Rainha, por Eliseu Raphael Venturi

Rainha

por Eliseu Raphael Venturi

A rainha redentora do sistema nasce do ventre de um morcego chinês por meio de um roteiro holywwodiano-darwiniano de evolução e de adaptação, com uma beleza sedutora de senso comum oriental, por mais que se assegure não haver edição digital, mas apenas percurso natural das coisas em cadeias causais, ou poderia ter vindo de um dragão tatu.

A vida viróide como impulso biopolítico supremo se lança, eu jamais recaio na intenção cartesiana, ou ontológica de qualquer um, da tentação de dizer o que é vida ou não é vida, porque o vírus absorvido no corpo é vida sem controle, ou melhor, vida no melhor dos controles jamais imaginados de uma velocidade imensa de profusão, expansão, brilho febril e apagamento, ou é o toque que desvia a vida do seu destino, ou o toque que o faz cumprir na dissipação das identidades, das expectativas, de todos os devaneios diários da racionalidade, seja qual ela for, uma grande vida repleta de fagocitações. Afinal, há quantos séculos prescindimos da filosofia e de seus heróis para fazer as coisas e tomar as decisões?

Não precisamos de seus conceitos, barrocos e rococós, nós precisamos antes incompreender para então desistir de explicar, porque hoje todos têm suas tarefas bem recortadas e já são os especialistas de seu descumprimento, até o alvorecer do novo dia cuja quentura solar já sentimos assepsiando a pele na superfície, ruborizando o sangue à visão, puxando tudo que há de profundo para o pronunciamento público e opulento dos segredos em um quadro impressionista curto em que importam as sombras coloridas. O

nanouniverso espraiado de coroas é o que se diz, se justifica, mistura incômoda lipoprotéica, centro de linguagem desprogramante, desconstrutiva, a macropolítica valia-se do microuniverso para apagar a micropolítica e a multidão, a nanobiopolítica dava a cartada da cultura do medo: quem organiza o protesto na proibição da aglomeração? Para onde vai o coletivo da rede doméstica acomodada em lasanhas e refrigerantes, cervejas e pipocas, redes sociais e aquelas narrativas estapafúrdias de broadcasting quando não há virtual do convite e do evento para se executar na praça pública coletiva e infectante? Eu me socorro no passado, na história não historiográfica, na memória anárquica, na memória do lixo esquecido. É uma possibilidade.

O medo e a vida juntos, como só poderia ser o usual na novela Política, da Política da Morte, a cultura do medo é a cultura da coação e toda essa moeda é linguagem corrente. Apenas o medo da morte apaga, ou obnubila, ou desfoca um pouco, as oposições, as polaridades, nos quadrantes das quais o sentido se perde em qualquer lance de explicação, e então apenas a situação-limite poderia criar um sonho de solidariedade, mesmo quando as medicações se saqueavam, ou os papéis, ou as formas de agregação palatar dos leites, e então se veria o decrescimento, o estado de exceção como uma boneca-russa feito de origami que recai ao seu núcleo repetitivo, o sítio e a emergência: que importam os nomes quando o que sobrevive é uma espécie de ojeriza, uma perda do olfato e do paladar, uma febre?

A rainha do sistema é normativa: é a nova Lei por um bom tempo até uma nova invenção mais espetacular, que permite desativar todas as Leis, que permite justificar e justificar e que permite, no sistema que vive de crises, porque não se estrutura visando qualquer ideia de normalidade, vocacionado à desigualdade e à desigualação, uma replicação. Licença.

Apenas se pode encontrar nas licenças somadas o respiro de que o organismo-sistema precisa para ele também sobreviver, do qual depende. A revolução é mais do mesmo. Unem-se as tribos new-age e suas derivações pós-apocalípticas. Escrevem-se poesias e cantos. Ameaça é salvação. Coação é Lei. Medo é impulso cognitivo. Coroas marcavam moedas e vírus, softwares, mas hoje as coisas são quase todas umas as outras.

A rainha traz nas reações os instantâneos dos rostos ou uma versão da reatividade em que, no temor, se exerce a mais alta habilidade de roteiro e atuação no mesmo corpo, na mesma pessoa. As prioridades e toda sorte de metáfora militar. Parecia pouco provável que ao léxico do mundo novo se viesse a incorporar um novo remix de expressões greco-romanas com alguma metáfora de pop arte.

O que mais importava era como manter a rotina de exercícios durante a crise, ou a quantos fundos se poderia recorrer.

*Eliseu Raphael Venturi é radicado em Curitiba/PR.

Redação

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