Inspirado na realidade, filme reflete desumanidade do capitalismo

‘Eu, Daniel Blake’, nova obra de Ken Loach, retrata aberrações das políticas sociais na Inglaterra
RBA
Novo filme de Ken Loach é um grito aflito por mais humanidade
Por Xandra Stefanel
Inspirado em fatos reais, ‘Eu, Daniel Blake’ retrata as aberrações do sistema de ajuda social da Inglaterra e escancara desigualdade, burocracia e a falta de empatia dos agentes do Estado
Daniel Blake (Dave Johns) é um carpinteiro de 59 anos que, depois de ter um problema no coração, é aconselhado pelos médicos a não voltar ao trabalho. Para sobreviver, procura ajuda social mas o governo o julga apto para retomar suas atividades. Ele depara então com uma burocracia sem fim do sistema previdenciário. Em uma de suas tentativas de solucionar o problema, Daniel acaba conhecendo Katie (Hayley Squires), mãe monoparental de duas crianças que não tem condições de se manter. Esta é a história do novo filme do cineasta britânico Ken Loach, Eu, Daniel Blake, que estreou esta semana no Brasil.
Ao defender a descohecida Katie em uma das idas ao Departamento de Trabalho e Pensões, Daniel acaba se tornando como um pai para ela e um avô para as crianças. Eles se unem para ajudar um ao outro e esta relação acaba sendo um respiro de ternura dentro de uma engrenagem fria e burocrática que ambos têm de enfrentar.
Repleto de crítica ao sistema e ao desmonte da previdência, o longa-metragem vencedor de Palma de Ouro no último festival de Cannes é um grito que denuncia as desigualdades sociais de seu país e as injustiças engendradas pelo sistema capitalista. A trama mostra uma burocracia kafkiana cega, que dificulta ainda mais a vida dos que mais precisam de auxílio para sobreviver. Apesar das humilhações sofridas, Daniel não se deixa abater e luta para manter a dignidade.
O roteiro de Paul Laverty surgiu a partir de histórias coletadas em bancos de alimentos e de empregos, além de alojamentos onde frequentemente encontravam as geladeiras vazias. Estão nas telas os esquecidos pelo sistema e as primeiras vítimas de todas as crises econômicas. Com precisão documental, diretor descreve os métodos de sabotagem do aparelho governamental: a voz apática ao telefone, atendentes que mais parecem robôs, mal humor e descaso com os problemas dos cidadãos.
Em entrevista ao jornal El País, Loach analisa a situação social apresentada pelo filme como uma consequência do “desenvolvimento” do capitalismo. “É um processo inevitável, é a forma como o capitalismo se desenvolveu. As grandes corporações dominam a economia e isso cria uma grande leva de pessoas pobres. O Estado deve apoiá-las, mas não quer ou não tem recursos. Por isso cria a ilusão de que, se você é pobre, a culpa é sua. Porque você não preencheu seu currículo direito ou chegou tarde a uma entrevista. Montam um sistema burocrático que te pune por ser pobre. A humilhação é um elemento-chave na pobreza. Rouba a sua dignidade e a sua autoestima”, afirma.
Loach sabe que um filme apenas não muda a realidade, mas com Eu, Daniel Blake acaba suscitando reflexões capazes de promover mudanças significativas.
Eu, Daniel Blake
Título original: I, Daniel Blake
Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
Produção: Rebecca O’Brien
Elenco: Dave Johns, Hayley Squires
Fotografia: Robbie Ryan
Edição: Jonathan Morris
Música: George Fenton
Figurino: Joanne Slater
Gênero: Drama
País: Inglaterra
Ano: 2016
Duração: 97 minutos
Redação

Redação

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  • O "Pão e Rosas", do Ken

    O "Pão e Rosas", do Ken Loach, é outro filme excelente. Vou conferir esse outro assim que puder.

  • Ué?! por que preciso assistir

    Ué?! por que preciso assistir a um filme estrangeiro para saber que não funciona e é, sim, crudelíssimo com o contribuinte que, por diversas razões, nasceu de linhagem pobre ?

    Quem ainda se espanta e/ou fica admirado com isso não sabe e/ou nunca ouviu falar de um embuste chamado SISREG.

    (http://oglobo.globo.com/rio/a-fila-do-desamparo-na-rede-municipal-20744502)

    P.S.- Minha mãe, 90 anos, acometida de osteoporose no quadril e paralisada ddos membros inferiores por sequelas de AVCs (dois) foi desligada pelo PADI (Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso)  antes mesmo da primeira visita e, que maravilha, detrminada seu atendimento na Clinica da Familia para o devido tratamento de suas doenças. Ou seja, tem que se deslocar de sua cama até ao hospital mais próximo APÓS TER SUA CONSULTA PREVIAMENTE DETERMINADA pelo bendito SISREG. Não houe tempo para indagar se a mãe do dignissimo que assim determinou é/ou foi em passado recente membro do grupo Davida.

     

  • Como se proteger

    Em primeiro lugar não é o capitalismo. É a ganância. Regime semi escravo existia também na antiga União Soviética, e existe hoje na China Comunista. Onde houver ganância e individualismo haverá crueldade, e mudar um regime pouco resolve.

    A proteção contra isto para os ricos é ter fontes de rendas diversas. Aluguel para receber, emprego, aposentadoria, etc.

    A proteção contra este desamparo, para os pobres, é na comunidade. A vida em comunidades, onde um ajuda ao outro, reduz em parte os riscos de uma pessoa ficar sem auxílio nenhum. Sozinho, e inválido, um pobre não dura muito tempo na sociedade.

     

  • "Vida EM Família" - de K Loach

    faz muito tempo vi em cinema e é daqueles que deixam a gente pensando o resto da vida.

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