quando o exercício do poder implicará em enganar e dissimular?

    Enquanto fizermos aquela confusão estaremos assumindo que no governo só aceitamos se for manipulador... E nesse caso, Bolsonaros, Moros e Alckmins - começando pelo uso espúrio de Whatsapp e por ameaças de impor sigilo por 50 anos a documento público - fecharão direitinho com nossas aspirações.

    •   Até o ser humano sofrer

        Até o ser humano sofrer nova evolução cerebral - talvez daqui uns 100.000 anos. Até lá, vale o jogo do poder, feras contra feras, e o "transparente" continuará sendo sinônimo de ingênuo.

        Há duas formas de lidar com a realidade: negando-a - o que equivale a dar murro em ponta de faca - ou agindo de acordo com ela, o que permite mudar as coisas para melhor, ao menos potencialmente.

      • É possível

        Há muitas, milhares de experiências que apontam para o fato de que estamos, sim, preparados para subir uns degraus na senda da civilidade, tanto na nossa sociedade brasileira quanto em diversas outras além da nossa. Aliás esse ataque do capital é reação ao aprofundamento de consciências cidadãs, civilizadas. Não há um reaça que tenha interesse em que acreditemos ser possível um passo assim, e isso se dá justamente porque cada vez mais pessoas e mais profundamente praticam o respeito à democracia, à civilidade, ao conviver humano. Mas é só olhar pela janela que se vê atitudes civilizadas. Bem... não pela janela da mídia, que tanto se compraz com a barbárie (e por isso a promove).

        O que o pessoal de boa fé encontra dificuldade é "e se eu me desarmar e o outro não?" Nem todo mundo é Gandhi, "seja você a mudança que quer ver no mundo". Mas ainda assim poderia citar um monte de países além do nosso em que a turma é muito mais transparente que nós, gente que não é ingênua mas não é bárbara.

        Prá nós, aculturados no nosso tempo e espaço - principalmente espaço -, na nossa economia atrelada ao dólar, é um pouco mais difícil. Mas também aqui não precisa fazer muito esforço para ver que há muitas organizações em que pratica-se civilidade num nível maior e mais profundo. Não organizações como firmas internacionais, por exemplo, ou de cheirosos executivos, nessas a barbárie corre solta. (Vai ver que é por isso que essa turma se perfuma, se maquia...).

        Talvez fosse bom a gente questionar um pouco a cultura que estamos vivendo e perpetuando, mesmo que aparentemente "sem querer"...

        Um outro jeito de ser é possível.

  • Naïve Nassif

    Nassif acredita na queda de um milico, em transparência que até agora vigoraria (e como bem disse um colega aqui, regra do art. 37 da CF, e só possível de mudança mediante Emenda) e de que o cinismo da Realpolitik (idem <https://www.huxley.net/bnw-revisited/&gt;; 1958)  frearia o avanço sobre a Democracia, posto que a então Presidenta Dilma não fora capaz de comungar com eduardo cunha à época. Ou seja, a culpa do prego na mão é do Cristo, e não de um corrupto que, subornado, usa de delação premiada para garantir a sua bonança. A verdade marcha e, a reboque, nos levará a um obscurantismo ainda maior de que na ditadura, posto que endossado pela comunicação de massa hipertrofiada. 

  • Sergio Moro

    Pelo que se sabe Bolsonaro e seus filhos e muito mais sempre acharam um jeito de não pagar devidamente seus impostos, logo todo e qualquer desmonte dentro da Receita Federal não sera mera coincidência. E não adianta denunciar o perigo que as galinhas estão correndo justamente para a raposa. E a tentativa de controle da informação é uma velha conhecida dos militares e governos totalitarios. E tudo isso sob o olhar vazio de Sergio Moro. 

  • Entre a

    Censura "economica" à impresa e agora essa aberração de transformar qualquer coisa em "segredo de estado", vamos tranquila e inexoravelmente, rumo a uma ditadura "fantasiada" de democracia.........a dita(dura) cuja mostra sua cara horrenda , odiosa  e repulsiva.......Espero pra breve, o desaparecimento da "poblema "do 01........pouco a pouco vai morrer o assunto....como disse o Fabio:Tá tudo dominado, mano. É nóis na fita, maluco. Essa boca é nossa, porra.

    Sem povo na rua e sem sangue na calçada, ja era...............

  • Estancando a sangria

    Finalmente acharam a rolha para consertar os vazamentos seletivos.

    Agora não interessa mais escandalizar as massas.

    O lado bom é que a globo finalmente vai tirar as imagens de  esgoto de seu jornal.

    O lado ruim é que as coisas vão feder em segredo.

    Mais uma lição de poder para a esquerda.

    "Balanceamento entre segurança e transparência" , acabo de ouvir o Mourão pronunciar.

    E não é que o afroameríndio tem razão?

  • Logo logo um novo AI-5

    Logo logo um novo AI-5 2.0...........

     

    Bem ao gosto dos lojistas, que adoram um segredinho.............

  •  

    Some-se a intenção do BC

     

    Some-se a intenção do BC querer tirar parentes de políticos de lista de fiscalizados e mexer em limite do Coaf

    Aí a razão de Moro no Ministério da Justiça: dificultar apuração de possíveis fatos ilícitos do governo e "entourage".

    E houveram pessoas que entediam que Moro combatia a corrupção, aliás função que não compete a um Magistrado (Juiz julga)

     

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