Vivendo na ditadura, sim, estamos. Por Matê da Luz

Vivendo na ditadura, sim, estamos.

Por Matê da Luz

Quando aconteceu o episódio que alguns insistem em chamar de impeachment, uma das maiores tensões daqueles que sentiam o golpe dava conta dos ares de ditadura retornando ao cenário nacional. Ditadura, aquele período negro na história do país, é, esse mesmo, não tão distante, sabe? Data tão atual a ponto de um enorme número de pessoas consideradas de meia idade terem vivido naquele “outro Brasil”. Estas pessoas alardeavam a volta da ditadura e eu, confesso, achei que havia ali um certo exagero, um quê de desgosto justificável quando a gente batalha muito por algo e vê escorrer pelas mãos – pois é, essas pessoas batalharam por um conceito muito amplo de liberdade, que inclui as liberdades dos outros e isso, durante um tempo, tirou o Brasil da dolorida faixa de miséria e fome, é, meu chapa, fome, mas não aquela fome específica de um steak tartar, mas a fome de comida mesmo, aquela escasses que mata e, olha, eu não consigo pensar nisso sem ficar profundamente mexida e triste. Mas bem, essas pessoas falaram em ditadura e eu achei que havia um exagero. 

Daí de uns meses pra cá até a TV Globo falou em “ilegitimidade na ação de retirada da presidente Dilma do poder” e, olha, rapaz, se até a Globo fala, mesmo por ter um motivo maior por trás, ela sempre tem, poder assim não é todo dia que a gente vê, você sabe, enfim, se até a Globo tá falando é pra ficar com medo mesmo. É golpe. E golpe fede, meu amigo, e fede bonito pra todo mundo. Não pensa você que o Temer está de boas. Não tá não, você não tá vendo ele ir pro hospital com isso e aquilo e aquilo outro também? Isso é o que a gente fica sabendo, imagina que pode estar acontecendo alguma coisa que não vai chegar na gente, mas olha, pode confiar que não tem ninguém se dando muito bem porque gente que dá golpe pode até parecer esperta, mas não é não. Esperto é aquele que pega a vida e vive da melhor forma possível, e isso é muito contrário ao golpe, por pura e simples definição. 

Mas olha, voltando ao assunto principal, o que tem me chocado é que de uns tempos pra cá ficou tão evidente a ditadura que não sei como eles ainda conseguem disfarçar. Só não deram um nome pra ela, mas a gente tem “carinhosamente” chamado de golpe, porque o humor literalmente salva nessas horas. Terapia também, com todo o cuidado pra não ser considerado louco que nem o artista de rua que foi preso e dopado em Caxias do Sul, contém ironia, segue o jogo e vamos listar aqui o que é que a ditadura teve e o que o país do golpe também tem: 

– governo exerce seu poder sem respeitar a democracia: confere
– surgem a partir de golpes de estado: confere
– repressão da voz pensante: confere
– instauração do medo para controle da população: confere
– pane econômica: confere
– nenhuma divisão entre os poderes judiciário e legislativo: confere
– violência no confronto com civis em livre expressão: confere 
– censura nas artes: confere

Ou seja, estamos vivendo numa ditadura e peço desculpas aos mais velhos por ter achado exagero sua preocupação e expressão. 

No próximo texto, escreverei sobre como é ser mulher vivendo na ditadura do novo século, acompanhem.  

Mariana A. Nassif

Mariana A. Nassif

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  • Está desculpada

    De fato, é uma ditadura - feroz. Para aqueles que viveram sob a outra, eles garantem: a lanhada no lombo é igual (se não for pior agora, porque várias dores se somam). 

    A cada dia você verá acontecer mais uma arbritariedade. Na outra ditadura, covardes fardados de postavam no seu caminho quando você voltava da escola noturna, de armas à mostra. Pedir documentos era uma rara gentileza. Normalmente, provocavam todos que tivessem uma aparência fora dos esqueminhas deles. Em seguida, se você reagisse, você levava pancada, era zoado, podia ir parar na delegacia para averiguações. 

    Estávamos na classe média, hoje somos periféricos - a ditadura comeu sua aposentadoria, seu salário. Quando jovens negros pobres são abordados pelos gambé, você pensa: não há diferença entre os meganhas de hoje e o de ontem. Só na aparência. Antes, a motivação era "intelectual": barbudos, cabeludos, meninas de mini-saia, etc. Hoje, é a sua cor ou a marca do produto que você usa. Artistas são impedidos de mostrar sua arte, até o brando Caetano Veloso, que sempre pega leve com toda a direita engalanada. Qual a diferença entre a presente e a anterior?

    Agora falta você convencer a bancada do PT, porque eles nada fizeram contra o golpe cívico-militar desfechado contra a Dilma - na verdade, contra nós todos. Pelo contrário, estão dispostos a virar a página (suas próprias palavras). Equivale dizer que aceitam passivamente a porrada que todos tomamos, menos eles. Mas isso é por enquanto.

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