Um quebra-cabeça mitológico no filme A Deusa da Vingança, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Califórnia, Deserto de Mojave, 1998. Enquanto uma misteriosa estrela vermelha brilha no céu ensolarado, um vendedor ambulante percorre zonas desoladas com trailers e depósito de ferro-velho. Sam não encontra ninguém, liga insistentemente para sua esposa que nunca atende e encontra um motel igualmente vazio. A única voz que ouve é de um programa de rádio no seu velho carro, cujo host chamado Eddy conclama os ouvintes a acharem e fazerem justiça com as próprias mãos contra um frio assassino de crianças. Estranhamente algo prende Sam naquele lugar e as coisas ficarão ainda piores. Esse é o filme “A Deusa da Vingança” (Sam Was Here, 2016) um quebra-cabeça mitológico na mesma linha de “Mãe!” de Aronofsky. Assim como na mitologia grega na qual Nêmesis busca a vingança para manter o equilíbrio cósmico, também naquele lugar um drama cosmológico precisa ser resolvido.

Por que um vendedor insiste em bater de porta em porta em busca de clientes em uma área desabitada no Deserto de Mojave? O que é aquele estranho brilho no céu? Por que toda a ação se desenrola em 1998? Por que não há ninguém nos trailers e no motel? Quem é Eddy, a única voz humana que ele ouve no rádio?

Definitivamente, A Deusa da Vingança (Sam Was Here, 2016), filme que recentemente chegou no catálogo da Netflix, não é uma produção para aquele espectador que gosta de tudo explicadinho no final da narrativa. Com apenas 70 minutos, é um filme que está fazendo muita gente quebrar a cabeça e ter reações bem opostas: ou ama ou odeia.

Co-produção EUA-França, no país europeu ganhou o título de “Nemesis” – a deusa grega que personifica a vingança divina como forma de manter o equilíbrio cósmico através do destino, concepção fundamental do helenismo grego:

“Tudo que se eleva acima da sua condição, tanto no bem quanto no mal, expõe-se a represálias dos deuses. Tende, com efeito, a subverter a ordem do mundo, a pôr em perigo o equilíbrio universal e, por isso, tem de ser castigado, se pretende que o universo se mantenha como é” (Dicionário Hoaiss).

E o título em português acabou acompanhando a França, porém de forma mais literal, quase entregando um spoiler. Bem diferente do título norte-americano, entre a ironia e a neutralidade: “Sam esteve aqui”.

A crítica aponta que, ao lado de Mãe!, de Aronofsky, o filme A Deusa da Vingançatambém é um drama mitológico capaz de gerar comentários furiosos sobre perda de tempo. A diferença é que enquanto Darren Aronofsky saiu por todos os lados dando explicações sobre o seu filme, ao contrário, o diretor Christophe Deroo simplesmente diz que entender o filme é o que menos importa. O mais importante é acompanhar a atmosfera.

Aliás, muito bem construída com a espetacular fotografia de Emmanuel Bernard de trailers e motéis abandonados na desolação do Deserto de Mojave.

Provavelmente se o leitor chegou até esse texto, deve estar em busca de explicações depois de acompanhar o drama de Sam durante 1h e 10 minutos.

Até aqui podemos dizer que A Deusa da Vingança constrói uma interessante narrativa com uma violenta torsão, enganando o espectador: grande parte do tempo o filme nos leva a criar uma relação de empatia com Sam – um pobre vendedor colocado em uma fria pelo seu chefe, tentando voltar a tempo para casa para comemorar o aniversário de sua filha. E um urso de pelúcia gigante é a sua única companhia naquela maravilhosa desolação, o presente para filha de um pai ansioso em reabilitar uma relação estremecida com sua esposa.

As óbvias referências a O Massacre da Serra Elétrica (1974), Halloween (1978), Os Estranhos (2008) apenas são falsas pistas. Tudo parece muito realista e verossímil, como fosse um drama de um personagem urbano perdido em uma terra de “red necks” enlouquecidos. Mas o elemento sobrenatural (a estrela vermelha que brilha no céu azul) destoa de uma supostamente previsível narrativa.

O Filme

Estamos em 1998, Deserto do Mojave, Califórnia. Sam (Rusty Joiner) é um vendedor sem sorte. Em plena desolação do deserto, ele bate na porta de cada trailer mas não encontra ninguém. Ou pelo menos, ninguém quer atende-lo. Aparentemente tudo está abandonado, inclusive um motel, vazio, sem hóspedes ou funcionários.

Sam se locomove pelo deserto com um carro velho, sempre à procura de um telefone público para tentar entrar em contato: primeiro com seu chefe pedindo autorização para retornar a Los Angeles – ali, definitivamente, não é um bom local para vendas; e ligar para sua esposa, que nunca responde. Sam deixa diversas mensagens – quer chegar a tempo para o aniversário da filha, e também reatar com a esposa após uma discussão.

A única voz que ouve naquele lugar é de um programa da estação de rádio local. O host, chamado Eddy, chama seus ouvintes para compartilhar seus pensamentos e reclamações. Os ouvintes avisam que há um assassino de crianças à solta na área. E Eddy parece convocar todos para achar o criminoso e fazer justiça com as próprias mãos.

Quando o carro quebra, Sam fica prisioneiro em um ambiente hostil e vazio. Primei recebe estranhas mensagens em seu pager: “pedófilo bastardo” ou “assassino”…

Até que encontra no meio da estrada uma viatura policial e pensa em pedir ajuda. Mas tudo o que recebe é inexplicavelmente um tiro. A partir desse ponto, pessoas começam a aparecer, todos com máscaras, tentando mata-lo. Sam tornou-se o alvo e agora ele tem que desesperadamente se defender, escondendo-se em trailers vazios ou em depósitos de ferro-velho.

Pouco a pouco, Sam é tomado por uma crise de identidade paranoica: será ele é realmente o assassino de crianças ou há uma grande conspiração para culpa-lo?

Mas há um estranho detalhe: uma estrela vermelha brilha no céu ensolarado, sempre próxima ao horizonte. É um detalhe aparentemente solto, non sense em toda a narrativa. Mas fundamental, dependendo da linha interpretativa do espectador.

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Redação

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