Marlene Crespo, a arte da tenacidade e da tensão, por Gilberto Maringoni

Marlene Crespo, a arte da tenacidade e da tensão

por Gilberto Maringoni

“Em 1968, eu era professora do Colégio Estadual Júlio de Castilhos (…), em Porto Alegre, artista plástica e, desde 1964, membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Separada do marido, em bolsa de estudos na Polônia, vivia com os três filhos, de 12, 10 e 9 anos, do salário de professora e eventual venda de trabalhos”.

Assim começa o belo e irresistível relato de Marlene Crespo (86), que conduz o leitor pelas 176 páginas de “Desenhos da resistência”, feliz combinação de memória visual e monográfica dos anos mais devastadores da ditadura militar (1964-85). Ilustradora, gravurista, bordadeira, cenógrafa, pintora e professora, Marlene fez de sua arte – vista em galerias, revistas, jornais, cenografias teatrais e livros no Brasil, na Itália, na Espanha, na Argentina e em Cuba – um testemunho de seu tempo. A linguagem direta, em traços que por vezes aparentam talhados em madeira, desfilaram por quase toda a imprensa alternativa dos anos 1970-80, pela grande imprensa e por mostras individuais e coletivas.

Sem ser panfletária, Marlene combina imagens de detalhes miúdos do cotidiano, charges e peças puramente decorativas com uma existência agitada pela entrada e saída de empregos, dedicação à família, ativismo, prisão e tortura.

Desenhos e texto compõem um painel de tenacidade, delicadeza e tentativa constante de dialogar com públicos variados. A obra revela quem fez de sua arte um instrumento de contatos em meio à fragmentação de uma militância arriscada, que envolveu clandestinidade e cárcere.

Marlene participou do Congresso da UNE realizado em Ibiúna (SP), em 1968. Foi presa quando a polícia invadiu a fazenda onde o encontro se realizava. Era a primeira de três detenções que marcariam sua arte e seu modo de ver o mundo.

“A ditadura militar no Brasil coincidiu com um período em que, no mundo inteiro, as mulheres avançaram no rumo da igualdade entre os gêneros, ampliando seus direitos e seus espaços de participação em todas as esferas da vida social. No Brasil, o movimento feminista estabeleceu os seus primeiros alicerces, ao mesmo tempo em que, no mundo do trabalho, na cultura, nas universidades e nas organizações da sociedade civil, as mulheres adquiriram uma presença crescente”, aponta ela.

Os textos acabam sendo suporte para a linguagem visual, seu elemento natural de expressão. Alguns exibem destreza na hachura e na trama de tons feita com bico de pena, outros, com cores fortes, chegam ao oposto, numa síntese próxima à da linguagem gráfica dos logotipos. O livro apresenta a síntese de uma trajetória artística, intelectual e política de mais de meio século.

Vale a pena passear pelos desenhos de Marlene Crespo, mãe de Igor, Bruno e Fausto Fuser, os garotos que seguiram seus passos numa trajetória intelectual e militante de primeira linha.

 

Título: “Desenhos da Resistência – A obra gráfica de uma artista engajada na luta contra a ditadura militar”.

Autora: Marlene Crespo

Editora: Outras Expressões

176 páginas

Preço: R$ 30,00

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

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