Chimérica, a integração industrial entre China e América

Enviado por Pedro Penido dos Anjos

Do blog Cidadania & Cultura

Chimérica contrapartida da Chisil

por Fernando Nogueira da Costa

David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ). Obtive em um artigo dele os dados acima, talvez os mais expressivos, em termos sintéticos, do que se denomina de “Chimérica“: a integração industrial entre a China e a América. Através de IDE (Investimento Direto Estrangeiro) norte-americano na China, condicionado à transferência de tecnologia, criou-se uma nova divisão internacional do trabalho: a China produz, os EUA consomem — e recebem financiamento chinês que lá aplica parte de suas imensas reservas cambiais. Nesse contexto, grosso modo, os BRIC emergiram, sendo o Brasil “a fazenda do mundo”, a Rússia “a usina do mundo”, a Índia “o escritório do mundo”, e a China “a fábrica do mundo”!

Evidentemente, isso é uma caricatura metafórica, pois todos esses grandes países emergentes têm uma economia multidiversificada com todos as atividades.

Compartilho abaixo outro artigo dele (Valor, 08/06/15) sobre a potencial colaboração entre China e Brasil: “Chisil“?

“A assinatura de um rol de 35 acordos bilaterais entre o Brasil e a China por ocasião da visita oficial do primeiro ministro chinês ao país em maio último foi recebida como um novo marco nas relações diplomáticas sino-brasileiras. Menos pela densidade dos acordos que, de fato, são em sua maioria nada mais que memorandos de entendimento, é o apetite revelado pela missão chinesa de investir no Brasil valores superiores a US$ 50 bilhões nos próximos seis anos a novidade a ser colocada em perspectiva.

As relações econômicas entre os países se organizam fundamentalmente em torno dos fluxos de mercadorias, de capitais e de tecnologias. É fácil constatar que China e Brasil ainda se encontram na primeira fase, a das relações predominantemente assentadas no campo comercial. Nesse campo, a China já atingiu uma posição muito favorável.

No início da década de 2000, a China surgia como uma potência imbatível na indústria tradicional (têxtil, vestuário, calçados, plásticos, etc.). Hoje, a enorme competitividade da manufatura leve de lá se manteve, mas eles também se tornaram igualmente imbatíveis nos segmentos da ponta da atividade industrial. Do lado de cá, a indústria brasileira ajustou-se ao padrão de relacionamento comercial proposto pela China, percorrendo uma firme trajetória de especialização em produtos mais básicos. Enquanto os preços internacionais desses últimos estavam nas alturas, essa estratégia mostrou-se suficientemente atrativa. Porém, após o fim do ciclo altista que sobreveio com a crise global de 2008, a indústria brasileira entrou em uma posição de córner.

Quem observar os números do comércio bilateral sino-brasileiro vai verificar a extensão da transformação ocorrida. Em 2004 a China originava cerca de 6% do valor total dos bens industriais importados pelo Brasil. Em 2014, esse valor já havia atingido a casa dos 16%, fazendo da China o maior fornecedor de bens industriais para o Brasil. Em valores, isso significa que nesses dez anos as compras de produtos industriais chineses decuplicaram, indo de US$ 3,6 bilhões para US$ 37 bilhões. Pois bem, desse montante, quase 60% referem-se a bens de mais alto conteúdo tecnológico.

No presente, os cinco produtos mais importantes nas compras da China são equipamentos de comunicação, informática, aparelhos de áudio e vídeo, equipamentos eletrônicos e produtos químicos orgânicos. Esse fluxo de bens intensivos em tecnologia cresceu nesses dez anos de US$ 2,1 bilhões para US$ 20,8 bilhões, atingindo nada mais nada menos do que quase 10% do valor das importações industriais totais do Brasil.

No outro sentido, o das exportações do Brasil para a China, também se observou um crescimento, embora menos intenso. Entre 2004 e 2014 as compras chinesas de produtos industriais brasileiros expandiram-se de US$ 3,8 bilhões para US$ 23,8 bilhões, um crescimento de 6,3 vezes. Só que desse montante, em 2014, 92,8% foram de commodities (agroindústrias de primeiro processamento, insumos básicos industriais e petróleo). As exportações de bens de mais alto conteúdo tecnológico, que eram de 11,2% do total em 2004 reduziram-se para 2,6% em 2014.

Diferentemente, no campo dos fluxos de capital as relações estão ainda em uma fase muito incipientedado que, salvo em algumas poucas exceções setoriais (distribuição de eletricidade ou petróleo), a presença de empresas chinesas no Brasil é muito tímida. Por isso, ainda não são muito visíveis os alvos que estão sendo mirados pelos investimentos chineses.

De um lado, não parece errada a visão de que a onda de IDE chineses no Brasil, assim como em outros países da América do Sul e da África, será fundamentalmente motivada pela busca de recursos naturais. Assim, o Brasil estaria diante de um ciclo de transnacionalização distinto do padrão que vigorou desde o pós- segunda guerra, no qual empresas europeias e americanas se dirigiram para cá motivadas fundamentalmente pela busca de mercados. Com base nesse diagnóstico, muitos veem na entrada de capitais chineses uma complementariedade positiva com a estrutura produtiva local, similar a que teria ocorrido no período inicial da entrada de capitais japoneses com igual objetivo nos anos 1970.

Mas há boas chances desse tipo de visão revelar-se incompleta. Parece claro que a tendência é que a atuação dos capitais chineses se diversifique em direção a empreendimentos em infraestrutura, com mais fortes encadeamentos industriais. Isso pode significar um aprofundamento da situação de córner pois os novos investimentos, externamente financiados, poderão induzir a um suprimento de bens de capital e de insumos especializados importados da China, reduzindo ainda mais o espaço para a mudança estrutural tão necessário para a retomada da indústria nacional.

Diante desse quadro, é fundamental que a diplomacia econômica brasileira equacione adequadamente as oportunidades e os riscos envolvidos no aprofundamento da cooperação com a China e abra os horizontes para que essa parceria, necessária e desejável, possa se revelar efetivamente vantajosa. Uma dimensão vital para esse objetivo está no campo da tecnologia. Aqui há um espaço para o Brasil manter uma interlocução com a China menos assimétrica do que a prevalecente nos fluxos de mercadorias e de capital. Existem diversos nichos tecnológicos nos quais esse maior equilíbrio é possível, nichos esses que podem e devem ser explorados nessa rodada de aproximação Brasil-China.”

 

Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

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