Jornal da USP – Como o senhor conheceu Florestan Fernandes?
José Nun – Pessoalmente, eu o conheci em 1970, na Universidade de Toronto, no Canadá. Naquele ano, fui convidado como Latin-American-in-Residence (professor residente) pelo Departamento de Economia e Política e Florestan atuava como professor titular no Departamento de Sociologia desde 1969, quando a ditadura militar o expulsou de sua cátedra na Universidade de São Paulo. Quatro anos antes, tínhamos nos conhecido por carta, quando Florestan era membro do Conselho Assessor do Projeto Marginalidade, que eu dirigia no Ilpes/Cepal (Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social/Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), em Santiago do Chile.
JUSP – Vocês participaram juntos de algum trabalho ou pesquisa acadêmica?
Não. O projeto anterior não passou de sua etapa preparatória e depois o transferimos para o Instituto Di Tella, de Buenos Aires, onde esse Conselho Assessor foi dissolvido.
JUSP – Qual a maior contribuição de Florestan na área da sociologia, na sua opinião?
Suas contribuições têm sido muitas, e também no campo da antropologia. Antes de tudo, ele é reconhecido por figuras muito diversas, que vão de Octavio Ianni a Fernando Henrique Cardoso, como o verdadeiro fundador da sociologia científica no Brasil. Nesse sentido e com posições teóricas diferentes, cumpriu uma tarefa similar à de Gino Germani na Argentina. Depois, desde uma perspectiva marxista crítica e não dogmática, que conseguiu valer-se dos aportes de Max Weber, por exemplo, lançou luz sobre as características da revolução burguesa no Brasil, refutando as interpretações baseadas nas teorias da modernização que se difundiram na América Latina desde os Estados Unidos nos anos pós-guerra. Por isso, sua vasta obra transcendeu amplamente as fronteiras do seu país.
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Eu tive um pouco de "dificuldade" para ler a entrevista por causa de "dúvidas acessórias". Textos de veículos institucionais não correspondem diretamente à instituição em sua totalidade. Como os jornalistas bem sabem, até o mais liberal dos artigos e dos temas podem ter alguma finalidade além da "mera informação". A pauta escolhida constrói, produz e reproduz uma linha, a "cara" do veículo. É possível, por exemplo, que a USP "da reitoria" e a USP "dos estudantes, funcionários e docentes" não sejam "homogêneos".
Não considero que a USP "da reitoria" (que deu um "golpe por cima", ocultando relações com empresa de consultoria e impôs um "teto de gastos" na mesma estrutura imposta pelo Congresso Nacional) seja digna de orgulho ao intelectual Florestan que ora celebra.
É preciso dizer e repetir. O aluno simples foi visto com ressalvas pela Faculdade que ingressou, por seus supostos pares. Como se dizia, "preconceito de classe".
Então, ao "celebrar" os 100 anos de nascimento de Florestan Fernandes, o que realmente está ocorrendo? Nestes momentos, são comuns as tentativas de se apagarem as diferenças em respeito ao celebrado. Mas, infelizmente, também é um momento de desrespeito, já que será lembrada a instituição. Então, no fim e ao cabo, o exercício final é o de autocelebração.
O AI-5 que o levou ao exílio é uma obra de um de seus pares, é bom que não se esqueça.
Gostaria que fosse uma mera especulação equivocada. Mas, depois de ver celebrações similares e compartilhar questões parecidas com amigos que frequentaram e frequentam locais semelhantes e presenciaram situações semelhantes, de orgulho autocrático por meio de uma sombra de empréstimo, cultiva-se a dúvida.