Crônica

Elogio da vaidade, por Homero Fonseca

Elogio da vaidade

por Homero Fonseca

Quão bom seria um mundo sem vaidade, não é mesmo? Porém, seguramente não teríamos a Nona sinfonia, nem a Mona Lisa, nem Dom Casmurro, nem tantas obras-primas mundo e tempo a fora. A vaidade, camaradas, é o motor da criação artística.

Claro, há vaidades e vaidades. O Houaiss, baseado na etimologia (do latim vanitas, vanitatis), define vaidade como qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória, fatuidade, presunção etc. E também como valorização que se atribui à própria aparência ou outras qualidades físicas ou intelectuais, fundamentada no desejo de ser reconhecido ou admirado pelos outros. Essa é a acepção a que me refiro, o resto é fuleiragem. Ela é fundamental para as pessoas criativas em geral, o impulso primitivo que leva homens e mulheres a se empenhar, suar, se angustiar em busca de uma migalha de aplausos. Tudo é uma questão de proporcionalidade: se a avaliação muito lisonjeira que alguém tem de si mesmo não corresponde ao seu talento, aí sim, temos a fatuidade, a imodéstia, a presunção, a vanidade dos dicionários.

Conheci alguns grandes vaidosos, como Gilberto Freyre, por exemplo. Mas, alto lá: a vaidade dele era proporcional ao seu talento, à sua obra inovadora e polêmica, à sua contribuição ao nosso autoconhecimento como nação. Gilberto escreveu (Tempos mortos e outros tempos) que gostava de elogios como uma criança gosta de bombons, mas não de louvor vindo de qualquer um. Ansiava, pois, por um elogio qualificado. E, certa vez, provocado pelo jornalista Geneton Moraes Neto, se reconheceu um gênio. O danado é que era mesmo.

Chato mesmo é aturar pigmeus que se julgam gigantes. Mas aí não vale a pena se ocupar de tais figuras.

Entre os escritores, a vaidade já foi definida até como uma droga pesada. No dizer da escritora e ensaísta espanhola Rosa Montero, no extraordinário A louca da casa:

A vaidade, para nós, é de fato como uma droga pesada, uma injetada de reconhecimento externo que, como toda droga, nunca sacia a necessidade de aprovação de que padecemos. Ao contrário: quanto mais cedemos à vaidade (quanto mais nos picamos), mais precisamos. (…) Enfim, como para nós a vaidade é uma droga, a única maneira de não ficar escravo dela é abster-se de seu uso o máximo possível. Coisa verdadeiramente difícil, porque o mundo de hoje fomenta a vaidade até o paroxismo.

Por isso que, quando leio ou ouço um escritor dizendo que escreve sem pensar no leitor, desconfio logo: esse, além de vaidoso, é mentiroso. Imagino o camarada a roer as unhas esperando o parecer de uma editora…

A vaidade é necessária e útil, desde que usada com moderação e senso de proporcionalidade.

Homero Fonseca é pernambucano, escritor e jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi editor da revista Continente Multicultural, diretor de redação da Folha de Pernambuco, editor chefe do Diario de Pernambuco e repórter do Jornal do Commercio. Foi também professor de Teoria da Comunicação e recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Atualmente, dedica-se à literatura e mantém um blog em que aborda assuntos culturais.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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