Cultura

Paquetá do Piauí tem Patrimônio Vivo do estado: Raimundão da Mutamba, por Eduardo Pontin

Série PIAUÍ CULTURA REGIONAL (V)

Por Eduardo Pontin*

Raimundão da Mutamba, Patrimônio Vivo do Piauí

Quem passa por Paquetá (PI) não imagina que no interior da cidade, mata adentro, reside um senhor que recebeu do governo estadual o certificado de Patrimônio Vivo do Piauí: Seu Raimundão da Mutamba. Morador da Comunidade Quilombola Mutamba, Raimundão é um dos maiores cantadores de Lezeira do Piauí. Dança alegre e simples, a Lezeira talvez seja a expressão cultural mais característica de todo o Piauí e vem passando por um processo de reconhecimento gradual. O governo do estado comprovou isso ao diplomar Raimundo Antônio Carlos Alves (11/8/1959), o popular Raimundão da Mutamba, com o título de Patrimônio Vivo em 2021. Nada mais merecido para Seu Raimundão, que desde a sua infância brinca Lezeira e é uma verdadeira máquina de versos populares.

O município de Paquetá fica localizado a mais de 300 km de Teresina e, segundo o IBGE, tem população estimada em cerca de 3.900 pessoas. Em Paquetá, no Piauí, a cultura popular pulsa. São paquetaenses os maiores Cantadores de Viola da região: os irmãos repentistas Nely Sousa e Valdenor Sousa, do povoado Barrocão. No mesmo município fica a Comunidade Quilombola Custaneira/Tronco, onde todos os anos acontece o Reisado de Dona Rita, entre 13 de dezembro e 6 de janeiro, além de promessas da Dança de São Gonçalo e rodas de Lezeira, comandadas por Mestre Naldim. Sem falar, é claro, de Raimundão da Comunidade Quilombola Mutamba, cantador de Lezeira que é o maior orgulho de Paquetá, afinal, é a primeira pessoa da cidade eleita Patrimônio Vivo do Estado do Piauí.

Foto: Francisca Sousa

Certificado emitido pelo Governo do Estado a Raimundão da Mutamba

Raimundão é trabalhador rural, não é raro encontrá-lo na lida de sua roça, utilizando seu chapéu artesanal feito com palha de carnaúba para se proteger do sol inclemente do sertão piauiense. Assim como todos da comunidade, povo honrado e trabalhador que depende somente da chuva que Deus manda para colher alimentos e viver na prosperidade de uma grande família. Povo simples o da Mutamba. Por ser um verdadeiro mar de carnaúba, os moradores da Mutamba também se beneficiam da extração do pó da palha dessa árvore, o que gera pequena economia local que ajuda a todos.

Foto: Francisca Sousa

Carnaubal da Comunidade Quilombola Mutamba

A Mutamba é uma Comunidade Quilombola tradicional, cujo padroeiro é São Raimundo Nonato. Em agosto os moradores celebram o festejo dedicado ao santo em novena que acontece entre os dias 23 e 31. No decorrer da Semana Santa, os moradores formam uma grande roda de Lezeira no limpo bem em frente a casa de Dona Dominga, dançadeira fina.

Nessas ocasiões, é Seu Raimundão quem enfrenta a roda, puxando cantigas e dizendo versos que são respondidos a todo o pulmão por todos que dançam. Na Mutamba reside outro bom cantador de Lezeira, Seu Godelo (João Pereira da Silva, 1944), que com sua voz gutural representa muito bem essa expressão típica do sertão do Piauí.

Foto: Francisca Sousa

Seu Godelo, cantador de Lezeira da Mutamba

A Mutamba é uma comunidade respeitável, que fornece ao estado o que há de melhor na cultura popular brasileira, sendo um verdadeiro orgulho do município de Paquetá e do Piauí. Por isso, tem recebido a visita de jornalistas, escritores, universitários, autoridades de Teresina e do restante do país, que procuram aprender um pouco sobre a cultura cultivada em Mutamba.

Foto: Francisca Sousa

Caatinga da região da Mutamba

A diplomação dos 30 primeiros Patrimônios Vivos do Piauí aconteceu no Palácio do Karnak, em Teresina, com o governador Wellington Dias entregando em mãos o certificado a cada mestre contemplado. Confira a lista completa dos 30 Mestres de cultura popular do estado do Piauí na publicação do Diário Oficial do Estado do Piauí, entre eles, claro, Seu Raimundão da Mutamba.

A Lei do Patrimônio Vivo do estado do Piauí veio em boa hora, afinal, a ideia não é apenas contemplar mestres de cultura talentosos e reconhecidos pela sua comunidade. Fora esses atributos mínimos para receber o certificado do governo do estado, a Lei cumpre papel social, beneficiando não só os mestres que mesmo com privações materiais levam adiante a cultura, mas também a comunidade onde ele mora, proporcionando a ela maior prestígio perante toda a sociedade. É o que vem acontecendo com Seu Raimundão, que devolve todo o prestígio recebido pelo governo do estado ao povoado onde mora: a Comunidade Quilombola Mutamba.

Foto: Francisca Sousa

Moradores estampam o orgulho de seu lugar em suas roupas

Seu Raimundão da Mutamba que se prepare, pois a qualquer momento pode ser chamado pela Secretaria de Cultura do estado do Piauí para transmitir todo o seu conhecimento em Teresina, quando poderá cantar uma das cantigas de Lezeira mais belas e sentidas que pude conhecer:

Plantei meu milho

Daqui po sertão

Quebrei ele verde

Por causo do ladrão

Oh! Pisa o mi!

O meu bem tá pisano

O mi tá duro

E o xerém tá voano!

Raimundão da Mutamba vai ter que aprender a se virar na cidade grande.  Afinal, a sabedoria de Seu Raimundão não é mais apenas dele, é de interesse de toda a sociedade piauiense.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepauta@jornalggn.com.br.

CONFIRA A SÉRIE PIAUÍ CULTURA REGIONAL:

Pai Pedim de Atrás da Serra – O embaixador da lezeira do Piauí, por Eduardo Pontin

O canto devoto de Dona Rita – A matriarca do Quilombo Custaneira no Piauí, por Eduardo Pontin

Gabiru de Floresta – A irreverência da Lezeira do Piauí em pessoa, por Eduardo Pontin

Cantoria de Viola em colônia piauiense de São Paulo, por Eduardo Pontin

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Leia também:

As peças do Xadrez da Ultradireita

O pacto de Bolsonaro com militares e a morte de Marielle

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Eduardo Pontin

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