Categories: Crônica

O Galo Moacir

Ele apareceu na nossa república numa manhã de sábado. Foi pelas mãos do João da computação, que voltou todo animado do Mercado Municipal de São Carlos com a novidade. Era um pintinho de poucos dias, com a característica penugem amarela. Imediatamente virou atração.
João colocou-o sobre a mesa da cozinha enquanto nos sentávamos a sua volta, examinando o novo integrante da república. Um breve histórico do pintinho foi relatado pelo seu portador: foi ganho como prêmio pela compra de um engradado de ovos, seis dúzias. Mais não se sabia. Nem sabíamos se viria a ser um frango ou uma franga. O fato é que ele estava lá, indefeso e aterrorizado, imóvel diante do falatório que se instalou.
Stein sugeriu que nosso companheiro Chicão, da biologia se encarregasse de cuidar do galináceo, já que o referido companheiro tinha now-how com bichos em geral. Logo arrumamos uma caixa de papelão, uma latinha com água e quirerinha de milho. Ficou acordado por unanimidade em reunião cuja ata já se perdeu na poeira do tempo, que ele ficaria dentro da caixa, na cozinha, por uns dias, até que estivesse mais grandinho para enfrentar o quintal.
Quem se surpreendeu mesmo com o novo integrante foi a Dona Genoveva, nossa empregada, cozinheira e conselheira de puxões de orelhas nas horas vagas. Na segunda-feira ela abriu a porta da cozinha e disse: – Vixe! De donde apareceu esse galo? Dona Genoveva sabia o sexo do bicho só de olhar, percepção essa adquirida durante a vida na roça. Pronto. Estava resolvida a questão do gênero do pinto, que passou a ser chamado de Moacir, ganhando assim o respeito da moçada e a condição de mascote da república.
Moacir ficou feliz ao ter para si todo o quintal, e chegou a lutar por seu território bravamente, deixando a Dona Genoveva e algumas visitas com arranhões nas pernas. Passou noites de pânico quase todo fim de mês, quando o pessoal, já duro e teso, pensava nele para o almoço de domingo. Mas escapou de todos os revezes e teve uma vida longa e tranqüila.
No Censo de 1980 foi que veio a emancipação total do Moacir. O entrevistador veio num dia em que estávamos só eu e o João. Feitas as perguntas pertinentes, o rapaz pediu nome completo de todos os integrantes da república. Falamos os nomes dos oito que morávamos ali. Mas o João, sempre muito sacana, disse, muito sério: – Ah, estamos esquecendo o Moacir! É que ele é novo na república e a gente sempre esquece. Pode anotar aí: Moacir da Silva Pinto. Eu me escondi pra poder rir enquanto o entrevistador anotava. E foi assim que o galo Moacir se transformou num cidadão brasileiro em 1980.

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