Série dinamarquesa ‘Borgen’ desmonta a bomba semiótica de gênero, por Wilson Ferreira

Série dinamarquesa ‘Borgen’ desmonta a bomba semiótica de gênero

por Wilson Ferreira

Ao assistirmos a série dinamarquesa “Borgen” (2010-2013, agora disponível na Netflix), é inevitável não fazermos uma comparação com “House of Cards” e os maquiavelismos do senador Frank Underwood para chegar à Casa Branca. E lá permanecer em sórdidas conspirações. “Borgen” acompanha a meteórica ascensão de Birgitte, presidenta do partido dos Moderados, ao cargo de Primeira-Ministra da Dinamarca. Apesar de cada episódio abrir com uma epígrafe de Maquiavel, “Borgen” está bem longe da mitologia política do sistema presidencialista que a série americana popularizou: o mito do “Mr. President”, o “Estado Sou Eu”, o “Príncipe Maquiavélico” e jornalistas como patifes desesperançados. A grande virtude da série é não cair nos clichês fáceis do sexismo, como sugere o tema de uma mulher comandando uma nação cercada de homens que lutam para arrancar um naco que seja do poder. Há sexismo na Dinamarca, mas as mulheres de “Borgen” não jogam com estereótipos fáceis: com anos de antecedência, “Borgen” desmonta a bomba semiótica que mais tarde a extrema-direita utilizaria para criar a política de polarizações identitárias e de gênero que transformam a discussão política em um debate irracional.

Dinamarca é uma nação escandinava, com uma população de pouco menos de seis milhões de habitantes. Ao contrário da série House of Cards (centrada no jogo político da nação mais poderosa do planeta), a série dinamarquesa Borgen (2010-2013) é um thriller político e psicológico sobre os bastidores do governo e jogo partidário que envolve, por exemplo, mudanças do gabinete do primeiro ministro ou polêmicas das reformas do sistema de saúde centrado em um pequeno país europeu.

Dinamarca pode não ser um país que tenha a mesma projeção geopolítica que dava dramaticidade às conspirações engrendradas pelas estratégias de Frank Underwood em House of Cards. Mas Borgen consegue dar universalidade sobre dramas de coalizões governamentais estreitas, frágeis e desafiadas quase que semanalmente, além das batalhas diárias que um primeiro-ministro deve ter para permanecer no cargo.

O pano de fundo podem ser questões bem regionais do cotidiano dinamarquês, mas podem se tornar tão conspiratórias e implacáveis quanto qualquer luta de poder dos Borgia.

Recém adquirida pela Netflix e composta por três temporadas (a quarta está confirmada) a série é indicada para aqueles que buscar saciar a sede pelo drama político deixado pro House of Cards. Porém, Borgen(“Castelo”, como os dinamarqueses chamam o governo que ocupa o Palácio Christenborg, em Copenhagen) está bem longe dos clichês da maneira como a indústria do entretenimento descreve o drama político norte-americano.

Em postagem passada, quando analisamos House of Cards, descrevíamos como as peripécias de Kevin Spacey vivendo as vilanias de Frank Underwood incorriam em quatro mitos recorrentes: o “Mr. President” (como se todas as decisões emanassem única e exclusivamente da cabeça do presidente); o “príncipe maquiavélico” (o poder pelo poder, como jogo narcísico unicamente de ambição pessoal); o “Estado Sou Eu!” (o mundo está à mercê de intrigas palacianas criadas por uma visão absolutista de poder); e os jornalistas (e por extensão a mídia) como um conjunto de patifes sem esperança.

É a típica mitologia política dos regimes presidencialistas como o norte-americano e o brasileiro.

Ao narrar a meteórica ascensão de Birgitte Nyborg (Sidse Babett Knudsen, de Westworld), presidenta do partido dos Moderados, ao cargo de Primeiro Ministro, Borgen mostra como até mesmo os políticos mais ambiciosos e brilhantes no mais alto cargo de um país podem se ver consumidos pela luta para se manter no poder, enquanto apaziguam os vários interesses de partidos rivais e o escrutínio da mídia dentro de um governo de coalizão.

Borgen é menos sobre como chegar ao poder e mais sobre o que acontece quando você chega ao topo, para depois sentir o peso das demandas da política, da família e das convicções pessoais que continuamente ameaçarão levá-lo ao limite.

Como o leitor perceberá, a grande virtude da série é também não cair nos clichês fáceis do sexismo, como sugere o tema de uma mulher comandando uma nação cercada de homens que lutam para arrancar um naco que seja do poder. Há sexismo na Dinamarca, mas mulheres de Borgen não jogam com estereótipos fáceis. E muito menos os homens.  Pelo contrário, a discussão política na série foge às polarizações, tão na moda pela agenda política e midiática tão diligentemente alimentada pela extrema-direita.

Inclusive a protagonista primeira ministra foge da polarização fácil para o qual o parlamento tenta arrastá-la a certa altura da segunda temporada. Mas espertamente Birgitte foge, criando outra agenda política para a grande mídia.

Birgitte dá uma pequena lição de como as esquerdas deveriam fugir da cilada da polarização identitária e de gênero que diariamente a extrema-direita e a grande mídia criam para o espectro político progressista.

A série

Faltam poucos dias para as eleições nacionais e a direção dos ventos da política estão mudando. O candidato favorito para vencer, o primeiro-ministro  Lars Hesselboe ( Søren Spanning ), descobre que sua coalizão (a Dinamarca tem oito partidos políticos e os governos de maioria são raros e geralmente tênues) está se desintegrando, enquanto Kasper Juul (Pilou Asbæk ) – assessor de imprensa da candidata Birgitte Nyborg  – encontra evidências de fraude por parte do primeiro-ministro que pode mudar os rumos das eleições a favor de quem decidir usá-las. Mas isso tem um custo ético: Kasper não pode revela sua fonte. Por quê? Porque ele tirou os pertences de Ule Dahl, conselheiro de Hesselboe, encontrado morto no apartamento da ex-namorada de Kasper, Katrine Fønsmark ( Birgitte Hjort Sørensen ), com quem ele estava tendo um caso (e ela passa a ser uma âncora de TV, complicando ainda mais as coisas).

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Redação

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